25/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Os lendários Auto-Enriquecidos

Publicado em 18/07/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Kylie Jenner é uma das Kardashians. A mais novinha delas, se não me engano. Desde criança, ela é coadjuvante nos reality shows da família. Certo dia, os produtores montaram todo um episódio em torno do procedimento labial que a garota teria feito. "Seus lábios estão lindos", comentou a irmã protagonista Kim. "Fiquei com medo de ficar muito exagerado", respondeu Keil. A garota tinha 14 anos.

Claro, a internet correu com o factóide, como se não fosse essa a intenção dos realizadores. "Que absurdo! Fazer procedimento estético-sexy numa menina tão novinha", disseram uns. "Vocês são todas recalcadas e invejosas", disseram outras.

Em pouquíssimo tempo Kylie tinha notoriedade suficiente para virar "influenciadora" de redes sociais. Endossar marcas tirando selfies com os produtos. Cobrar cachês milionários. Tudo negociado pelos empresários da família.

Daí surgiu uma oportunidade: um empresário precisava de uma "marca" para seus cosméticos. Afinal, é difícil convencer adolescentes a comprar seu produto sem a recomendação de uma celebridade. Essa juventude rebelde só faz o que é mandado.

Logo, mamãe Kardashian assinou papéis, Kylie tirou fotos e a Kylie Cosmetics nascia. Semana passada, a revista Forbes, especializada em economia-ostentação, colocou a caçula kardashian na capa: A mais jovem "Self-Made" bilionária da história.

Self-made (ou "auto-enriquecido", para quem tem crise de pelanca com termos estrangeiros não precisar quebrar o abajour nem amaldiçoar o Zeitgeist) é o termo que americanos usam para descrever gente que saiu do nada e ficou rico. Silvio Santos é um brasileiro que tem essa característica biográfica. Boninho não é. Nada contra o filho do Boni. Ele tem lá suas conquistas na história da TV. Mas é inegável que ele começou a corrida lá pelo meio do trajeto. O mesmo podemos dizer do Supla. E do Dado Dolabella. E do Dória. E do Aécio. Pessoas com diferentes níveis de sucesso. Mas nenhuma delas é "self-made". E muito menos Kylie.

E é claro que o editor da Forbes sabe disso. Ele não é um idiota. Muito pelo contrário, é um cara muito sabido.

A Forbes sabe que há uma coisa que Kylie e o mito do "Auto-Enriquecido" têm em comum: ambos vendem. Uma habilidade irresistível num veículo em tempos de vacas magras.

O leitor americano devora "causos" dessa tartaruga albina do capitalismo. Não se cansam de ouvir falar dos jovens bilionários da revolução digital, dos CEOs que vieram do nada para romper paradigmas e inaugurar o futuro. Tudo isso montados em colinas de dólares que eles amealharam desde o primeiro centavo.

De Gates e Bezos a Musk e Oprah, esse é o panteão dos ídolos do neoliberalismo. Um panteão de deuses cada vez mais velhos e rarefeitos. A cada ano que passa, pinçar um exemplo de bilionário "auto-enriquecido". Por isso que Trump faz questão de afirmar que é um deles. Ainda que venha de família milionária. Ainda que tenha falido meia dúzia de vezes e papai tenha vindo em seu socorro. Ainda que ele se negue a divulgar sua declaração de renda. O Bilionário "auto-enriquecido" é  uma espécie em extinção.

Por isso, um exemplar de celebridade, "da nova geração", de família polêmica, logicamente faria uma ótima capa. Independentemente de que esse bilhão é meramente especulativo. Não há como saber quanto a empresa de cosméticos da menina realmente vale. Nem dá pra levar a sério o papinho de que a família "emprestou 300 mil dólares" e o resto ela vendeu de porta em porta.

Claro, muita gente surtou diante da constatação de que focinho de porco não é tomada. Reagiram como se fosse recalque. Como se filhos de celebridades não merecessem ter seus feitos reconhecidos. Claro que merecem. Eu, na idade da Kylie, não pensava em abrir negócios. E os negócios que eu pensava em abrir, bem, deixa pra lá.

No fundo da coisa toda está a discussão do privilégio. De se ter consciência de que nem todo mundo começa a corrida no mesmo lugar. E que um elogio destinado a quem venceu nadando contra a maré não pode ser atribuído a quem chegou de iate.

Kylie não é "self-made". Ela é "Selfie-maker". Não deixa de ser uma conquista, mas é bem diferente.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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