25/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O grande unificador

Publicado em 14/06/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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O amigo leitor está curtindo a Copa do mundo? Não? As desilusões do mundo melaram seu patriotismo quadrienal? Ou o senso cívico desportivo grita mais forte no seu coraçãozinho? Na minha timeline, o Brasil se divide agora em pró e anti-copa.

Reproduzo abaixo um trecho de um textão viral que parou na minha curva de rio essa semana:

"Você vai tacar glitter verde e amarelo na cara de quem falar 'pão e circo'.
'Aaaaah! Mas enquanto você assiste a Copa os políticos tão (sic) roubando a gente.' (…) A culpa não é da Copa, então aproveita a festa."

Não conheço o autor ou sua orientação política. Mas discordo dele. Acho que é legítima a argumentação de que a Copa do Mundo não é um produto ético. Sua realização no Brasil financiou muito do mar de lama onde nossa democracia permanece atolada e afundando. E, a FIFA, dona e organizadora do evento, tem um longo histórico de corrupção e envolvimento com regimes opressores, quando não sanguinários. De Mussolini a Putin. A julgar pelo que a Rússia tem feito no cenário mundial, é de surpreender que outros países não tenham boicotado a edição.

E para piorar, acreditar que tudo ao redor da Copa seja manchado por corrupção MENOS os jogos, é meio besta. Torcer pelo Brasil na Copa é mais ou menos como torcer pela vitória do Carlos Marun no cassino clandestino do Kim Jong Un.

Eu sei que posicionamento moral vem de dentro. Ninguém é obrigado. Mas uma vida pautada por valores éticos não pode ignorar o constrangimento de vestir a camisa da CBF e fechar os olhos para os bastidores da "festa". Em outras palavras, é preciso estar muito afim de se divertir para ignorar os efeitos colaterais da farra. É muito hedonismo na veia.

Hoje, tudo é motivo para discussão ideológica. Da liberdade do Lula à presença de passas no arroz. "O mundo nunca esteve tão dividido", blá-blá-blá. Os comunicólogos e sociólogos buscam um ponto de convergência. Uma questão que una os extremos em torno de um interesse comum.  Acredito que tenha encontrado essa pedra filosofal. A má notícia é que você não vai gostar de saber qual é.

O que comunistas e nazistas, mortadelas e coxinhas, gregos e troianos têm em comum é uma coisa só: uma devoção incondicional ao hedonismo. Não é a liberdade, o mercado livre, o fim da pobreza ou o aquecimento global. A única questão central em todas as ideologias é a luta pelo direito inalienável ao prazer como um bem supremo.

É o prazer hedonista de atirar de fuzil que faz um republicano preferir ter o filho baleado na escola do que apoiar restrição ao porte de armas. É o prazer de tomar cerveja com os amigos de manhã num dia de semana que faz um militante do Psol bater palma para uma ação de RP do Vladimir Putin.

Tanto na direita quanto na esquerda, estamos sempre dispostos a jogar nossos valores pela janela em troca de um prazerzinho brejeiro. E, com a mesma velocidade, condenamos o prazer alheio. Nenhum princípio é mais prevalente do que nosso prazer de estimação.

Hoje, a maior parte da política é pautada pelo medo e pelo ódio. Daí a divisão tribal em que vivemos. Mas, quem conseguir erguer a bandeira da causa hedonista no século XXI provavelmente conquistará o mundo.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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