18/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A Corte dos Reaças

Publicado em 29/06/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Durante os primeiros meses depois da eleição de Trump, Democratas e imprensa, atordoados, procuravam entender o que tinha acontecido. Como seria possível que uma pessoa com valores tão – digamos – questionáveis tivesse sido acolhido pela parcela mais conservadora e cristã do país?

A primeira resposta foi a narrativa do "Tiririca". Desiludidos com política, a América profunda resolveu transformar seu voto em coquetel molotov e tacar foco em Washington. "A voz dos ignorados", diziam outros. A parte dos Estados Unidos que se sentia desprotegida e esquecida resolveu falar mais alto nas urnas. Porque o interior do país estava sofrendo com as fábricas migrando para o terceiro mundo. Porque a crise de opióides estava fora de controle. Porque os mexicanos estavam invadindo o país em massa. Todos esses motivos clamavam por uma resposta urgente.

E se essa resposta viesse na forma de um homem desagradável, grosseiro e mentiroso, paciência. O conservador cristão faria esse sacrifício de votar num "pecador" para "mandar uma mensagem ao poder".

Esta semana, a verdadeira resposta veio à tona. Sabe por que o americano branco, caipira, evangélico, sem ensino superior ou plano de saúde decidiu votar num bilionário fanfarrão da cidade grande?

Por causa do Supremo.

É preciso entender um pouco sobre como a justiça dos EUA funciona. O Supremo deles, assim como o nosso, dá a palavra final em processos e interpretação de leis. A diferença é que lá, as decisões do Supremo têm valor de lei. Assim, se um fulano processa outro por, por exemplo, se negar a fazer o bolo para seu casamento gay, o resultado dessa disputa no Supremo se torna a lei do país. Pode se negar a fazer o bolo, sim. É sua liberdade de expressão e não é discriminação. O supremo falou, tá falado.

Um desses casos históricos foi Roe contra Wade, em 1973, que descriminalizou o aborto nos EUA. Não foi voto de deputado. Foi o supremo quem garantiu o direito de escolha às mulheres americanas.

Cada juiz do Supremo é indicado pelo presidente do país e vetado ou aprovado pelo Senado. Como é de se esperar, cada presidente tende a indicar um juiz através do seu alinhamento político. Obama indicou Sonia Sotomayor, uma mulher latina e liberal, coisa inédita na corte até então. Nove meses antes do final do seu mandato, um dos juízes mais conservadores bateu as botas. Caberia a Obama indicar um substituto. Mas o líder Republicano no Senado Mitch McConnell fez o possível e o impossível para embarreirar qualquer indicação.

A posição ficou vaga até Trump assumir e indicar (adivinha) um juiz conservador. Foi este novo juiz o voto de minerva autorizando o veto a viajantes muçulmanos no território americano.

Esta semana, um outro magistrado, este de perfil mais moderado, anunciou sua aposentadoria. Isto dará a Trump a oportunidade de nomear outro conservador, colocando os liberais em minoria. Fatalmente, ele indicará alguém jovem, que possa servir no cargo por décadas, influenciando as leis e a sociedade americana por gerações.

Uma suprema corte desproporcionalmente conservadora poderá, por exemplo, proibir o aborto, impedir a descriminalização da maconha, endurecer as leis de imigração, exterminar as já parcas garantias trabalhistas, enfim. Imagine. É como se o Supremo brasileiro fosse 70% formado por pelegos de empresários de empreiteiras, apadrinhados políticos e oligarcas. Dá pra imaginar uma coi… Bem. Melhor deixar pra lá.

E é por isso que cada pastor evangélico do meio oeste americano fez o que pôde para garantir que Trump fosse eleito. Esse era um projeto antigo que só precisava do candidato certo. Dane-se que Trump é um ser humano reprovável. Para os pastores e seus rebanhos, só importava a vitória. O poder de indicar juízes no Supremo. Eles sabiam que o cara era uma fraude, que nada do fora prometido fazia qualquer sentido prático ou teórico. A questão era assegurar que os avanços sociais para minorias e mulheres fossem engessados, pior: desfeitos.

Esse era o desejo íntimo no coração da América cristã. "Fazer a América grande novamente", um juiz por vez.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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