28/03/2024 - Edição 540

Ágora Digital

A revolta do pijama

Publicado em 12/09/2018 12:00 - Victor Barone

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O apreço do brasileiro pela democracia não é lá daqueles. Um levantamento feito pelo Datafolha em abril mostrou que para 56%, a democracia é sempre a melhor forma de governo. No entanto, 21% dos brasileiros dizem que tanto faz se o governo é uma democracia ou uma ditadura. Já 17% afirmam que, em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura: são 38% que relativizam a importância do regime democrático.

Talvez por isso os constantes pitacos de militares sobre política passem desapercebidos pela sociedade, como se fossem normais. Não são.

Um decreto federal de agosto de 2002 que regula o comportamento de militares das Forças Armadas Brasileiras não permite a manifestação pública, sem uma autorização prévia, sobre política. Trata-se do item 57 do anexo sobre a relação de transgressões: "Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária." O texto foi assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

A regulação vale para toda a hierarquia, incluindo general. Não tem sido cumprida. O próprio general-comandante Eduardo Villas Bôas alimentou o mal hábito às vésperas do julgamento do recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar sua prisão, quando mandou recado via twitter dizendo que o Exército "se mantém atento às suas missões institucionais". Na épica, soou como “aviso” ao Supremo Tribunal Federal (STF) e gerou uma enxurrada de réplicas de seus subordinados de farda.

Mais recentemente, Villas Bôas colocou em cheque a legitimidade das eleições no Brasil após o atentado contra o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL). “O atentado confirma que estamos construindo dificuldades para que o novo governo tenha estabilidade, para a sua governabilidade, e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada,” disse o militar.

O general Hamilton Mourão, candidato a vice na chapa de Bolsonaro já vestiu o pijama. Mas, à exemplo de Villas Bôas, parece também fazer pouco das instituições democráticas. Dias depois de afirmar que as Forças Armadas deveriam intervir no país em casos extremos, o candidato propôs atropelar a Constituição. “Fazemos um conselho de notáveis e, depois, submetemos a plebiscito. Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”, disse o militar da reserva, na quinta (13).

Trata-se de uma afronta aos princípios democráticos, pois sugere que governantes iluminados podem desprezar o poder constituinte para rasgar e refazer as principais normas do país; pois elimina o crivo de outros poderes e apela a demagogia plebiscitária.

Em uma democracia sólida, militares tem seu papel institucional claramente definido. No Brasil, ao que parece, eles fazem questão de esquecer disso.

Em cana

O candidato do PDT a presidência, Ciro Gomes, condenou a declaração do Comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, de que o próximo presidente pode não ter legitimidade (leia a nota acima). “Estaria demitido e provavelmente pegaria uma ‘cana’. Mas deixa eu explicar, ele está fazendo isso para tentar calar a voz das ‘cadelas no cio’ que embaixo dele estão se animando com essa barulheira. Esse lado fascista da sociedade brasileira. Esse general Mourão [vice de Bolsonaro], que é um jumento de carga, tem uma entrada no Exército e agora se considera tutor da nação. Os brasileiros têm que deixar muito claro que quem manda no país é o povo”, atacou. Em um eventual governo Ciro, militar não falará de política, segundo o candidato. “Sob ordens da Constituição eu mando e eles obedecem. Não quero eles envolvidos em negócio de narcotráfico. Isso é invenção de norte americano. Eu os quero altivos, bem remunerados, mas no meu governo o Exército não fala em política.”

Sobre corrupção, educação e democracia


Na frente

O deputado Jair Bolsonaro (PSL) manteve a liderança da corrida presidencial após o início da propaganda eleitoral no rádio e na televisão e o atentado que sofreu na semana passada, de acordo com a nova pesquisa realizada pelo instituto Datafolha. Segundo o levantamento, Bolsonaro tem 24% das intenções de voto. Quatro candidatos aparecem empatados em segundo lugar, dentro da margem de erro. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) tem 13% das intenções de voto, a ex-senadora Marina Silva (Rede) está com 11%, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) aparece com 10% e o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), com 9%.

Mais do mesmo

Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL) repudiaram o atentado contra Jair Bolsonaro (PSL), alvo de uma facada no último dia 6. Mas, após o presidenciável publicar uma foto no hospital em que faz seu característico gesto de simular armas de fogo com as mãos, ambos voltaram a criticar o adversário. A foto de Bolsonaro no hospital foi publicada por seu filho, Flávio Bolsonaro, candidato ao Senado no Rio de Janeiro. "Meu pai segue evoluindo e começou agora a fisioterapia", disse, antes de convocar um ato em defesa de seu pai. A postagem foi feita no sábado 8, dois dias após a agressão sofrida pelo candidato. Ciro afirmou que Bolsonaro "representa um risco grave à população" e condenou o gesto. Boulos seguiu linha semelhante. Afirmou em sua conta no Twitter ser "lamentável que logo após ter sido vítima de violência, Bolsonaro siga estimulando mais violência. "A saída para o Brasil não é com tiros e intolerância. É com democracia e solidariedade.", escreveu o candidato do PSOL.


Como eles nos veem

Após a primeira página do New York Times apontar “o declínio de uma nação”, o francês Le Monde publicou o editorial “Brasil, o naufrágio de uma nação”. Em destaque, afirma que, “após a agressão ao candidato de extrema direita Jair Bolsonaro, a campanha corre risco de radicalizar ainda mais num país que parece ter perdido o controle de seu destino”. No texto, detalha que, “desde a destituição (impeachment) controversa da presidente de esquerda, o país parece ter perdido o controle de seu destino”. Afirma que “tudo contribui para isso” e lista as balas perdidas que matam crianças em comunidades controladas por quadrilhas e os representantes da sociedade civil assassinados à luz do dia. Acrescenta, por fim: “Alguns falam do suicídio de uma nação. É o que parece”.

Dancinha

Num debate sem o líder Jair Bolsonaro (PSL), Ciro Gomes (PDT) foi o campeão de menções no Twitter: 45%. O percentual incluiu postagens positivas, negativas e neutras. Mesmo sem saber se foi mais enaltecido do que achincalhado, o presidenciável do PDT celebrou o feito com uma dancinha no palco do teatro da TV Gazeta, que transmitiu o debate.


Depois, Ciro gravou mensagem de agradecimento aos internautas. ''Eu definitivamente tenho a melhor, sem rival, turma na internet. Hoje, vocês me comoveram. Ficar lá em cima no Twitter… eu sei que isso foi serviço da turma toda que me ajuda na internet. Vamos ganhar essa eleição graças a vocês.''


Ameaçado

Em audiência de custódia realizada no último dia 7, o desempregado Adelio Bispo de Oliveira, preso após facada no candidato Jair Bolsonaro (PSL), falou sobre o que o motivou a desferir o golpe que quase vitimou o deputado. Diante de uma juíza, Adelio disse ter agido por questões de foro religioso e por se sentir pessoalmente "ameaçado" por Bolsonaro, a exemplo de "milhões de pessoas".

"Eu, como milhões de pessoas, pelos discursos da pessoa referida, me sinto ameaçado literalmente, entendeu? Me sinto ameaçado como tantos milhões de pessoas pelos discursos que o cidadão tem feito. Aquela certeza de que, cedo ou tarde, ele vai cumprir aquilo que está prometendo tão veementemente pelo país todo contra pessoas como eu", declarou o investigado, que respondeu a perguntas formuladas por advogados de defesa e de acusação.

Ele inicia o depoimento se queixando de dores nas costelas, o que explicaria o baixo tom de voz. As dores, diz Adelio, são resultado do espancamento que diz ter sofrido por parte de "militantes" logo após a facada.

Aecinho

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu que o Supremo Tribunal Federal (STF) arquive o inquérito sobre o senador Aécio Neves (PSDB-MG), no qual ele era investigado sob suspeita de ter atuado para maquiar fatos ilícitos dos tucanos para esconder a relação do partido com o Banco Rural na CPMI dos Correios, em 2005. Dodge diz que a Polícia Federal não encontrou provas que comprovem as declarações feitas pelo ex-senador petista Delcídio do Amaral em acordo de delação assinado em fevereiro de 2016. Segundo Delcídio, que presidiu a CPMI, Aécio enviou o então deputado federal, Eduardo Paes (PSDB-RJ), para negociar com ele para que o Banco Rural enviasse dados maquiados dados sobre empréstimos feitos aos tucanos.

Pode ofender

Por 3 votos a 2, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o deputado e candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL), que foi acusado do crime de racismo em relação a quilombolas e refugiados. A acusação de racismo resultou de declarações dadas em uma palestra no Clube Hebraica do Rio no ano passado. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou o militar reformado em abril deste ano. Para ela, Bolsonaro “usou expressões de cunho discriminatório, incitando o ódio”.

Estrelas e holofotes

A corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o órgão que fiscaliza e controla as atividades de procuradores e promotores, deve apurar eventuais irregularidades na atuação de alguns deles contra políticos que disputam a campanha eleitoral. Em um memorando encaminhado ao órgão, Luiz Fernando Bandeira de Mello, conselheiro do CNMP, cita ações propostas contra os presidenciáveis Fernando Haddad, do PT, Geraldo Alckmin, do PSDB, e a prisão do ex-governador e candidato ao Senado pelo Paraná, Beto Richa (PSDB-PR). Mello quer que sejam analisados “o tempo decorrido entre a suposta prática dos crimes delituosos e a propositura das ações”, para saber se elas foram aceleradas para causar “eventual impacto nas eleições”. No pedido de averiguação, o conselheiro diz ser “evidente” que um promotor deve ajuizar uma ação se ela, “por acaso”, estiver concluída “à época da eleição”. “Mas também não pode reativar um inquérito que dormiu por meses ou praticar atos em atropelo apenas com o objetivo de ganhar os holofotes durante o período eleitoral”, afirma.

Richa


Puxa-sacos

O candidato do PDT a presidente, Ciro Gomes, disse que o ex-presidente Lula está cercado de “puxa-sacos” e, por isso, perdeu sua “visão da genial” da realidade do país. O pedetista também criticou a ex-presidente Dilma Rousseff, cujo governo foi classificado por ele como um “desastre”, e o novo candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, que, na opinião dele, não conhece o Brasil. Ciro chamou, ainda, o vice de Jair Bolsonaro (PSL), o general Hamilton Mourão (PRTB), de “jumento de carga”. As declarações foram feitas em sabatina promovida pelos jornais O Globo e Valor Econômico e pela revista Época.

Saia justinha

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Carlos Lamachia, fez um duro discurso contra corruptos na posse do ministro Dias Toffoli como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). A solenidade reuniu alguns investigados na Operação Lava Jato, como o presidente Michel Temer (MDB), os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Energia) e os presidentes do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Depois de destacar o papel da advocacia em defesa dos direitos civis, Lamachia lembrou que muito ainda há de ser feito no combate à corrupção. Para o dirigente, que fez menção à facada desferida na semana passada no presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), a responsabilidade dos atores do Direito cresce em ano eleitoral. "O círculo ainda não se fechou. Há denúncias e processos em curso, que hão de mobilizar os órgãos judiciais para além da posse do futuro governo", disse o dirigente, em menção indireta às duas denúncias feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), e em seguida barradas na Câmara, contra Temer, Padilha e Moreira Franco.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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