19/04/2024 - Edição 540

Brasil

Independentemente do resultado da eleição, o boato pelo WhatsApp venceu

Publicado em 04/10/2018 12:00 -

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A somatória de todas as checagens de boatos feitas por agências especializadas e veículos de comunicação não está conseguindo acompanhar o ritmo de notícias falsas, fraudes e distorções distribuídas por aplicativos de mensagens e rede sociais.

Pesquisa Datafolha, divulgada no último dia 2, apontou que a maioria dos eleitores (68%) possuem conta em redes sociais e que o WhatsApp forma a rede mais popular (66%). Cerca de metade dos eleitores assistem a vídeos sobre política. E os eleitores de Jair Bolsonaro têm índice mais alto de usuários (81%) contra os 59% de Fernando Haddad e os 72% de Ciro Gomes. Também é dele as melhores taxas de leitura e compartilhamento de notícias no WhatsApp e no Facebook. Como era esperado, as plataformas tornaram-se fundamentais para o debate público. Para bem e para mal.

Não é possível dizer que Bolsonaro compensou o pouco tempo de propaganda eleitoral a que tinha direito através apenas das redes sociais, uma vez que o atentado que sofreu garantiu uma ampla visibilidade em rádio e TV. A esta altura da campanha, independentemente do resultado, é possível atestar que o WhatsApp se tornou uma das principais ferramentas de circulação de informações nas eleições.

Também não significa que as eleições serão decididas por notícias falsas e que as pessoas não pensam. Pelo contrário, o eleitor é um bicho racional. Analisa as condições em que sua vida está hoje e quais as possibilidades de melhora ou de piora. Os escândalo de corrupção envolvendo o PT, em 2006, por exemplo, não impediu a reeleição de Lula de um povo satisfeito com a economia.

O mesmo Datafolha mostrou que a maioria dos eleitores brasileiros está pessimista com o país: 88% se sentem inseguros no país, 79% estão tristes com relação ao país, 78% estão desanimados com o país, 68% estão com raiva do país, 62% estão com medo do futuro do país e 59% estão com mais medo do que esperança.

Agora, o eleitor cansado do desemprego e da violência quer alguém que bote ordem. E está avaliando quem é capaz de entregar isso, tendo que escolher entre a lembrança dos anos dourados do lulismo ou a promessa de mudança do bolsonarismo.

O problema é que não é possível saber até que ponto a tomada de decisões racional dos eleitores não está enviesada por um debate contaminado por desinformação.

Desde o começo, apenas os mais otimistas achavam que o jornalismo tradicional e alternativo seria capaz de fazer frente às guerrilhas digitais que apoiam candidaturas ou mesmo à produção de conteúdo voltado à desinformação por parte dos próprios eleitores. O trabalho que vem sendo realizado é importantíssimo e tem caráter civilizatório. Mas o jornalismo deixou de ser o mediador privilegiado de informação na sociedade com a popularização das redes sociais.

Da mesma forma, as promessas do Tribunal Superior Eleitoral e de outras instituições públicas de combater notícias falsas, que levantaram o ceticismo de quem acompanha o tema, se mostraram insuficientes. Decisões retiram conteúdos e contas falsas, mas para cada soldado que cai, centenas de outros se erguem.

De certa forma, é um alívio que as propostas do Congresso Nacional que queriam definir o que é ''mentira'' tenham naufragado. É preferível um sistema contaminado com notícias falsas do que um Estado que aponta o que pode ser considerado como verdade. Ou criminaliza qualquer reportagem ou opinião que desagrade os donos do poder.

Ações com grande repercussão vieram de plataformas, como o Facebook e o Twitter, que derrubaram perfis e páginas falsas ou usadas para manipular. De acordo com ambas as empresas, isso teve um impacto positivo na qualificação do debate público. Contudo, mesmo assim, as plataformas seguem sendo usadas para disseminar conteúdo voltado a criar desinformação. A sensação é de enxugar gelo.

Um naco significativo da sociedade brasileira está ultrapolarizado, achando que verdade é só aquilo em que já acredita. Os dados do Datafolha mostram que uma boa parte da população se informa através de mensagens trocadas por um aplicativo que opera sem transparência alguma. Formam opinião com a informação – verdadeira e falsa – que circula dentro de suas bolhas, evitando participar de um debate mais amplo.

O problema é que a interpretação de conteúdos recebidos por terceiros é baixíssima, seja por deficiência na educação formal, seja pela falta de alfabetização para a mídia. Ao mesmo tempo, as pessoas não se veem como responsáveis por aquilo que circulam. Outros, conscientes, ao se depararem com conteúdo falso, ficam em silêncio desalentado, acreditando que corrigir é inútil.

O pânico, a paranoia e a desinformação distribuídos pelas mensagens compartilhadas durante a greve dos caminhoneiros foram apenas uma pequena amostra do que nos esperava na campanha eleitoral deste ano.

É claro que prefiro o aplicativo em funcionamento – seria idiota defender o contrário. Bloquear o WhatsApp é equivalente a suspender uma camada de interação social. Afinal, não foi o WhatsApp o responsável por protestos no Cairo, em Istambul, em Madrid, mas ele catalisa processos através da otimização do tempo e do encurtamento de distâncias e o que levava semanas agora ocorre em minutos.

No médio prazo, precisamos repensar o ensino para melhorar o debate público e a interpretação de texto. Enquanto isso, até o final das eleições, quem tem poder de difusão e ponde ajudar a mediar o debate deveria atuar para qualificá-lo, não apenas esclarecendo boatos, mas também tentando expor os responsáveis por eles – por mais inútil que isso possa parecer. Porque os políticos não vão baixar o tom, desconstruir essa ultrapolarização e controlar suas milícias.

Para certas pessoas, uma mensagem anônima no WhastApp é mais agradável que cinco minutos de reflexão solitária – pois nunca se sabe aonde a autocrítica pode nos levar.

Dissolver-se no coletivo e deixar que as decisões sejam tomadas pela massa me parece desesperador. Mas cair no fluxo e ser levado por ele tem sido a saída encontrada para muitos que estão assustados como a situação do mundo mundo e suas mudanças.  Querem as coisas funcionando e qualquer mensagem que prometa uma saída rápida e violenta para tanto é recebida e compartilhada. O problema é que, no limite, isso destrói pontes e desumaniza o outro.

Como já disse aqui antes, o apocalipse, ou melhor, o infocalipse vai estar asfaltado com tiques azuis.

Em tempo: Tudo o que foi dito acima é a parte visível. Consultorias digitais se prepararam, montando bancos de dados, com 80 a 100 pontos de informação coletados sobre cada pessoa, para poder tocar fundo o que cada uma delas desejava ouvir. A partir disso, criam mensagens direcionadas ao grupo microssegmentado que ela faz parte, empacotando-as em uma embalagem de uma notícia falsa – emprestando, dessa forma, a credibilidade que a imprensa (ainda) tem. Daí, impulsionam esse pacote, usando um cartão de crédito pré-pago internacional e acessando através de uma VPN (Rede Privada Virtual) sediada em outro país, tornando mais difícil a identificação, responsabilização e remediação do ato. A parte invisível, outra história que atua com psicometria e manipulação em massa é muito, mas muito mais assustadora do que memes fraudulentos.


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