18/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Três Falácias da Argumentação Coxinha

Publicado em 03/07/2014 12:00 - Rodrigo Amém

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Hoje em dia, pouca gente busca informação. A galera quer mesmo é confirmação. Ninguém está disposto a rever conceitos. O barato mesmo é reafirmar dogmas. Em princípio, nada contra. O problema é quando vestimos a camisa militante mais próxima dessas nossas convicções. Aí, somos obrigados a comprar todas as outras ideias do “nosso time”, sob pena de ver nossa versão do mundo enfraquecida. É aí que nascem as falácias de argumentação, que são como pulgas na cama do embate intelectual. É difícil encontrá-las, mas elas estão ali, infernizando e atrapalhando o diálogo. Hoje, analisaremos as três mais populares falácias da galera de direita. Calma, amigos coxinhas. Baixem seus ancinhos. Semana que vem analisaremos falácias da esquerda-festiva-caviar. Notem que apontaremos os milagres, mas não os santos: nomes não interessam. Ideias, sim.

Falácia do Espantalho

Quando o autor desvirtua ou exagera o argumento do adversário e ataca essa versão caricata construída por ele (o famoso espantalho), no lugar da real afirmação da outra parte.  

Um popular blogueiro liberal cometeu a falácia do espantalho ao explicar (notado o sarcasmo condescendente que foi a pedra fundamental do post) porque ele é “coxinha” e não “de esquerda”.

“Aí eu tento me convencer de que nada disso é justo, de que o vagabundo (perdão, não reparem em meu vício de linguagem aburguesada e elitista) que passa o dia na praia deveria ter a mesma condição de vida que tenho, e não fico convencido! Malditos valores morais incutidos em mim desde cedo por pais burgueses!”

Os amigos leitores sabem que ninguém defende que “vagabundos” devem usufruir dos mesmos bens de consumo que o blogueiro ostenta “sem culpa”. O consenso na esquerda é que o Estado deve garantir o acesso de todos os cidadãos à habitação, saúde, educação de qualidade, etc. Enfim, garantias constitucionais. O acesso geral e irrestrito à MacBooks, automóveis e outros bens de consumo das classes mais abastadas é o espantalho jocoso que o blogueiro preferiu refutar.

Apelo à Autoridade

Citar fontes de reconhecida expertise em um tema é argumento válido, claro. O problema é quando convocamos a autoridade de alguém que, embora reverenciado, não é especialista no tema proposto.

O autor do exemplo abaixo vai mais longe. Não só escala uma autoridade que não é especialista no tema, como faz uso de uma “autoridade póstuma”, ou seja, pressupõe (ou recebe em sessão espírita, o texto não deixa claro) uma personalidade que já morreu para falar de temas da atualidade.

 “Quando fico angustiado com as notícias brasileiras, ligo para o Nelson Rodrigues.

(…)

Nelson — Eu sempre vi assim. O Brasil não mudou nada. O problema é que você quer “entender” e o país é muito maior que seu entendimento. Não mudou nada; só está vindo a furo, como um bom furúnculo. Você está nervoso porque sempre achou que havia salvação. Não existe isso. Nunca vamos chegar a lugar nenhum, porque não há ponto final…”

A qualidade da dramaturgia de Nelson Rodrigues é indiscutível. Mas promovê-lo a sociólogo é exagero. Especialmente depois de falecido. Como em todos os outros casos de psicografia, fica comprovado que, se houver vida após a morte, o talento fica no corpo.

Falso Dilema

Também chamada de Preto-ou-Branco, esta falácia apresenta um argumento binário desconsiderando a complexidade de um tema com múltiplas variáveis. É o famoso “oito ou oitenta” que finge apelar para a coerência, mas é uma variante radical do reducionismo.

“De resto, insisto que aqueles que se opõem à pesquisa com animais com tal energia não podem ser usuárias dos benefícios que essa prática proporciona. E isso quer dizer que essas pessoas têm de rejeitar os medicamentos alopáticos. Têm é de tentar negociar com os companheiros estafilococos.”

Pelo mesmo raciocínio, devemos supor que o blogueiro é defensor da tortura, do racismo e do tráfico humano. Caso não seja um simpatizante dessas práticas condenáveis, ele não pode usufruir das benesses de um país de passado escravocrata como o Brasil. Questão de coerência, claro.

Semana que vem visitaremos as trincheiras da esquerda do Leblon.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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