Meia Pala Bas
Publicado em 10/04/2014 12:00 - Rodrigo Amém
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Um professor de Filosofia do Centro de Ensino Médio 3 de Taguatinga, no Distrito Federal, elaborou a seguinte questão em sua prova: “Segundo a grande pensadora contemporânea Valesca Popozuda, se bater de frente é: A – tiro, porrada e bomba; B – é só beijinho no ombro; C – recalque; D – é vida longa”. Segundo o educador, a ideia era chamar a atenção dos alunos e da imprensa para a construção de valores na sociedade atual. “A prova foi uma provocação”, afirma.
A internet, é claro, subiu no tradicional bonde da ofensa e execrou a iniciativa pedagógica. Na discussão sobre a validade ou não da utilização de música popular como tema de filosofia, muita gente confundiu metodologia de ensino, objeto de estudo e relativismo cultural. Abaixo, os três maiores equívocos que apoiadores e detratores da iniciativa não se cansam de reciclar.
Aula de filosofia não é lugar pra falar de funk
Tem muita gente – inclusive muito professor de filosofia – que acha que é heresia arrastar os delicados mecanismos dessa ciência no chão enlameado da cultura popular. Seria como usar um violino pra tocar, bem, funk carioca. Mas filosofia é a principal ferramenta para desenvolvimento de uma mentalidade crítica, capaz de avaliar e julgar o mundo ao nosso redor e a nós mesmos. Se existe uma oportunidade na escola para discutir o impacto de uma mensagem, uma obra ou uma forma de expressão, esse momento é durante a aula de filosofia.
Valesca é funkeira, logo, não é “pensadora contemporânea”
Sempre desconfie de qualquer argumentação que venha carregada de adjetivos. Chamar a Valesca Popozuda de “grande” pensadora contemporânea foi, sim uma provocação. Longe de uma aproximação imparcial, o professor apresenta o objeto da questão como piada. No entanto, Valesca marca sua presença na contemporaneidade através de declarações, músicas e performances. Podemos discordar de forma e conteúdo, mas não de sua condição de pensadora contemporânea. Até porque é a mesma condição da qual todos nós partilhamos. Valesca Popozuda se comunica, logo pensa, logo existe. Assim como você.
O professor queria iniciar um debate sobre valores culturais
São inúmeras as questões filosóficas dignas de serem levantadas a partir de “Beijinho no Ombro”. Pode-se discutir a questão da cultura de consumo como expressão da realização social (“Daqui do camarote nem dá pra te ver”) e o feminismo na cultura da sexualidade do funk carioca são exemplos mais óbvios. Até mesmo o surrado debate da alta x baixa cultura (os referidos valores culturais) poderia ser explorado. Mas não. A questão avaliava apenas se os alunos conheciam a letra, uma vez que as alternativas limitavam-se a completar o verso do enunciado. O professor abriu mão de avaliar a percepção de consumo cultural por uma piada com um pé no preconceito. Só quem não entendeu foi Valesca, a pensadora contemporânea.
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