30/04/2024 - Edição 540

Poder

Tática da barriga põe rachadinha dentro de 2022

Publicado em 27/11/2020 12:00 -

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Em depoimento por escrito ao Ministério Público, Fabrício Queiroz admitiu que parte da movimentação milionária encontrada na sua conta bancária vinha da apropriação de nacos dos salários de assessores do antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.

O operador de rachadinhas alegou ter agido por conta própria, sem que o seu chefe soubesse. Com isso, condenou o primogênito do presidente da República a percorrer a conjuntura na constrangedora posição de imitador de Lula. Assim como o ex-presidiário petista, Flávio foi como que sentenciado a repetir "eu não sabia".

Na política, convém evitar dois extremos. Num, estão os políticos capazes de tudo. Noutro, situam-se os políticos incapazes de todo. Queiroz acomodou Flávio no segundo grupo, onde se aglomeram os políticos meio atoleimados, incapazes de perceber as acrobacias que os assessores realizam sob o seu nariz.

Para sorte do filho Zero Um do presidente, o Ministério Público do Rio não deu crédito a Queiroz. Para os promotores, Flávio não é o bobão que seu ex-assessor tenta pintar, mas o chefe da organização criminosa que se formou em seu gabinete.

Não é por outra razão que a defesa de Flávio Bolsonaro —a atual e a anterior—a adota a barriga como principal ferramenta processual. Os advogados já ajuizaram mais de uma dezena de recursos protelatórios.

Além de retardar o julgamento, conseguiram transferir o processo da primeira instância para o foro especial do Tribunal de Justiça do Rio. O Ministério Público recorreu ao Supremo. Mas Gilmar Mendes, relator do caso, sentou em cima do recurso.

Do ponto de vista político, há um quê de suicida na tática de Flávio. Ao protelar o andamento do processo, o filho do presidente enfia o seu drama penal, que inclui repasses de R$ 89 mil para a primeira-dama Michelle Bolsonaro, para dentro da campanha eleitoral de 2022.

Há três meses, quando lhe perguntaram sobre a origem do dinheiro depositado na conta de sua mulher, Bolsonaro manifestou o desejo de "encher" a boca do repórter de "porrada". Se Flávio continuar atrasando o relógio, seu pai pode ouvir novamente a incômoda pergunta quando estiver com os pés nos palanques. Será que também vai dizer que "não sabia"?

Bolsonaro injeta escárnio no caso da rachadinha

A Justiça, como se sabe, é cega. Mas certos magistrados desenvolvem requintados mecanismos de audição. Tome-se o caso do desembargador Bernardo Garcez. É corregedor-geral de Justiça do Rio de Janeiro. Integra a Turma Especial do Tribunal de Justiça do estado. É esse colegiado que julgará o processo sobre o caso da rachadinha, estrelado por Flávio Bolsonaro. No último dia 21, o doutor e suas orelhas estiveram com o pai do investigado. Sem alarde, permaneceram com Jair Bolsonaro por duas horas, no Palácio do Planalto.

O encontro com o desembargador foi solicitado pelo presidente da República. Sobre o que conversaram? O Planalto não informa. O Tribunal de Justiça do Rio alega que o colóquio foi sobre "assuntos gerais de interesse da administração pública." Hummmm… Nada relacionado com processos judiciais. Então, tá! Mencionaram-se dois exemplos: 1) Os desafios do Judiciário durante a pandemia; 2) A participação do chefe da Corregedoria-Geral de Justiça do Rio num comitê de modernização de ambiente de negócios.

Bolsonaro dá as costas para o coronavírus sob o falso argumento de que foi chutado para escanteio pelo Supremo. Recusa-se a instituir uma coordenação nacional para a pandemia. De repente, posiciona-se junto à bandeira do córner para recolocar a bola em jogo. Preocupa-se agora com os "desafios do Judiciário" na guerra contra o vírus. Poderia reunir-se com Luiz Fux, presidente da Suprema Corte. Mas prefere prestigiar o doutor Bernardo Garcez que, por acaso, participará do julgamento do Zero Um. Curioso, muito curioso, curiosíssimo.

Não fosse o faro de Bolsonaro, ninguém imaginaria, de resto, que o talento para a "modernização do ambiente de negócios" estivesse escondido justamente na Turma Especial do Tribunal de Justiça do Rio, em meio às folhas do processo que enroscou Flávio Bolsonaro num esquema que resultou num desvio estimado em R$ 6 milhões. O presidente não se cansa de surpreender o país. Revela agora uma insuspeitada habilidade para reconhecer méritos excepcionais.

Bem verdade que a aproximação de Bolsonaro com Bernardo Garcez deixa o desembargador em constrangedora posição. Na hora de julgar o primogênito, se exibir posições favoráveis ao investigado, o magistrado não se livrará dos comentários maledicentes. De nada adiantará dizer que decidiu conforme suas convicções. Existe algo mais suspeito do que uma conduta absolutamente irrepreensível?

Sob Bolsonaro, o escárnio vai adquirindo na Presidência da República uma doce, uma persuasiva, uma admirável naturalidade.

Bolsonaro desiste de depor para evitar a prorrogação de inquérito sobre PF

Jair Bolsonaro informou ao Supremo Tribunal Federal que desistiu de depor no inquérito em que é acusado pelo ex-ministro Sergio Moro de tramar a interferência política na Polícia Federal. Tomou a providência por duas razões:

1) Deseja evitar uma nova prorrogação do inquérito;

2) Quer apressar o relógio para retomar a ideia de transferir o delegado Alexandre Ramagem da chefia da Abin para a direção-geral da PF.

Em privado, Bolsonaro se diz convicto de que o caso será arquivado pelo procurador-geral da República Augusto Aras tão logo as conclusões da PF lhe cheguem às mãos. Daí a pressa.


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