16/04/2024 - Edição 540

Especial

Tribunais de Contas são feitos para não funcionar

Publicado em 02/07/2014 12:00 -

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Um relatório da Transparência Brasil sobre a vida pregressa de todos os 238 integrantes dos 34 Tribunais de Contas do país traçou um retrato destes homens e mulheres cuja responsabilidade – ao menos teórica – seria fiscalizar os atos do Executivo. Os resultados são preocupantes. O levantamento mostra que de cada dez conselheiros, seis são ex‐políticos, dois sofrem processos na Justiça ou nos próprios Tribunais de Contas e 1,5 é parente de algum político local.

Principais órgãos auxiliares do Poder Legislativo na fiscalização dos recursos públicos, os Tribunais de Contas são desenhados para não funcionar, conclui a Transparência Brasil. Dois terços dos integrantes são nomeados pelo Legislativo e um terço pelo Executivo; eles costumam ser indicados justamente para neutralizar o papel fiscalizatório desses órgãos – e, de quebra, para agradar a correligionários, parentes e aliados.

A forte politização dos Tribunais de Contas é facilitada pela maneira leniente como a Constituição de 1988 trata as pré-qualificações desses agentes (Arts. 71-75). As exigências se restringem a aspectos formais (ter entre 35 e 70 anos de idade e dez anos de experiência profissional correlata) e a questões de difícil verificação, como “idoneidade moral”, “reputação ilibada” e “notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública”.

De cada dez conselheiros, seis são ex‐políticos, dois sofrem processos na Justiça ou nos próprios Tribunais de Contas e 1,5 é parente de algum político local.

O cargo de conselheiro de Tribunal de Contas é aquinhoado com vantagens consideráveis: em geral, o salário é de R$ 26.500, além de gratificações, auxílio – alimentação, prerrogativa de nomear funcionários comissionados e vitaliciedade no cargo (com aposentadoria compulsória aos 70 anos).  No caso específico do TCU, os conselheiros são designados “ministros” e têm o mesmo status dos  integrantes do Superior Tribunal de Justiça.

A indicação política é a regra na escolha de conselheiros, o que faz com que as votações nas Assembleias, nas Câmaras e no Congresso sejam jogos de cartas marcadas – em geral tratados com naturalidade pelos políticos.

Casos Grotescos

Entre muitíssimos outros, um caso ilustrativo recente é o da ex-senadora Patricia Saboya (PDT), ex-cunhada do atual governador do Estado, Cid Gomes (PROS), hoje a mais nova conselheira do TCE-CE.  Em dezembro de 2013, o nome de Saboya apareceu na Revista Época da seguinte maneira: “Depois de um mandato como senadora e outro como deputada estadual, ambos pelo PDT, ela irá para o Tribunal de Contas do Ceará no início do próximo ano. Já está tudo certo para que ela seja indicada para o cargo de conselheira pela Assembleia Legislativa do Estado”. A Casa apenas votou e aprovou unanimemente o seu nome da, em 27 de fevereiro deste ano.

No Paraná, a indicação do então chefe da Casa Civil do Estado, Durval Amaral (DEM), era dada como certa em 2012. “Apesar do ato oficial na Assembleia Legislativa, oposição, situação e o próprio Durval já dão a escolha como certa”, publicou o jornal paranaense A Gazeta do Povo, em 3 de maio daquele ano. À reportagem, o então líder do governo na Assembleia, Ademar Traiano (PSDB), afirmou: “Essa eleição é apenas pró-forma. O regimento estabelece a chance para outros pretendentes, mas ele [Durval] tem unanimidade da Casa”. A votação ocorreu em 22 de maio, e Durval foi eleito unanimemente pelos deputados.

Principais órgãos auxiliares do Poder Legislativo na fiscalização dos recursos públicos, os Tribunais de Contas são desenhados para não funcionar.

Outro caso que bem ilustra como se dão as nomeações desses agentes encarregados de vigiar os demais órgãos públicos foi a indicação de Sidney Beraldo ao TCE-SP. No início de outubro de 2012, várias reportagens no jornal O Estado de S. Paulo apontaram a movimentação do governador Geraldo Alckmin (PSDB) junto a seu secretariado para “conquistar os votos necessários na Assembleia Legislativa” em favor da indicação do então chefe de sua Casa Civil. “Os secretários abriram negociações com deputados estaduais do PPS, do PV e do PSB, para tentar reverter o apoio dos parlamentares à indicação do deputado estadual Jorge Caruso, do PMDB”, escreveu-se em texto publicado em 17/10/2012. A votação na Assembleia, que aprovou o nome de Beraldo, ocorreu em 13 de novembro daquele ano. Como a motivação predominante para a ascensão de alguém à função é garantir vida mansa para o governante que o nomeia – tanto no presente quanto, particular mente, no futuro  – , verifica-se que 62% dos integrantes de Tribunais de Contas tiveram atividade política.

Pré-qualificações

A frouxidão dos requisitos profissionais definidos na Constituição para o exercício da função deixa espaço para o que se quiser. O conselheiro Antônio Cristóvão Correia de Messias, do TCE-AC, por exemplo, atuou como médico até sua nomeação pelo então governador do estado Orleir Messias Cameli (PPR), seu primo.

A conselheira do TCE-GO Carla Cíntia Santillo, filha do ex-governador do estado e ex-conselheiro do TCE-GO Henrique Antônio Santillo, é formada em odontologia e foi deputada por quatro anos antes da nomeação. No TCM-BA, os conselheiros Fernando Vita e Paolo Marconi são jornalistas, tendo trabalhado em veículos de comunicação e – tipicamente  – assessorias de imprensa. Vita é também escritor de romances.

“Idoneidade moral” e “reputação ilibada”

Dos 238 conselheiros, 47(20%) têm ocorrências na Justiça ou nos próprios Tribunais de Contas, vários com condenações, respondendo por atos como improbidade administrativa e peculato. O tribunal com a maior quantidade de conselheiros processados é o TCE de Goiás: cinco dos sete membros do colegiado estão nessa situação. Em seguida, com quatro conselheiros processados, vêm Amapá, Espírito Santo, Mato Grosso e Roraima.

Em casos extremos, a mobilização contrária a uma indicação política pode surtir efeito. Exemplo recente foi o do senador Gim Argello (PTB), alvo de seis inquéritos e responsabilizado em segunda instância no TJ-DF pela criação irregular de cargos comissionados na Câmara Legislativa do Distrito Federal, que o Palácio do Planalto queria instalar no Tribunal de Contas da União. As reações negativas na imprensa e os atos de repúdio organizados por servidores e procuradores dos TCs, culminando com raríssima advertência do presidente do TCU, ministro Augusto Nardes, ao presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, de que não daria posse a Argello caso seu nome fosse aprovado pela Casa, fizeram com que a postulação fosse cancelada.

Dos conselheiros processados, catorze o são por improbidade administrativa, onze por irregularidades diversas (de gestão, eleitorais ou na própria nomeação ao TC), dez respondem a processos penais por crimes aos quais não se tem acesso na consulta processual online, sete por peculato, seis por acumulação indevida de cargos ou salários, cinco por nepotismo (todos do TCE-GO), quatro por corrupção passiva, dois por crimes eleitorais, dois por crimes contra o sistema financeiro, dois por falsidade ideológica, um por homicídio, um por formação de quadrilha, um por sonegação fiscal e um por lavagem de dinheiro.

Se o conselheiro tem parente ou se for político profissional, as chances de ele responder a processo são maiores. Entre os conselheiros sem parentes políticos, a taxa de processados é de 18%; o porcentual sobe para 29% entre os que têm parentesco político.

No caso dos conselheiros que jamais ocuparam algum cargo eletivo nem foram secretários de governo, a taxa de processados é de 10%. Entre os políticos profissionais que se tornaram conselheiros – e, portanto, tiveram mais oportunidades de malversar o dinheiro público –, a porcentagem é bem maior: 26%.

Condenados

Doze conselheiros já foram condenados na Justiça ou em Tribunais de Contas, um deles por homicídio e seis por improbidade administrativa. Punições da Justiça Eleitoral foram aplicadas a três e outros três tiveram contas julgadas irregulares por Tribunais de Contas.

Em Mato Grosso do Sul, o conselheiro José Ancelmo dos Santos foi condenado a pagamento de multa por irregularidades na aplicação de recursos federais repassados pelo Fundo Nacional de Saúde à Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul, quanto era secretário da Fazenda. (TCU – Acórdão Nº 278/2000).

Nove conselheiros de TCs  estão afastados enquanto as investigações seguem em curso  – a maioria  segue recebendo seus vencimentos. Quatro deles são do TCE-AP. Afastados desde 2012 pelo STJ, estão envolvidos no processo penal derivado da “Operação Mãos Limpas”, que desmontou um esquema de desvio de recursos de diversos órgãos do estado e chegou a prender os ex-governadores  Pedro Paulo Dias de Carvalho e Waldez Góes.

A indicação política é a regra na escolha de conselheiros, o que faz com que as votações nas Assembleias, nas Câmaras e no Congresso sejam jogos de cartas marcadas.

É o caso do conselheiro do TCE-RO Edílson de Sousa Silva, indicado pelo ex-governador e ex-senador condenado no STF Ivo Cassol (então PSDB). Sousa Silva, que chegou a ser preso pela Polícia Federal com a deflagração da ”Operação Dominó“, foi denunciado por prevaricação e afastado do cargo em 2007 por decisão do STJ (STJ APn460/2006). Em 2008 o mesmo tribunal homologou acordo entre o réu e o MPF determinando a suspensão do processo por dois anos. O conselheiro pôde voltar ao cargo e, após o período de suspensão do processo, em 2011, o STJ decretou a extinção de sua punibilidade.

O conselheiro Aloysio Neves Guedes , do TCE-RJ, chegou a ser preso em flagrante em junho de 1983 por tráfico de drogas. Foi condenado em primeira instância, mas acabou absolvido pelo TJ-RJ. No Amapá, o conselheiro José Julio de Miranda Coelho, que também responde a outros processos no STF e no STJ (um deles por participação em esquema de desvio de recursos de diversos órgãos do Amapá), também chegou a ser denunciado pela Polícia Federal e investigado no STJ por manter relação com menores de idade em troca de dinheiro, mas o processo foi arquivado (STJ-Inq Nº 695/2010).

Outro caso é o do conselheiro Antonio Roque Citadini (TCE-SP), acusado de receber propina da empreiteira Camargo Corrêa na investigação da Polícia Federal “Castelo de Areia” (STJ-HC Nº 137349/2009). O STJ determinou a suspensão integral da operação por considerar irregular a quebra de sigilo telefônico concedida pela Justiça Federal de São Paulo à PF. O MPF tenta reabrir o caso no STF.

O conselheiro Robson Marinho, do TCE-SP, é investigado por improbidade administrativa no TJ-SP e, junto com outros 18 suspeitos de envolvimento no caso Alstom, chegou a ter seus bens sequestrados pela Justiça (TJ-SP Foro Central – Cautelar Inominada Nº 0026976 – 70.2009.8.26.0053). De acordo com a acusação, a empresa teria pago propina a funcionários públicos e políticos para vencer licitações durante os governos Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB), Mário Covas (PSDB) e Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo. Os acusados entraram com pedido contra o bloqueio de bens, quefoi negado (TJ-SP Agravo de Instrumento Nº 0255156-77.2009.8.26.0000). Marinho entrou com recursos pedindo afastamento da juíza do caso, que foram negados: STJ – Agravo em Recurso Especial Nº 0144092 – 91 – 2011.8.26.0000.

Parentela

Dos 238 conselheiros, 42 (17%) têm parentes políticos. Metade é pai ou filho de político. Os cargos mais comuns entre os parentes de conselheiros são atuais ou ex-governadores (15) e deputados  estaduais (15) – ou seja, os responsáveis diretos pelas nomeações nos TCEs (189 dos 238 conselheiros estão nos TCEs).

A taxa de conselheiros com parentes influentes é especialmente alta em Alagoas: 6 dos 7 conselheiros. Um deles é o conselheiro Isnaldo Bulhões Barros, irmão do ex-governador do Alagoas pelo PFL Geraldo Bulhões, quem o nomeou conselheiro. Bulhões Barros também tem outro irmão, mulher, filho e neto em cargos eletivos. Outro é Otávio Lessa de Geraldo Santos, irmão do ex-governador de Alagoas Ronaldo Lessa (PDT), quem o nomeou conselheiro em 2002.

Dos 238 conselheiros, 42 (17%) têm parentes políticos. Metade é pai ou filho de político.

Não apenas em Alagoas governadores nomeiam parentes para o cargo de conselheiros. Em Pernambuco, o ex-governador Eduardo Campos (PSB) indicou o primo João Campos (PSB) em 2011 – quatro anos antes, havia nomeado o primo da mulher, o conselheiro Marcos Coelho Loreto, até então seu chefe de gabinete.

No Acre, o então governador Orleir Cameli (então PPR) nomeou conselheiro seu primo Antonio Cristovão Correia de Messias, já citado neste relatório. Na Paraíba, o ex-governador Cassio Cunha Lima (PSDB, cassado em 2009) nomeou seu tio, Fernando Rodrigues Catao. No Ceará, o governador Cid Gomes (PROS) nomeou sua ex-cunhada Patrícia Saboya (PDT), indicada pela Assembleia.

No Piaui, a ex-deputada estadual Lilian Martins foi nomeada por seu marido, o governador do Piaui, Wilson Martins (PSB). No Rio de Janeiro, o conselheiro Marco Antonio Barbosa de Alencar (TCE-RJ) foi nomeado pelo pai, o então governador Marcello Alencar (PSDB).

 

Os membros do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul

Cícero Antonio de Souza

Foi deputado estadual.

Iran Coelho das Neves

José Ancelmo dos Santos

Foi vice-prefeito e secretário municipal.

Irregularidades em gestão detectadas por Tribunal de Contas (TCU – Acórdão Nº 278/2000)

José Ricardo Pereira Cabral

Marisa Joaquina Monteiro Serrano

Foi senadora pelo PSDB e secretária estadual.

Ronaldo Chadid

Waldir Neves Barbosa

Foi deputado estadual e federal pelo PSDB.


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