28/03/2024 - Edição 540

Brasil

Padrão cultural que causou genocídio de índios em 1993 foi agravado, diz vice-procurador

Publicado em 22/11/2018 12:00 -

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O procurador federal Luciano Mariz Maia, vice de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República, foi responsável pela acusação no único caso de condenação por genocídio na história da Justiça brasileira, dos garimpeiros que chacinaram 16 índios no "Massacre de Haximu" (1993), quando era procurador em Roraima.

Dos cinco condenados, só um, Pedro Emiliano Garcia, está vivo e foi preso, no dia 1º de novembro, acusado por crimes ligados à mineração ilegal na Terra Indígena Ianomâmi.

Para Mariz Maia, o distúrbio cultural que levou ao genocídio, na época, "foi agravado nos anos posteriores". "O garimpeiro é um herói da sociedade local, na praça central de Boa Vista há um Monumento aos Garimpeiros. Mas não há nenhum garimpo permitido em Roraima e, pelo menos desde 1989, o garimpo em terra indígena é crime", afirma.

A grande estátua de um garimpeiro, a que se refere Mariz Maia, está localizada ao centro da praça do Centro Cívico, a principal da capital de Roraima, em volta da qual estão o Palácio do Governo, a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Justiça. Ele está para Boa Vista como o monumento a Juscelino Kubitschek em Brasília, junto à Praça dos Três Poderes.

A apologia ao garimpo coloca o índio como obstáculo a ser coletivamente eliminado, segundo o vice-procurador-geral porque "o garimpeiro é um herói que a custa de sacrifícios pessoais expande as fronteiras da riqueza. E o índio, de muitas terras, 'preguiçoso', passou a ser o dono das terras".

Essa alteração da lei não correspondeu a uma mudança cultural na sociedade. "Conseguimos demonstrar esse choque: se o sujeito era herói e agora se torna bandido, imagine a frustração. São fatores que interferem para que esses grupos sejam violentos com os índios", diz o procurador.

O genocídio foi definido na Convenção para Prevenção ao Crime do Genocídio, de 9 de dezembro de 1948, que em dezembro completa 70 anos, e foi incluído na Constituição brasileira de 1988. Sua tipificação prevê uma pluralidade de situações: "Destruição no todo ou em parte de um grupo étnico ou religioso em razão de seu pertencimento a essa minoria. Morte, lesões ou morte de um líder que desarticule política ou culturalmente esse grupo, mudanças forçadas ou esterilização", explica o vice-procurador-geral.

Para caracterizar o genocídio, em 1993, a acusação usou as provas de que os matadores tinham por objetivo exterminar uma comunidade inteira e, ao não acharem todos os habitantes, mataram as pessoas encontradas em um acampamento do grupo.

Os índios eram vistos como "uma coletividade abstrata, apontada como empecilho aos interesses de outros grupos coletivamente vistos", explica.

Funai

Membros da equipe de transição do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL-RJ) discutem a hipótese de retirar a Funai (Fundação Nacional do Índio) do controle do Ministério da Justiça, pasta que será ocupada pelo ex-juiz federal Sérgio Moro. A ideia, ainda não confirmada, tem gerado apreensão entre servidores da Funai, indigenistas, antropólogos e indígenas, que temem a transferência do órgão para alguma pasta controlada pelo agronegócio.

São discutidos com alguns indigenistas, consultados informalmente pela transição, três destinos para a Funai: o Meio Ambiente, um futuro “Ministério de Cidadania” e o Ministério da Integração Nacional. Um alto integrante do futuro governo, com a condição de não ser identificado, confirmou que há várias discussões em andamento sobre o futuro do órgão. Indigenistas também acreditam numa ação política para colocar o órgão na Agricultura, a ser chefiada pela deputada federal e coordenadora da bancada ruralista Tereza Cristina (DEM-MS).

A Funai está vinculada ao Ministério da Justiça há mais de 30 anos. Pelo menos desde os anos 50, quando tinha o nome de SPI (Serviço de Proteção ao Índio), ela não aparece ligada à Agricultura. Mesmo durante a ditadura militar (1964-1985), que transformou o SPI em Funai, em 1967, o órgão não ficou vinculado à Agricultura, mas sim ao Ministério do Interior, extinto em 1990.

A suspeita sobre um plano de transferência, ganhou corpo após a senadora bolsonarista eleita de Mato Grosso do Sul, Soraya Tronicke (PSL), ter postado em rede social uma fotografia ao lado de Tereza Cristina, do general Augusto Heleno, que irá ocupar o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), de Azelene Inácio Kaingang, atual diretora de Proteção Territorial da Funai, e do marido de Azelene, Ubiratan Maia. “Juntos com Bolsonaro vamos mudar a história do Brasil”, escreveu Soraya.

Diretora de um setor da Funai durante o governo de Michel Temer, Azelene é conhecida no órgão por defender parcerias agrícolas entre indígenas e produtores rurais e é considerada uma interlocutora da bancada ruralista no Congresso. Seu marido foi alvo de investigação movida pelo Ministério Público Federal em 2008 para apurar suposto arrendamento ilegal de terras indígenas em Santa Catarina.

Em 2016, ele prestou depoimento a uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) criada na Câmara pela bancada ruralista para pressionar antropólogos e indigenistas contrários ao agronegócio, quando acusou o Ministério Público de agir ideologicamente para impedir os indígenas de produzirem. Maia argumentou que “os índios querem fazer suas parcerias agropecuárias, querem explorar seus recursos genéticos, o que [eles] têm bastante”.

A senadora eleita Soraya disse que o papel da Funai está sendo discutido, mas não há nada fechado. Ela afirmou que não faz parte da equipe de transição e que seu papel é apenas “extra-oficial” nas conversas.

“Foram levantadas inúmeras hipóteses porque a Funai não é um caso de polícia, né? Foram levantadas inúmeras hipóteses de onde poderia ser alocado da melhor forma possível. Está todo mundo trabalhando para fazer o melhor governo possível”, disse Soraya. A senadora eleita disse que quer “ajudar os dois lados”, indígenas e produtores rurais. “Há sofrimento dos dois lados. As demarcações avançam e os índios continuam sem subsídio, continuam na pobreza e nós não queremos isso, queremos a prosperidade dos indígenas”, disse Soraya.

Andréa Prado, da INA (Indigenistas Associados), organização não governamental que reúne servidores da Funai e outros apoiadores da causa indigenista, defende que o órgão continue sob o guarda-chuva do MJ (Ministério da Justiça), lembrando que o órgão tem como uma das principais atribuições fornecer aos indígenas o “direito à terra, garantido no artigo 231 da Constituição”. O MJ, segundo Andrea, “tem desde sua fundação, entre suas atribuições, também a do tema dos direitos humanos e fundamentais”. “O direito territorial é um direito fundamental, pois garante aos indígenas o direito de existir, de manter uma organização social e cultural própria, tão profundamente em risco”, disse a presidente da INA.

O secretário-executivo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Cléber Buzatto, disse ver com grande preocupação a possível saída da Funai do MJ. “O temor é que ocorra um achatamento ainda maior das responsabilidades institucionais do governo brasileiro, especialmente na questão das demarcações. Preocupa também a possibilidade de que o órgão indigenista seja ainda mais instrumentalizado por forças ligadas ao agronegócio”, disse Buzatto.


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