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Senado contraria a Câmara e rejeita legalização do aborto na Argentina

Publicado em 09/08/2018 12:00 -

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Depois de um debate de cerca de 16 horas, o Senado da Argentina rejeitou na madrugada de quinta-feira (9) um projeto de lei para legalizar o aborto – tema que provocou fortes divisões entre políticos e na sociedade do país.

Após a proposta ter sido aprovada na Câmara dos Deputados em junho, por maioria apertada, 31 senadores votaram a favor da medida, e 38, contra. Houve duas abstenções e uma ausência.

O texto previa mudar uma legislação de 1921 e estabelecer a descriminalização de qualquer aborto até a 14ª semana de gestação – e não apenas nas circunstâncias previstas atualmente por lei: se a vida ou a saúde da mulher estão em risco ou se é fruto de estupro ou abuso contra uma mulher com deficiência intelectual.

Após ter sido rejeitado pelo Senado, o projeto não poderá mais ser debatido neste ano legislativo. Apesar de a proposta não ter sido aprovada, muitos dos legisladores destacaram que esta foi a primeira vez que a iniciativa de legalizar o aborto chegou tão longe. 

"Que ninguém se deixe levar pela cultura da derrota. Bravo, meninas, vocês elevaram a honra e a dignidade das mulheres argentinas", afirmou Fernando "Pino" Solanas, senador do Proyecto Sur.

"Mais cedo ou mais tarde, num dia certamente mais brilhante que este dia cinzento e triste de chuva, as mulheres terão a resposta normativa de que precisam", afirmou o senador Miguel Ángel Pichetto, chefe da bancada do Partido Justicialista.

Do lado dos contrários à legalização, a senadora Silvia Elías de Pérez – da União Cívica Radical, que integra o bloco governante Cambiemos – afirmou que o projeto de lei é "inconstitucional" por não zelar pela vida do bebê. Ela defendeu políticas públicas de educação sexual.

"O aborto é sempre uma tragédia, o que faz é acrescentar à mulher uma ferida a mais. Legalizar o aborto é admitir abertamente o fracasso do Estado", disse.

A proposta causou divisão não apenas entre diferentes partidos, mas também entre membros de uma mesma legenda. O senador Luis Naidenoff, também da União Cívica Radical e a favor do projeto de lei, ressaltou que se trata de um problema de saúde pública, devido à quantidade de mulheres que morrem a cada ano após abortos clandestinos e porque a via punitiva para evitar a prática fracassou.

Organizações não governamentais estimam que cerca de 500 mil abortos clandestinos sejam realizados anualmente na Argentina. Cerca de 60 mil resultam em complicações e hospitalizações. Desde 1983, 3 mil mulheres teriam morrido no país em consequência da prática ilegal.

O projeto para legalizar o aborto já foi apresentado em outras seis ocasiões no Congresso, mas nunca chegou a ser debatido. A discussão ganhou atenção novamente com o fortalecimento do movimento feminista no país.

Em março deste ano, o presidente Mauricio Macri finalmente permitiu que o Congresso debatesse o projeto, mas declarou ser contra a legalização do aborto. Ele prometeu assinar a lei caso fosse aprovada pelo Legislativo.

Sociedade dividida

Diante do Congresso em Buenos Aires, milhares de pessoas se concentraram durante o debate no Senado para protestar a favor – com a cor verde como bandeira – e contra a legalização do aborto – de azul. Ativistas lamentaram o resultado da aguardada votação.

Ambos os blocos realizaram uma série de manifestações nos últimos meses. Feministas também saíram às ruas com capas vermelhas e tocas brancas em alusão ao romance transformado em série de televisão The Handmaid's Tale (O Conto da Aia), que tematiza a opressão da mulher.

Os protestos durante a votação no Senado foram em sua maioria pacíficos, mas após a aguardada votação, pequenos grupos de manifestantes entraram em confronto com a polícia, arremessando bombas incendiárias e colocando fogo em barricadas. Policiais responderam com gás lacrimogêneo.

A proposta de legalizar o aborto acirrou os ânimos no país, fortemente influenciado pela Igreja Católica. Nesta quarta-feira, enquanto milhares torciam pela aprovação do projeto de lei pelo Senado, outros participaram de uma "missa pela vida" na Catedral Metropolitana de Buenos Aires.

"Não se trata de crenças religiosas, mas de uma razão humanitária", disse o cardeal Mario Poli, arcebispo de Buenos Aires, aos presentes na missa. "Proteger a vida é o primeiro direito humano e dever do Estado."

Médicos também se uniram aos protestos contrários à legalização do aborto nos últimos meses, chegando a estender seus jalecos brancos no chão diante do palácio presidencial.

Durante o debate no Senado, a ex-presidente e atual senadora Cristina Fernández de Kirchner lamentou a falta de consenso entre legisladores. "O problema vai continuar existindo. É necessário fazer um esforço para poder dar uma resposta a ele."

Se o Senado tivesse transformado a proposta em lei, a Argentina passaria a ser o terceiro país da América Latina a legalizar o aborto, após Cuba e Uruguai. Manifestações em prol da aprovação da medida foram realizadas nesta quarta-feira no Brasil, no México, no Uruguai e no Equador.


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