30/04/2024 - Edição 540

Especial

Governo sabotou início da vacinação

Publicado em 14/05/2021 12:00 -

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Se o governo Bolsonaro não tivesse ignorado a terceira proposta de venda de vacinas pela Pfizer, de 26 agosto de 2020, cerca de 1,5 milhão de doses teriam sido entregues em dezembro e mais 3 milhões até março deste ano. Com 4,5 milhões de doses, mais de 2,2 milhões de pessoas teriam sido vacinadas com as duas doses e, portanto, dezenas de milhares de enterros evitados.

As informações foram prestadas à CPI da Pandemia por Carlos Murillo, gerente-geral da farmacêutica para a América Latina.

A oferta já era conhecida, tendo sido confirmada pelo então chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Fabio Wajngarten, à revista Veja. Nesta quarta, ele tentou enrolar a comissão para preservar o chefe, mas acabou entregando uma prova, a carta com uma das propostas recebidas e ignoradas.

Idosos e profissionais de saúde, prioridades no calendário do Programa Nacional de Imunizações, teriam recebido antes a vacina, adiantando todo o processo. Sem outras opções, o país acabou se tornando dependente da CoronaVac, também duramente atacada pelo presidente por ter sido negociada por seu adversário, o governador João Doria.

Uma das consequências de vivermos sob um governo que menospreza a vida humana submetendo-a às necessidades políticas do seu líder é que vamos nos tornando paulatinamente insensíveis. É tanta paulada diária no bom senso que acabamos banalizando a violência e esquecendo que certas coisas precisam causar indignação.

Por isso, é importante repetir: as decisões conscientes tomadas por Jair Bolsonaro e equipe, fazendo pouco caso da proposta da Pfizer, levaram muitos brasileiros à morte. Isso não é força de expressão, estamos falando de mortes completamente evitáveis mediante vacinação em um processo macabro comprovado por extensa documentação.

Carlos Murillo confirmou que as negociações do total de 70 milhões de doses ficaram paradas por dois meses. Ele atestou que tem protocolo de entrega da proposta ao governo e ao próprio Bolsonaro. Pressionado pela segunda onda de mortes, o presidente veio a assinar um acordo com a Pfizer em março, garantindo o fornecimento de doses a partir deste trimestre.

Antes tarde do que nunca? Sim, mas não para os mortos e seus familiares. E para quem perdeu negócios pela extensão desnecessária da pandemia devido à sabotagem na compra de vacinas.

A tropa de choque do governo tenta fazer o que pode, afirmando que não havia lei específica para permitir a aquisição, o que é bobagem. Se com a maioria folgada que tem no Congresso Nacional, Bolsonaro consegue até atropelar a legislação do licenciamento ambiental, imagine para uma vacina que salva vidas e teria apoio da oposição?

Enquanto o depoimento acontecia, o presidente da República foi para Alagoas, reinaugurar obras que já haviam sido inauguradas. O ato de pré-campanha eleitoral contou com xingamento a Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI e pai do governador Renan Filho, e ataque ao ex-presidente Lula – que apareceu ganhando de Bolsonaro em pesquisa Datafolha, na última quarta (12), por 55% a 32% no segundo turno.

Bolsonaro, quando fragilizado, ataca. O que ocorreu, nesta quinta, foram atos de guerra para excitar seguidores fiéis e servir de cortina de fumaça diante de uma imagem desgastada. O Datafolha apontou que sua aprovação passou de 30%, em março, para 24%.

Mais do que indicar culpados, a CPI da Pandemia pode reduzir a sabotagem do governo federal. Até porque o principal responsável, o presidente da República, já é bem conhecido e parece se orgulhar do feito.

Por exemplo, a China é o principal fornecedor de matéria-prima para a fabricação de vacinas no Brasil. Tanto o IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) para a CoronaVac, desenvolvida pela Sinovac e produzida pelo Instituto Butantan, quanto o da AstraZeneca, finalizada pela Bio-Manguinhos/Fiocruz dependem do gigante asiático.

Porém, o Butantan está sem IFA. Para produzir mais CoronaVac, será necessário que a China libere os cerca de 10 mil litros de IFA que estão prontos para envio, o que representaria 18 milhões de novas doses. O diretor do instituto, Dimas Covas, afirma que a culpa pelo atraso é das declarações de Bolsonaro contra a China. No último dia 5, o presidente insinuou que os chineses criaram o vírus e se beneficiaram economicamente dele.

Desde o início da pandemia, Jair Bolsonaro decidiu estimular o contágio dos brasileiros com a intenção de que todos alcançassem imunidade de rebanho e o vírus parasse de circular. Sua aposta foi de que, assim, a economia retornaria mais cedo, o que não prejudicaria a sua reeleição. O problema é que o efeito colateral dessa estratégia são centenas de milhares de cadáveres.

Como ele acredita que 0,2% da população morta é menos impactante para seus planos políticos que 14,4% dos brasileiros desempregados, então segue a aposta mórbida. Aposta que pode perder se continuar pagando um auxílio emergencial de fome (mínimo de R$ 150, máximo de R$ 375 mensais por família). Chamado de "genocida" por seus críticos, ele está ganhando alcunhas como "sovina", "insensível" e "incompetente" por um grupo bem maior.

Depoimentos comprometedores

Os depoimentos desta semana à CPI da Covid do Senado reforçaram os indícios de que o presidente Jair Bolsonaro negligenciou a pandemia. O gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, afirmou que a empresa fez em 2020 ao Brasil ao menos cinco ofertas de doses de vacinas contra o coronavírus e que o governo federal ignorou proposta para comprar 70 milhões de unidades do imunizante.

As falas de Murillo confirmam o que foi dito um dia antes na comissão pelo ex-secretário Fabio Wajngarten (Comunicação), segundo o qual o país deixou parada a negociação com o laboratório durante dois meses.

Na avaliação de senadores do grupo majoritário da CPI e integrantes da equipe do relator Renan Calheiros (MDB-AL), ambos os depoimentos, aliados ao do presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, indicam negligência por parte do presidente com medidas de combate ao coronavírus.

Barra Torres, em oitiva na comissão na terça (11), se contrapôs a discursos negacionistas de Bolsonaro e disse que barrou uma tentativa de mudar a bula da cloroquina para indicá-la a casos de Covid-19.

Na quinta (13), Murillo disse à CPI que, se o contrato com a Pfizer empresa tivesse sido assinado pelo governo de Jair Bolsonaro em agosto do ano passado, o Brasil teria disponíveis 18,5 milhões de doses da vacina até o segundo trimestre (abril, maio e junho) deste ano.

O Ministério da Saúde só firmou acordo com o laboratório em março, no qual adquiriu 100 milhões de doses, dos quais 14 milhões devem ser entregues até junho, e os 86 milhões restantes, no terceiro trimestre (julho, agosto e setembro).

5 mil mortes na conta

O Brasil teria evitado pelo menos 5.000 mortes nos últimos meses caso o governo Jair Bolsonaro tivesse aceitado a oferta de vacinas da Pfizer em agosto do ano passado.

É o que aponta cálculo feito a pedido do jornal Folha de SP pelo epidemiologista Pedro Hallal, professor da UFPel (Universidade Federal de Pelotas) e coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil.

Ele tomou como base as informações prestadas pelo gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, à CPI da Covid.

O cálculo estima que 14 mil óbitos poderiam ter deixado de ocorrer considerando uma margem de erro que varia de 5.000 a 25 mil óbitos, chamado intervalo de confiança, caso essas doses tivessem sido adquiridas.

Além disso, 30 mil internações em UTIs (unidades de tratamento intensivo) poderiam ter deixado de acontecer, com uma margem de erro que varia entre 23 mil e 37 mil hospitalizações.

“Para entender o intervalo de confiança, basta pensar numa pesquisa eleitoral e na sua margem de erro, não se trata de cenários distintos que levam em conta dados diferentes”, explica Hallal.

Para o cálculo, o pesquisador usou os seguintes parâmetros: um terço da população com anticorpos, letalidade do coronavírus de 1% e eficácia da vacina de 94%.

Com base no índice da população com anticorpos e na letalidade da doença, chega-se a um total de mortes esperado caso o país tivesse recebido as 4,5 milhões de doses. Deste número descontam-se os óbitos que poderiam ter sido evitados com base na eficácia da vacina e chega-se ao resultado.

A conta de Hallal já leva em conta as duas doses de Pfizer que devem ser aplicadas em cada pessoa que se vacina com o imunizante.

"Este cálculo é baseado na quantidade de doses, independentemente se elas fossem aplicadas para 4,5 milhões de pessoas (1 dose) ou 2,250 millhões de pessoas em duas doses. Isso não influencia no cálculo", detalha o professor.

Como comparação, até março deste ano, o Brasil havia registrado 321.886 óbitos. Março foi considerado o pior da pandemia até então, com 66.868 mortes em 31 dias, sendo superado por abril, com 82.401 óbitos. Ontem (13), o Brasil passou de 430 mil mortes.

Em outra frente, só em março, houve 21.156 admissões em UTIs em decorrência do coronavírus. De dezembro a fevereiro, foram 32.609 pacientes com Covid que tiveram de ir para uma unidade de tratamento intensivo, segundo dados da Associação de Medicina Intensiva Brasileira.

Cronologia das negociações entre Pfizer e governo Bolsonaro

Mai.2020
Primeiros contatos da Pfizer com o governo brasileiro

16.jul.2020
Fornecimento da “expressão de interesse” da Pfizer ao Ministério da Saúde, quando a empresa resume as condições do processo

6.ago.2020
Ministério da Saúde manifesta “possível interesse” na vacina

7.ago.2020
Reunião de representantes da Pfizer com o Ministério da Economia

14.ago.2020
Pfizer faz a primeira oferta da vacina, com duas opções:

30 milhões de doses, sendo:

  • 500 mil em 2020
  • 1,5 milhão no 1º trimestre de 2021
  • 5 milhões no 2º trimestre de 2021
  • 14 milhões no 3º trimestre de 2021
  • 8 milhões no 4º trimestre de 2021

70 milhões de doses, sendo:

  • 500 mil em 2020
  • 1,5 milhão no 1º trimestre de 2021
  • 5 milhões no 2º trimestre de 2021
  • 33 milhões no 3º trimestre de 2021
  • 30 milhões no 4º trimestre de 2021

18.ago.2020
Segunda oferta e a empresa consegue um quantitativo adicional de entregas para o final de 2020

30 milhões de doses, sendo:

  • 1,5 milhão em 2020
  • 1,5 milhão no 1º trimestre de 2021
  • 5 milhões no 2º trimestre de 2021
  • 14 milhões no 3º trimestre de 2021
  • 8 milhões no 4º trimestre de 2021

70 milhões de doses, sendo:

  • 1,5 milhão em 2020
  • 1,5 milhão no 1º trimestre de 2021
  • 5 milhões no 2º trimestre de 2021
  • 33 milhões no 3º trimestre de 2021
  • 29 milhões no 4º trimestre de 2021

26.ago.2020
Terceira oferta da Pfizer, com um adicional de entrega maior para o 1º trimestre de 2021

30 milhões de doses, sendo:

  • 1,5 milhão em 2020
  • 2,5 milhões no 1º trimestre de 2021
  • 8 milhões no 2º trimestre de 2021
  • 10 milhões no 3º trimestre de 2021
  • 8 milhões no 4º trimestre de 2021

70 milhões de doses, sendo:

  • 1,5 milhão em 2020
  • 3 milhões no 1º trimestre de 2021
  • 14 milhões no 2º trimestre de 2021
  • 26,5 milhões no 3º trimestre de 2021
  • 25 milhões no 4º trimestre de 2021

12.set.2020
Pfizer envia carta ao governo brasileiro indicando interesse em chegar a um acordo

11.nov.2020
Quarta oferta pela proposta de 70 milhões de doses, sendo 2 milhões no 1º trimestre de 2021, 6,5 milhões no 2º trimestre de 2021, 32 milhões no 3º trimestre de 2021, e 29,5 milhões no 4º trimestre de 2021

24.nov.2020
Pfizer faz a mesma oferta, com algumas alterações contratuais, como na necessidade de ter o registro sanitário aprovado

15.fev.2021
Nova oferta de 100 milhões de doses. Entrega de 8,7 milhões no 2º trimestre de 2021, 32 milhões no 3º trimestre de 2021 e 59 milhões no 4º trimestre de 2021

22.fev.2021
Anvisa aprova o registro permanente da vacina

8.mar.2021
Oferta das 100 milhões de doses é aceita pelo governo brasileiro, com cronograma de 14 milhões no 2º trimestre de 2021 e 86 milhões no 3º trimestre de 2021

19.mar.2021
Contrato é assinado

23.abr.2021
Nova oferta para mais 100 milhões de doses para o 3º trimestre de 2021. O representante da Pfizer disse que o segundo contrato está sendo finalizado nesta semana

Silêncio de Pazuello é confissão de Bolsonaro

Bolsonaro declarou na sua live semanal que Eduardo Pazuello "acertou em tudo o que fez no ano passado". Horas antes, a Advocacia-Geral da União protocolara no Supremo Tribunal Federal um pedido para que o ex-ministro da Saúde possa ficar calado na CPI da Covid sem receber voz de prisão dos senadores. Poucas vezes um silêncio soará tão eloquente quanto o mutismo do general.

Pazuello, o infalível, executou o pior na pasta da Saúde da melhor maneira possível. Fez isso porque "um manda e o outro obedece". Beneficiado com o salvo-conduto do Supremo, o general migraria da condição de testemunha para a de investigado. E poderia exercer o direito constitucional de não produzir prova contra si mesmo, escondendo-se atrás de meias palavras. Ou de palavra nenhuma.

O ex-ministro não teria de explicar por que converteu a cloroquina em poção mágica do SUS. Não precisaria dizer que refugou 70 milhões de doses de vacinas da Pfizer em agosto de 2020 para livrar os brasileiros da maldição do jacaré. Estaria dispensado de arranjar desculpas para a humilhação de ter rasgado o compromisso de compra de 46 milhões de doses da "vacina chinesa do Doria" em outubro.

Delegado aposentado, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) contou que a CPI da Covid estenderá para o general na próxima quarta-feira o tapete vermelho reservado às testemunhas. Decidiu-se que, independentemente da posição do Supremo, Pazuello será convidado a assumir o compromisso de dizer a verdade sobre tudo o que "acertou" na Saúde.

Entretanto, não se pode impedir uma testemunha de reivindicar a constrangedora posição de investigado. "Ao pedir o habeas corpus ao Supremo, o ex-ministro se apresenta como alguém que precisa esconder alguma coisa. É uma confissão de culpa. Se ele se recusar a assumir o compromisso de dizer a verdade, não restará à CPI senão interrogá-lo como investigado."

De fato, o eventual silêncio soará com a eloquência de uma confissão. Não apenas de Pazuello, que obedeceu a ordens absurdas, mas sobretudo de Bolsonaro, que mandou fazer o impensável.

Rejeição da atuação de Bolsonaro na pandemia é de 51%

A desaprovação da gestão do presidente Jair Bolsonaro na pandemia de Covid-19 teve uma oscilação negativa de três pontos percentuais para 51%, mostrou pesquisa Datafolha publicada na noite de quinta-feira no site do jornal Folha de S.Paulo.

De acordo com o levantamento, em que pese a oscilação negativa na desaprovação da gestão da pandemia em relação ao levantamento anterior feito em março, o percentual dos que desaprovam a forma que Bolsonaro lida com a Covid-19 está 18 pontos percentuais acima do patamar mais baixo, de 33%, registrado entre o final de março e início de abril de 2020, quando o Datafolha fez o primeiro levantamento sobre o tema.

O percentual dos que aprovam a gestão do presidente na pandemia, de acordo com o Datafolha, é de 21%, ante 22% no levantamento de março. Os que a consideram regular são 27%, ante 24% na sondagem anterior.

O Datafolha ouviu 2.071 pessoas presencialmente entre terça e quarta-feiras desta semana. A margem de erro da pesquisa é de 2 pontos percentuais.


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