24/04/2024 - Edição 540

True Colors

Comunidade LGBT está se tornando dona da própria voz, afirma João Silvério

Publicado em 19/09/2018 12:00 - Mattheus Goto - IGay

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Considerado o livro mais completo sobre a história da comunidade LGBT no Brasil , “Devassos no Paraíso”, do jornalista, dramaturgo e ativista João Silvério Trevisan , está de volta em uma quarta edição com 13 capítulos inéditos. O trabalho, que estava esgotado nas livrarias há mais de uma década, inclui as novas conquistas e lutas por direitos da população.

Dialogando com campos de conhecimento e com expressões da cultura brasileira, a obra é um estudo da comunidade LGBT desde os tempos da colônia até a atualidade. Com as duas primeiras edições publicadas em 1986 e a terceira em 2000, o livro é tido como um clássico por ter causado uma enorme repercussão não só no Brasil.

A nova edição preserva a linguagem e modos de expressão que marcaram a época em que foi lançada, para que o período descrito na obra não fosse descaracterizado e que a percepção de mudanças sociais fosse possível. Um exemplo é o termo “travesti”, utilizado no masculino nos capítulos originais e no feminino nos atuais, em decisão editorial com o autor.

Após realizar o estudo de documentos históricos, relatos de viajantes e leis da época, Trevisan pondera sobre outra mudança social efetiva ao longo dos anos quando se trata da comunidade LGBT: a voz.

“A comunidade LGBT está se tornando dona da própria voz e buscando conduzir a própria história”, afirma o escritor. Contando um pouco sobre o conteúdo da obra, ele revela que essa é uma grande novidade para ele e que fez questão de citar como os LGBTs estão alçando a voz na atualidade.

Em ano de eleições, Trevisan ressalta que essa voz é importante para que a comunidade não dependa apenas dos políticos. “Os políticos que nos apoiam podem ser importantes, mas não podemos depender deles”, define.

De acordo com ele, uma boa parte da comunidade no Brasil é desconhecida e ainda existem muitos LGBTs vivendo em “subterrâneos” e tendo uma vida escondida por causa do preconceito. “Para isso, meu livro apresenta elementos que podem iluminar um pouco o caminho da conquista de direitos”, diz o escritor, satisfeito com a obra.

“As questões evoluíram muito, mas digo e repito sempre: ‘LGBTs não chegaram ao paraíso’”, comenta Trevisan. “Não há nenhuma lei que nos proteja para que possamos de fato dizer que esse é um país inclusivo, o que é grave.”

oão Silvério Trevisan é talvez o principal escritor assumidamente gay brasileiro, com 12 livros publicados. Ex-seminarista, assumiu sua homossexualidade ainda na época da ditadura militar, o que fez com que ele precisasse mudar para a Califórnia, onde acabou se assumindo politicamente.

Voltando ao Brasil, o ativista foi um dos fundadores do grupo Somos, na defesa dos direitos dos homossexuais na década de 70, e também do pioneiro jornal gay “Lampião da Esquina”.

De acordo com o escritor, a história da comunidade LGBT no Brasil era, até o lançamento de “Devassos”, completamente desconhecida. Sendo assim, seu trabalho como pesquisador na busca por documentos que representassem a população foi complexo, já que os rastros eram difíceis de serem encontrados.

“Foi uma grande aventura escrever o livro. Eu tinha a necessidade de entender a história da comunidade no Brasil, mas foi também uma maneira de me entender menos solitário no Brasil, enquanto homossexual”, conta. Ou seja, o livro foi importante também para que ele percebesse que não estava sozinho sendo LGBT, diante de toda a camuflagem sobre o tema da diversidade na época.

Para Trevisan, um dos momentos históricos mais marcantes da obra é a inquisição portuguesa transplantada ao Brasil, quando a “sodomia” (termo utilizado para denominar sexo entre dois homens) era condenada e perseguida pela Igreja Católica, dando a uma ideia clara de como era a vivência homossexual no período.

Outro momento histórico relevante está descrito na parte “O Brasil visto da Lua”, que narra a experiência de estrangeiros que saíram do armário quando chegaram ao país. A nova edição conta com a história de cônsul geral da Inglaterra no Brasil, que deixou diários detalhados sobre suas transas homossexuais e fazia anotações curiosamente obsessivas sobre os tamanhos dos pênis dos parceiros.

O título “Devassos no Paraíso” surgiu da expressão utilizada por um historiador que analisou os índios brasileiros no período da colônia. Em uma analogia, a expressão é usada de forma irônica para denominar os LGBTs em terras que, na verdade, tem pouca devassidão e muito conservadorismo, como refere o autor.

O lançamento da obra sobre a história da comunidade LGBT no Brasil acontecerá no Rio de Janeiro no dia 4 de setembro, às 19h, no Parque Lage, com um debate sobre narrativas queer com Trevisan, Gilmara Cunha e Marcia Zanelatto. Em São Paulo, acontecerá no dia 12 de setembro, a partir das 19h, na Casa do Baixo Augusta, em um bate-papo com o autor e os cartunistas Ivan Cabral e Laerte.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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