26/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Sobre torcidas e votos

Publicado em 16/07/2014 12:00 - Rodrigo Amém

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Falar de futebol, no Rio de Janeiro, é uma maneira obrigatória de estabelecer relações entre desconhecidos. “Pra qual time você torce?” é uma pergunta que pode iniciar uma amizade, vínculo empregatício, sociedade, até casamento. Sempre que alguém me pergunta o meu time, eu estufo o peito e mando na lata: Operário.

– Operário? Que diabo isso, merrrmão?

– Operário Futebol Clube.

– Aquele de Mato Grosso?

– Do Sul, por favor.

E o cara cai na gargalhada. E mais ou menos como se eu admitisse não saber amarrar meu tênis. Ou ter ejaculação precoce. Mas, depois de passada a crise de riso, a conversa morre, já que não tem muito mais que ele possa dizer. Não faz sentido tirar sarro de um torcedor de um time da série B de Mato Grosso. E do Sul! O cérebro dele não compreende apoiar um clube tão… humilde.

Para boa parte dos fanáticos, ser torcedor significa deixar de ser insignificante sozinho para ser grandioso em grupo. É a chance de viver vicariamente os triunfos que a vida lhe nega. Não há desempregados, frustrados, doentes, esquecidos, abandonados, feios e burros na geral. Só há campeões. É por isso que há rivalidades entre times e seleções, como no caso Brasil e Argentina. O futebol é uma das poucas áreas onde brasileiros e argentinos encontram o conforto de sentir orgulho de ser quem são no cenário mundial.

Mas eu não torço assim. Eu não vejo sentido em me vangloriar das conquistas alheias. Prefiro focar nas minhas, insignificantes, mas minhas. Aprender a amarrar os sapatos, por exemplo. Campeão, pra mim, é quem joga e vence. Não quem toma cerveja e grita na beira do campo.

Para boa parte dos fanáticos, ser torcedor significa deixar de ser insignificante sozinho para ser grandioso em grupo.

Eu torço pelo Operário, sim. Mas não pelo que o time pode me proporcionar. Torço porque eles precisam do apoio. Torço para que vençam, consigam pagar suas dívidas trabalhistas, formar craques, atrair mais torcedores. Para que o time volte aos seus dias de glória como referência no esporte do MS. Mas tudo bem. Cada um torce por quem quiser, pelo motivo que quiser.

Agora que já teve Copa, começa o período eleitoral. E que coisa estranha: a tendência se inverte. Quem torce pelo sucesso do time para poder se vangloriar dele, passa a votar pela própria individualidade. O sujeito vota pelo benefício direto, no candidato mais próximo, pela melhor permuta. O eleitor escolhe o candidato que oferece um alívio imediato, concreto, ainda que de curto prazo. É uma dentadura, um saco de cimento, um emprego no gabinete. E, se é do time desse vereador, o voto também vai para o governador e o presidente da chapa dele. O torcedor que é um gigante na arquibancada fica pequenino na cabine eleitoral.

Talvez o futuro fosse mais promissor se trocássemos as bolas: Comemorar as próprias vitórias e votar pelo time, no lugar de comemorar as vitórias do time e votar por si próprio.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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