29/03/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

Um Dia a Conta Chega

Publicado em 19/10/2018 12:00 -

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Ex-companheiro do Presidente Lula, ex-subalterno do Ministro José Dirceu, ex-advogado do partido do governo dos trabalhadores. Com tantos ex emoldurando seu passado parecia nada mais haver que pudesse justificar sua presença no Supremo Tribunal Federal. Partindo dessa premissa pouco animadora o Supremo Ministro Toffoli decidiu adaptar-se aos novos tempos e aos novos donos do poder.

Num raro senso de oportunidade resolveu inovar largando sua cátedra jurídica e foi fazer diletantismo histórico, ao som da música parodiada de Jorge Ben Jor: os bolsonários estão chegando… estão chegando os bolsonários…

Sob o olhar bovino de jornalistas disse que a Revolução de 1º de abril de 1964, a Redentora, não foi revolução e nem golpe: foi um “movimento”. Não se trata de revisionismo da história feito pelo venerável Supremo Ministro Toffoli, trata-se de revisionismo ideológico, de conveniência, rescendendo a medo e oportunismo, contrariando o que ele falava até ontem, ou até o momento em que seu ex-companheiro, hoje hospedado na pensão do Serjão, assinou o ato de sua nomeação para que pudesse assentar os glúteos flácidos numa daquelas cadeiras do STF.

No tópico “1964”, o Senhor Supremo Ministro Toffoli, além de matar a golpes de correntes de WhatsApp o direito constitucional, ignora a história. Não passaria pela cabeça do mais bisonho dos generais, ou dos civis, ou dos empresários, ou da imprensa, ou da maioria do Congresso Nacional, ou da Maçonaria, ou da Igreja Católica, ou das marchas com Deus pela liberdade, ou de todas “as forças vivas da nação”, ou do Lincoln Gordon, ou da 5ª coluna dos vendidos de Bananalândia, ou dos departamentos americanos, ou da frota americana ou de todos aqueles envolvidos naquela conspiração (que durou anos, anos Senhor Ministro!) que aquilo que estavam fazendo era um “movimento” que visava realizar uma coreografia para que em um dado ponto do espaço houvesse a comunhão carnal entre os pés destes grupos todos e a bunda do Presidente João Goulart.

Eram tempos de guerra fria e o Brasil foi tragado pelos interesses de potências estrangeiras em comunhão com os interesses de brasileiros que diziam defender os interesses nacionais (incluídos aí também, sob a bandeira “interesse nacional”, a espoliação e submissão ao poder estrangeiro). Como hoje, havia gente bem intencionada, mas também tinha muita gente mal intencionada. Do espectro político, do azul ao vermelho, se enalteciam ditaduras e atos de terror e opressão. Nenhuma solução de força se impõe sem derrubar ou sem golpear quem está no Poder. Golpe ou revolução viraram elementos marquetológicos de quem quer apresentar sua versão da “estória”. Mas a história é uma só.  

Em 1964, o centro do poder mudou de mãos, Senhor Supremo Ministro Toffoli, sem observância da ordem jurídica existente naquele momento. Foi o fetichismo pelo verniz de legalidade de alguns militares e a providencial mão-na-roda interpretativa de notáveis juristas como o senhor que fez com que Auro de Moura Andrade, Presidente do Congresso Nacional, pudesse considerar que uma viagem de João Goulart ao Rio Grande do Sul deixaria vaga a Presidência da República. Enquanto isso, tropas sob o comando do febiano General Mourão Filho e seu indefectível cachimbo tocavam o zaralho desde Minas Gerais até o Rio de Janeiro.

Estes episódios foram antecedidos por uma insurreição militar, detalhadamente planejada, com comando e operacionalidade exemplares, que abrangeu a maior parte das regiões militares. Nos quartéis não se considerava mais Comandante-em-chefe o Presidente da República. Espanta-nos que o senhor chame isso de “movimento”.

A república dos Generais-Presidentes durou 21 anos. Foi um período de biliardária corrupção nunca investigada e nunca punida. Economicamente insustentável, com o endividamento externo de obras faraônicas superfaturadas, o Brasil quebrou ao final do período esmolando dinheiro ao FMI e ao Ronald Reagan, com êxodo rural, fome, miséria, alta taxa de natalidade, favelamento dos grandes centros urbanos e explosão das taxas de violência e crime. Dois de nossos tutores se chamavam Bill Rhodes e Ana Maria Jul. Vocês, meus compatriotas, nunca saberão o que é um Brasil falido, corrupto e com hiperinflação até conhecerem alguém como Ana Maria Jul.

Foram 21 anos sem sair de cima. E com o cacetete em riste, seguindo a infalível filosofia de caserna de que “cacete não é santo, mas opera milagres”. Até hoje estamos pagando caro a conta daquele sinistro período. Legou-nos um sistema econômico incapaz de sustentar crescimento e que estabilizou a propriedade e a concentração de renda na mão de muito poucos.

Mas, claro, o fetichismo legalista dos chefes militares impôs uma nova ordem com “atos institucionais”, eleições indiretas, prisões arbitrárias, fechamento de congresso, “abate” de “elementos” subversivos, senadores e governadores biônicos, prefeitos nomeados, proibição de partidos, cassação de políticos, militares e juízes “indesejáveis” ou “inadaptáveis”, censura prévia, censura posterior e censura com camadas de chantilly. Considere o Senhor que houve até um triunvirato militar em 1969 que impediu a posse do Vice porque era civil e quase um outro quando o cavalariano Figueiredo infartou. Mas considere também, Senhor Ministro Toffoli, que diferentemente do que fazem juízes do TRF4, não ocorreu a nenhum militar negar cumprimento a uma ordem de habeas corpus. Considere também, Senhor Ministro Toffoli, que diferentemente do que hoje fazem Ministros do STF, nunca ocorreu a algum militar estabelecer censura prévia sem suporte em norma do ordenamento jurídico que lhe desse amparo ou contrariando expressamente o que diz a Constituição. Chamam isso de segurança jurídica, pois não?

Também houve tortura, Senhor Supremo Ministro Toffoli. Como ainda há até hoje. Coisa que, para combinar com o seu  “movimento”, o Senhor deve chamar de “sessão de descarrego”.

Tudo, claro, dentro do figurino legal, com juristas instrumentalizados pela hermenêutica da gambiarra, que tem a capacidade rara de ler e interpretar um texto legal de acordo com as conveniências, o manda-chuva da hora ou com o bode expiatório da hora. Assim como faz hoje o excelso STF com seus julgamentos televisivos de grande audiência.

Do glorioso STF, hoje presidido por Vossa Excelência, Senhor Supremo Ministro Toffoli, três ministros foram “cassados” pelo seu “movimento”.  Outros dois, munidos com a coragem que o Senhor não apresenta ter, renunciaram em solidariedade aos “cassados” e em protesto aos atos de força. Sua ignorância histórica, Senhor Supremo Ministro Toffoli, parece suplantar a sua ignorância jurídica acerca destes fatos. Recentemente “nomeado” pelo senhor, o seu Tutor militar, exemplar e dedicado General de Estado–Maior, poderá minorar a ambas.

Por fim, no processo todo deste “movimento”, muitos inocentes, fardados e civis, sejam eles de que lado, for morreram. Mas, nas palavras de um “fora do normal” Capitão de artilharia, admirado e apoiado pelo Juiz Moro: “- paciência…”. Paciência no caso, pelo contexto e pela ênfase que deu à palavra deve ter sido proferida como sinônimo de f*d@-sE. O Senhor Ministro Toffoli poderia honrar ao menos a memória destes inocentes que foram mortos neste seu alentado “movimento”. É por eles que escrevo estas linhas, em homenagem a eles e para desagravá-los das palavras levianas que o senhor proferiu.

Espero que seu nome, Senhor Supremo Ministro Toffoli, não vá encimar a lápide do Supremo Tribunal Federal que está sucumbindo diante desta Revolução dos Patos Amarelos e do patofascismo. Há interesses estrangeiros na desestabilização do Brasil. Patofascismo é antissistema, niilista, sem comando ou controle. Quer destruir tudo e todos e não vai parar enquanto as instituições não caírem todas, inclusive o STF e as Forças Armadas onde alguns militares foram seduzidos por este sindicalista de porta de quartel. É algo que não pode ser contraposto com uma política de apaziguamento ou de redução de danos. Não se trata de deboche ou ironia. Não há dúvida quanto a estarmos vivenciando uma revolução que conspira contra a Constituição e o interesse da Pátria e da Nação desde 2013 e teve início com mobilizações populares orquestradas pelas marchas dos 20 centavos. Não andaram tanto até aqui e não foram tão longe para que se mantivesse o status quo da Democracia e de uma Ordem Constitucional que a cada dia desmorona a olhos vistos.

Em breve, com a nova Ordem Bolsonária, o Supremo Tribunal Federal poderá oficializar finalmente a irrelevância que insiste em ter. Apresse-se, Senhor Supremo Ministro Toffoli, tire aquele crucifixo do plenário do STF. Daquele Homem que foi torturado e pregado numa cruz. Troque-o pela figura do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ídolo dos novos donos do Poder e que em breve ingressará no Panteão dos Heróis da Pátria. Troque a imagem do torturado pela imagem do torturador.

Não tema, Senhor Supremo Ministro Toffoli.

A não ser que os esqueletos do armário sejam expostos à luz do meio-dia pelo espírito e modus operandi da República de Curitiba, não se cassarão Ministros Supremos. Mas teremos, nos mesmos moldes do “movimento” de 1964, um aumento considerável de membros do STF. Talvez 21, “padrão Moro”, se isso não for mais um “embuste” do camarada Capitão PQD, frustrado UnaBomber e atual Senhor da Guerra Psicológica em correntes de WhatsApp.

Seriam ao menos mais 10 com o perfil do venerável Guia da República de Curitiba. Talvez o Plenário fique acanhado. Digo acanhado para tanto holofote assim num só lugar. O cargo poderá deixar de ser vitalício e, com isso, em breve o Senhor deixará de ser Ministro. A boa notícia é que lhe sobrará tempo para seus despropositados exercícios analíticos de história.

Bom também que não existirá mais Ministério Público “pra encher o saco” dos novos donos do poder.

É melhor Jair se acostumando.

Um dia a conta chega, Senhor Ministro Toffoli.

Um dia a conta chega.

Fuad Faraj – Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná.


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