29/03/2024 - Edição 540

Especial

Vote nulo! Ou não?

Publicado em 16/07/2014 12:00 -

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Você liga a TV e as mesmas palavras aparecem: desvio de dinheiro público, improbidade administrativa, caixa 2. Sem falar nos deslizes que os governos cometem mesmo quando são bem-intencionados. Diante de tanta desilusão com a política no Brasil, muita gente decide chutar o balde, recusar todos os candidatos de uma vez e votar nulo. Outros se perguntam se, afinal de contas, o ato de anular tem algum valor para melhorar o país.

No Facebook há dezenas de páginas e fan pages que tratam explicitamente do voto nulo. O assunto também está na TV. Há alguns anos a MTV foi acusada de fazer propaganda do voto nulo em uma vinheta que sugeria ao público jogar ovos e tomates nos políticos.

Em 2002, 7,35% dos votos computados (cerca de 7 milhões) foram nulos. Em 2006 houve pequena queda, 5,68% (o equivalente a 6 milhões), percentual próximo aos 5,51% registrados em 2006 (6,1 milhões).

Será que esses votos são resultado de uma atitude politicamente consciente? Ou significaram simplesmente tomar uma decisão alienada de jogar um direito no lixo?

Na história, o voto nulo já foi uma bandeira ideológica. Era uma ideia básica dos anarquistas, um dos movimentos da esquerda, provenientes do século 19 e que tiveram grande influência mundial no começo do século 20. Para eles, votar nulo era uma condição para manter a própria liberdade, se recusando a entregá-la na mão de um líder. Anarquistas como o filósofo francês Pierre-Josef Proudhon não viam grande diferença entre reis tiranos que oprimiam seus súditos e presidentes eleitos pela maioria. “Não mais partidos, não mais autoridade, liberdade absoluta do homem e do cidadão”, pregava Proudhon. O ideal dos anarquistas era uma sociedade organizada pelas próprias pessoas, sem autoridades e sem líderes.

Hoje, esse discurso pode parecer empoeirado, coisa do passado. Mas há quem se pergunte se um pouco da utopia não serviria como uma opção coerente diante de tantos problemas e absurdos da democracia representativa.

É o que pensa o cientista social David Victor-Em­ma­nuel Tauro, para quem o voto nulo não é um voto perdido. Pelo contrário. “O voto perdido é aquele dado a um candidato que não presta ou que não tem chances de vencer, é o voto para o peixe menos podre. O voto nulo é um voto de protesto que significa que o cidadão não quer participar neste processo podre. Não quer ser representado por ninguém, O sistema de representação é podre por essência. Ou o eleito te representa e se faz trouxa quando a questão diz respeito aos seus benefícios pecuniários, ou ele se representa e nós pagamos o pato. O voto nulo implica que o cidadão quer sua cidadania de volta, quer decidir com a coletividade os rumos da sociedade. Todo mundo tem juízo suficiente para decidir os rumas da sociedade em coletividade”.

Representatividade?

A favor ou contra o voto nulo, todos concordam que o atual sistema político tem problemas muito mais profundos que a escolha de um ou outro candidato. Segundo o IBGE, mais de 30% dos brasileiros não sabem quem é o governador de seu estado. Dois em cada 10 brasileiros não conseguem dizer quem é o presidente da República, e só 18% praticaram alguma ação política, como fazer uma reclamação ou preencher um abaixo-assinado.

“A democracia virou um espetáculo de televisão que emerge apenas durante a época de eleições”, afirma o sociólogo Edson Passetti, pesquisador do Departamento de Política da PUC-SP. “O cidadão renunciou a sua consciência crítica e migrou para uma posição de opinião pública, que é forjada pela televisão.” Para Passetti, votar nulo não serve para eliminar corruptos da política, mas pode funcionar como uma crítica generalizada. “Optar pelo voto nulo é saudável como protesto contra todo um sistema.”

Anular também parece uma boa para quem não se contenta ou não vê diferença entre os candidatos. “Política é escolha. E o voto nulo é uma escolha como qualquer outra”, afirma Francisco de Oliveira, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), um dos ícones do pensamento de esquerda no Brasil.

Nulo na prática

Um passeio pela internet e pelas redes sociais propicia uma festa de aberrações na forma de campanhas pela anulação. Afirma-se, por exemplo, que os pleitos (para cargos majoritários ou proporcionais) seriam cancelados caso houvesse mais de 50% de votos nulos. Isso é conversa fiada, avisa o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Com a aproximação das eleições sempre surgem novas especulações através de informações equivocadas sobre os votos nulos e brancos, para não haver mais dúvidas primeiramente é necessário entender o que são de fato os votos brancos e nulos.

O voto em branco ocorre quando o eleitor aperta a tecla “BRANCO” na urna eletrônica e não é computado como voto válido. De acordo com o Glossário Eleitoral do TSE, o voto em branco é aquele em que o eleitor não manifesta preferência por nenhum dos candidatos.

Para votar nulo, o eleitor precisa digitar um número de candidato que não existe, como por exemplo, “00”, e depois a tecla “COFIRMA”. O voto nulo também não é considerado válido em nenhuma situação na votação eleitoral e é divulgado apenas como dado estatístico. O TSE apresenta o voto nulo como aquele que o eleitor manifesta uma vontade de anular o voto, já que digita um número inexistente, e muitas vezes é colocado como um voto de protesto.

Diferença entre voto nulo e nulidade do voto

Geralmente, há uma confusão entre o voto nulo e com a nulidade do voto, onde o segundo termo corresponde aos votos recebidos por um candidato majoritário que após o final da eleição foi declarado inelegível. Se por acaso este candidato tiver recebido mais de 50% dos votos válidos, a eleição será anulada e o TRE definirá uma nova eleição num período de 20 a 40 dias, de acordo com a Lei nº 4.737/65.

Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do estado nas eleições federais e estaduais, ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações, e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 a 40 dias.

Portanto, uma eleição não será anulada se mais de 50% dos votos forem nulos e sim se houver a nulidade do voto. Assim como os votos brancos não vão para o candidato que estiver na frente, pois não entram como votos válidos, mas pode sim tornar mais fácil à vitória deste candidato.

“Vamos supor que temos um total de 10.000 eleitores, caso nenhum deles votem em branco ou nulo, todos os votos serão válidos e o candidato vencedor será aquele que obtiver 50% dos votos mais 1, totalizando no mínimo 5.001 votos. Entretanto, se dos 10.000 eleitores, 50 votarem em branco ou nulo, só haverá 9.950 votos válidos, diminuindo para 4.976 a quantidade mínima de votos para o candidato ser eleito”, explica o especialista em Direito Eleitoral Alberto Rollo.

Nem aí

Enquanto o voto nulo não ultrapassar a quarta ou quinta preferência do eleitor, por volta dos 10% dos votos, será difícil que ele se transforme em pressão política. Isso porque, para muitos especialistas, os políticos brasileiros pouco se importam com o que o eleitor está pensando. “Poucos vão se impressionar, tal o nível de desapreço à opinião do eleitor, que se mede pelo cinismo com que políticos trataram os recentes episódios de corrupção”, diz Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da organização Transparência Brasil, entidade que reúne organizações não-governamentais de combate à corrupção. “O voto de protesto chegou a fazer sentido na ditadura. Hoje, não.”

“Os corruptos não darão a mínima. Estão blindados por seus partidos”, afirma o cientista político Bolívar Lamounier. Para ele, outro problema da anulação seria como identificar o voto de protesto entre os que vêm de erros durante a votação. Lamounier fez estudos sobre o pleito de 1970, quando houve uma chamada dos estudantes em favor do voto nulo para desafiar a ditadura, e o de 1974, quando as lideranças políticas já punham em dúvida esse expediente. “Conseguimos identificar o protesto em apenas um terço dos votos inutilizados na cédula de papel. O restante era decorrente de erro ou desinformação. Hoje, com a urna eletrônica, é impossível saber o que é voto de protesto”, opina.

Vote Nulo

• Votar é um ato de renunciar à própria liberdade. Não precisamos de líderes para nos impor leis e criar regras que limitam nossos direitos.

• A democracia se tornou um espetáculo de televisão. O eleitor escolhe candidatos como produtos. É preciso negar esse sistema.

• Não é possível mudar o sistema político por dentro dele. A política muda as pessoas, levando qualquer um à corrupção.

• Os candidatos são cada vez mais parecidos. A briga entre eles é falsa e serve para que ainda haja esperança na democracia e para que continuem no poder.

• Se o eleitor não está contente com nenhum candidato, tem o direito de anular. É uma escolha legítima como qualquer outra.

• Política não é só voto, também é pressão e participação pública. As eleições sugerem que não há outra atitude política além do voto.

• Se o eleitor não conhece os candidatos, corre o risco de votar em corruptos. Portanto, sua melhor opção é anular.

Não vote nulo

• É claro que precisamos de líderes e representantes de nossas opiniões e desejos. Uma sociedade sem líderes seria anárquica e acabaria em barbárie.

• O voto nulo tem pouco valor como protesto, já que os políticos brasileiros não se importam com a opinião do eleitor.

• Mesmo se a maioria da população anulasse o voto, não haveria efeito nenhum, já que a Constituição considera apenas os votos válidos.

• A corrupção no Brasil está concentrada em alguns grupos. Basta evitá-los e conhecer bem os candidatos, para a política melhorar.

• Anular é uma atitude alienada, de quem não se importa com o rumo do país. Retirar-se da discussão é fácil, porém perigoso.

• A política não é só voto, mas ele é uma peça importante para decidir os rumos do país e não exclui outras formas de ação política.

• Se as pessoas conscientes anularem o voto, a eleição será decidida apenas pelos menos capacitados.


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