26/04/2024 - Edição 540

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Imagens e áudios de crianças separadas dos pais nos EUA causam indignação

Publicado em 20/06/2018 12:00 -

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Uma gravação de áudio que parece captar as tristes vozes de crianças pequenas falantes de espanhol clamando por seus pais em um centro de imigração nos Estados Unidos virou o assunto principal da crescente discussão sobre a política do governo Trump de separar crianças imigrantes de seus pais.

Também foram mostrados casos de crianças que acabaram ficando nos abrigos meses depois da deportação dos familiares adultos. Dentro do próprio partido republicano, alguns políticos já se movimentam contra a tolerância zero do presidente Donald Trump.

“Papa! Papa!” É possível ouvir uma criança chorando no arquivo de áudio que foi divulgado pela primeira vez na segunda-feira (18) pela organização sem fins lucrativos ProPublica e posteriormente fornecido à Associated Press. A advogada de direitos humanos Jennifer Harbury disse que recebeu a gravação de um denunciante e afirmou à ProPublica que o áudio foi registrado na semana passada. Ela não forneceu detalhes sobre onde exatamente foi gravado.

A pressão sobre o Congresso dos Estados Unidos para impedir que crianças sem documentos e separadas dos pais presos quando tentam entrar ilegalmente usando a fronteira com o México aumentou com a divulgação de novas imagens de abrigos e áudios de meninos e meninas chorando. A bancada democrata uniu-se em torno de um projeto de lei para proibir a separação de famílias e senadores querem votar uma medida ainda esta semana.

O governo americano separou pelo menos 1.995 filhos de imigrantes ilegais que tentavam cruzar a fronteira entre Estados Unidos e México entre meados de abril e maio deste ano. Essas crianças viajavam com 1.940 adultos, segundo o Departamento de Segurança Doméstica dos EUA. 

O número de crianças separadas entre 19 de abril e 31 de maio representa uma aceleração em relação às 1.800 separações do tipo registradas entre outubro de 2016 e fevereiro deste ano, segundo estimativa da agência Reuters. 

O total agora se aproxima de 4.000, em dado que não inclui março e o início de abril deste ano. Representantes do departamento não detalharam o local onde as crianças estão sendo mantidas ou a idade delas. O porta-voz disse apenas que não foram separados adultos de seus bebês.

Um porta-voz do Departamento de Segurança Doméstica que não quis se identificar afirmou a jornalistas que as famílias foram separadas para que os pais pudessem ser processados criminalmente.

“Os defensores querem que a gente ignore a lei e deem passe livre às pessoas com famílias. Nós não livramos mais grupos inteiros de pessoas.”

Um agente de fronteiras disse que algumas crianças eram separadas dos adultos por suspeita de que a relação entre eles, na verdade, seria falsa.

Segundo a Reuters, 13% das separações de famílias que ocorreram nos 17 meses até fevereiro deste ano foram provocadas por suspeita de fraude.

A separação é uma das mais polêmicas medidas da nova política de tolerância zero a imigrantes ilegais adotada pela administração do republicano Donald Trump. 

Em maio, o procurador geral Jeff Sessions anunciou uma política de tolerância zero segundo a qual todos os que fossem flagrados entrando ilegalmente nos Estados Unidos seriam acusados criminalmente, o que normalmente leva à separação entre pais e filhos.

Uma vez separadas dos adultos, as crianças são tratadas como menores desacompanhados sob cuidados do Departamento de Saúde e Serviços Humanos. Eles então são enviados para instalações do governo, colocados em abrigos temporários ou ficam sob tutela de adultos no país.

A política adotada antes previa que adultos viajando com crianças seriam enviados para tribunais de imigração. A lei proíbe deter crianças com seus pais, porque os menores não são acusados de crime, ao contrário do que acontece com os adultos.

ONU, entidades de defesa dos direitos humanos e líderes religiosos estão entre os que se opõem ao endurecimento do tratamento de imigrantes no país.

Na quinta-feira (14), o procurador-geral respondeu às preocupações manifestadas por líderes religiosos e citou uma passagem da Bíblia sobre a necessidade de obedecer à lei.

Brasileiros

Vinte e seis dias depois de ser detido na fronteira entre o México e os EUA com seu filho, um brasileiro diz que não tem ideia de quando poderá ver o menino de 9 anos, que, segundo ele, deve estar tendo dificuldades para se comunicar, porque só fala português.

Em uma entrevista por telefone no final da quinta-feira (21) do Centro Correcional do Condado de Cibola, em Milan, Novo México (EUA), o brasileiro de 31 anos disse que só falou com o filho uma vez por telefone desde que foram separados. O homem, que pediu asilo nos EUA, concordou em falar com a agência de notícias Associated Press sob a condição do anonimato, por temer ser morto se for mandado de volta ao Brasil.

"Ele chorou. Estava muito triste", disse o brasileiro sobre seu filho. "Eu havia prometido a ele que seriam só de três a cinco dias."

O homem, que veio do Estado de Minas Gerais, disse que há pouco tempo perdeu o emprego numa padaria. Ele também disse que tinha uma dívida de aproximadamente US$ 8.000 (R$ 30 mil) que não pôde pagar, e um grupo criminoso o estava perseguindo para saldar a dívida. Ele não quis dar mais detalhes.

Então ele decidiu ir para os EUA, planejando encontrar trabalho e mandar buscar sua mulher e outro filho, de 3 anos. O pai e o menino mais velho pegaram um voo para a Cidade do México e então se dirigiram à fronteira. Quando tentaram cruzá-la perto de San Ysidro, na Califórnia, foram apanhados pela patrulha de fronteira.  

Ele e o filho foram levados a um centro de detenção com várias outras famílias. "Durante dois dias só nos deram salgadinhos de milho, barras de cereal e suco."

Então lhe disseram que seu filho seria levado a um centro para menores e que eles ficariam separados por no máximo cinco dias. "Eu não quis assustá-lo, e disse: 'Olhe, meu filho, vou embora só por três dias, cinco no máximo, e depois eu volto'", disse o pai. "Ele chorou e me abraçou. É um bom menino. Nunca ficou separado de mim ou da mãe."

Dez dias depois, o pai soube que o menino havia sido levado para um Escritório de Reassentamento e Refugiados em Chicago. Ele ligou para uma linha direta de ajuda jurídica e um advogado de imigração conseguiu que ele tivesse uma conversa de 20 minutos com o filho.

Enquanto isso, a criança já tinha feito contato com sua mãe no Brasil. Quando foram separados, o pai deu ao menino seu celular, que tinha o telefone da mãe.

Localizada pela Associated Press na tarde de quinta, a mãe disse que seu filho pode telefonar nas segundas e quintas-feiras, e a cada vez eles conversam durante 30 minutos. Ela contou que o menino está mais calmo que em suas primeiras conversas, mas continua ansioso e quer ver os pais. O menino toma Ritalin por causa de hiperatividade, e o centro de detenção segue fornecendo o medicamento, disse ela.

"Ele chora muito e quer ir embora", disse a mãe, que tem 31 anos e é faxineira em escritórios. "Ele está mais calmo, mas ainda quer sair de lá."

"É horrível. Horrível", disse ela. "As crianças estão sofrendo. Os pais também."

O casal disse que perguntaram diversas vezes quando verão o filho. Eles esperavam que com a ordem executiva que o presidente Donald Trump assinou na quarta-feira (20) para suspender a separação das famílias de imigrantes eles teriam mais informações, mas até agora nada.

O pai disse que teve uma entrevista de asilo na quinta-feira. Quando perguntou sobre seu filho, o agente entrevistador disse que era responsabilidade de outro departamento.

A mãe afirmou que recebeu respostas igualmente vagas do centro através de um advogado que tentou ajudá-la.

Uma firma de advocacia sem fins lucrativos que trabalha com imigrantes, a Aldea, The People's Justice Center, entrou nesta semana com vários processos em nome do menino e de outro brasileiro, um jovem de 15 anos que também foi separado do pai. Os processos afirmam que a separação e o processamento dos pais e filhos em separado são ilegais, e pedem a reunião.

"Estamos abrindo esses processos porque o que essas famílias sofreram é um absurdo", disse Karen Hoffmann, uma advogada que trabalha nos casos. "Ninguém sabe como será feita a reunião deles. O governo certamente não sabe."

Trump contra-ataca

Eu não tive a sorte de ser separada por cinco ou dez dias [do filho]. Eu fui separada permanentemente." Foi assim que a americana Laura Wilkerson, cujo filho foi morto por um imigrante ilegal, iniciou um evento organizado pela Casa Branca na sexta (22), quando o governo Donald Trump enfrenta críticas internas e externas à decisão de separar crianças migrantes dos pais que entram no país sem documentos.

Ela e outras 12 mães e pais estiveram ao lado do republicano para contar suas histórias. Seus filhos foram baleados, atropelados por motoristas embriagados, estuprados, torturados. 

"Essas são as famílias que a mídia ignora. Não se fala delas", afirmou Trump, que voltou a defender o endurecimento das leis migratórias dos EUA e o maior controle de fronteiras.

O republicano não falou das famílias de imigrantes que ele prometeu reunificar ao assinar uma ordem executiva nesta semana. Tampouco respondeu às dúvidas que ainda existem sobre em que locais elas ficarão juntas enquanto aguardam o processo legal.

Mas o presidente citou números de um relatório do governo segundo o qual 25 mil homicídios foram cometidos por imigrantes sem documentação nos EUA ao longo de 55 anos. O mesmo documento contabiliza 70 mil crimes sexuais e 42 mil roubos. 

Embora o relatório leve em conta crimes ocorridos entre 1955 e 2010, 90% deles ocorreram após 1990. "Onde está a indignação da mídia com as políticas de 'prender e soltar' que permitem que criminosos violentos entrem em nossas comunidades?", questionou Trump.

Uma das presentes no evento, Sabine Durden, nasceu na Alemanha, país dispensado de visto de entrada nos EUA. Disse ter vindo ao país legalmente, após pagar "muito dinheiro" e levar cinco anos para virar cidadã americana. "Não arrastei meu filho pelo deserto. Eu o protegi do mal", disse.

Seu filho, Dominic Durden, foi morto em um acidente de carro em 2012, aos 30 anos. O acidente foi provocado por um imigrante ilegal guatemalteco que tinha uma ordem de deportação, fora notificado por crimes de trânsito, mas vivia em uma "cidade-santuário" —nome dado a municípios americanos que não denunciam moradores sem documentação às com autoridades federais de imigração. 

"É assim que eu abraço meu filho", disse Durden, ao tocar um bojudo medalhão pendurado em seu pescoço, onde estavam as cinzas do rapaz. 

Trump voltou a pedir, no evento, a mudança das leis migratórias dos EUA, que ele qualificou como "as mais fracas na história mundial". 

O presidente defende medidas como a adoção de critérios meritocráticos para conceder residência permanente e o fim de brechas legais que permitem às autoridades prender e soltar imigrantes que não tenham a documentação exigida. 

Republicanos e democratas debatem o tema há meses no Congresso, mas não conseguem chegar a um acordo. Trump acusa os opositores de obstruírem o debate. 

Já os democratas dizem se recusar a apoiar uma lei que estabeleça financiamento para o muro na fronteira com o México, promessa de campanha do presidente.

No total, cerca de 2.300 crianças foram separadas dos pais na fronteira desde abril, incluindo 49 brasileiros. Elas estão sob a custódia de abrigos mantidos pelo governo americano, enquanto os pais aguardam definição sobre seus processos na prisão.


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