Especial
Publicado em 13/06/2014 12:00 -
Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.
Estudos recentes mostram que os pais pensam que sabem, mas, no fundo, não têm ideia do que os filhos fazem on-line. Um exemplo: 33% das crianças confessam que já fizeram compras virtuais, 24% delas sem consentimento. Mas só 17% dos pais pensam que seus filhos compram na rede, segundo o relatório Norton Online Family, da Symantec, feito com 9.888 pessoas.
Outro estudo mostra o que os adultos provavelmente não veem: 88% dos jovens de 12 a 17 anos já presenciaram crueldade na internet e 21% já humilharam pessoas em redes sociais – dados do relatório "Teens, Kindness and Cruelty on Social Network Sites" (adolescentes, bondade e crueldade em redes sociais), feito pelo Pew Research Center's Internet e American Life Project.
Patricia Peck, especialista em direito virtual e criadora do projeto Criança Mais Segura na Internet, critica o excesso de confiança nos filhos. Muitos adultos não estão na rede e acham que estar em casa é estar seguro. "Quando um filho dá uma volta na rua, perguntamos com quem ele conversou. Mas não questionamos o que rolou na internet."
Não é descuido, é inexperiência, opina o psicólogo Cristiano Nabuco, pesquisador na área de dependência em internet. "Não dá para imaginar os perigos de uma situação que você não viveu." A psicóloga infantil Armelinda Maria Barros Leite concorda: "Os cuidados que os pais devem ter com os filhos na internet são os mesmos que eles precisam ter nas ruas. É preciso conhecer seus relacionamentos", afirma.
Estudo mostra que 88% dos jovens de 12 a 17 anos já presenciaram crueldade na internet e 21% já humilharam pessoas em redes sociais.
A lista de riscos inclui desde conversar com estranhos até ficar dependente e se desligar do mundo real. "Se nós adultos checamos e-mail até na praia, imagine um adolescente, em que o controle cerebral de estímulos não está totalmente desenvolvido", diz Nabuco.
Proibir não Adianta
Seria mais simples proibir, mas é impossível evitar que crianças e adolescentes acessem a rede. Se não for em casa, vai ser na escola, com o amigo, no celular. "É a mesma coisa que falar para seu filho nunca comer picolé. É inútil, quando ele puder, vai comer, e sem sua supervisão", diz a psicóloga Andrea Jotta, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP.
Melhor juntar-se ao "inimigo"? Os números dizem que sim. A última pesquisa TIC Crianças, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, mostra que os pais conectados são os que mais controlam o acesso e melhor orientam os filhos sobre o uso da rede, de acordo com Alexandre Barbosa, porta-voz da entidade.
É a estratégia da dona de casa Viviane Pereira, 35. Ela está no Facebook, Twitter, tem um blog (o Mãe Digital) e segue os passos virtuais da filha Rafaela, 16."Eu não me importo, sempre foi assim. Também não faço nada de errado", diz a menina, dona de um laptop nunca rastreado pela mãe. "Fico de olho, mas ela tem a privacidade dela. Não sei tudo que ela faz. Sei que participa de fóruns de música", explica.
Com o filho mais novo, Italo, 9, a rédea é mais curta. Ele usa um computador com bloqueio de sites e sempre tem alguém por perto. Mesmo assim, acidentes acontecem. "Uma vez, ele estava pesquisando sobre a Grécia e chegou na palavra busto. Foi clicando e acabou em uma página com fotos sensuais de mulheres. Minha filha viu e me chamou." A situação foi contornada com conversa.
Hora do Diálogo
Nisso os especialistas concordam: se proibir não adianta e pode até piorar, diálogo sempre ajuda. Não é preciso aterrorizar a criança, mas alertar do risco da exposição e do uso de imagens, avisa Patricia Peck.
A professora Maria Alice Garcia Martins aposta nesta estratégia: "Converso bastante com o João (15 anos), sobre os possíveis riscos da internet e o oriento a não conversar e nem adicionar em sua rede pessoas estranhas. Faço seus cadastros junto com ele e tenho as senhas de sites de relacionamento e e-mail. Fora isso, ele tem liberdade de navegar e faz isso com bastante frequência. Às vezes acho que precisaria estar mais próxima e acompanhar mais de perto esse movimento, investigando de vez em quando seu computador, mas sempre converso com ele sobre determinados conteúdos e da adequação deles para a sua idade", afirma.
Para a publicitária Nanci Silva, o papel dos pais é o de orientar os filhos para a vida, seja no espaço offline ou online: "Devemos ensiná-los a respeitar limites e regras, cumprir responsabilidades e tomar os cuidados necessários. Nossa relação deve ser pautada pelo diálogo, pela sinceridade e pela presença. Meus filhos passaram por um processo. Primeiro aprenderam a usar a internet como fonte de pesquisa, buscando fontes confiáveis. Depois, passaram a ter os seus próprios endereços eletrônicos para receber as tarefas escolares. E, somente depois dos 10 anos, passaram a ter acesso às redes sociais, mesmo assim, apenas João Francisco, de 15 anos, tem autorização para colocar sua foto no perfil. Só podem adicionar familiares, amigos da escola, professores e amigos do nosso convívio. Eles têm consciência da importância dos cuidados e não adicionam desconhecidos. Tenho a senha de todos, para que possa verificar se tudo está dentro da normalidade."
Internet tem idade?
Não há uma idade certa para a criança começar a ter contato com a internet, de acordo com a psicóloga e educadora Carmem Rodrigues Schffer, da Fundação Mineira de Educação e Cultura (Fumec). No entanto, segundo ela, até os seis anos de idade o mundo virtual não traz muitos benefícios para a criança. A psicóloga Armelinda Maria Barros Leite diz que, até os seis anos, não se deve permitir que a criança navegue sozinha: "Ela não tem condições de discernir situações de risco", adverte.
De forma geral, aceita-se que crianças com menos de dez anos precisam de supervisão, mas depois dá para soltar um pouco e, se houver desconfiança, usar ferramentas que geram relatórios de sites visitados.
Para Andrea Jotta, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP, as mesmas regras do mundo real valem para o virtual. "A criança pode ganhar cada vez mais autonomia quando mostrar que é responsável e segue alguns combinados. Se descumprir as regras deve ter castigo", aconselha a psicóloga.
Se o pai descobrir que o adolescente está acessando conteúdo impróprio, em vez de brigar, pode aproveitar para discutir o tema. "Não tem como deixar os sites de sexo bloqueados para sempre", diz o especialista em segurança virtual Bruno Rossini, da Symantec.
Stella Perlatti, 8, entra em sites de bonecas, vê vídeos e pediu para ter um blog. A mãe, a design Priscilla Perlatti, 36, deixou. Priscilla vive na internet – é uma das autoras do site de maternidade Mamatraca. "Fazemos o blog dela juntas. Ela ilustra com desenhos feitos em um tablet."
A mãe ainda não usa nenhum filtro no computador e não sabe quando será necessário. "A Stella já está começando a sair do nosso controle, mas quero esperar para ver o que vai acontecer."
Com a alfabetização, o interesse das crianças passa a ser concreto: elas pesquisam coisas relacionadas ao cotidiano, mas ainda não são capazes de julgar os conteúdos. Depois da pré-adolescência, podem analisar conteúdos criticamente, explica Schffer. Ela acredita que o uso do computador ajuda no desenvolvimento cognitivo.
Compartilhando a Rede
A psicóloga Armelinda Maria Barros Leite adverte que, talvez, a melhor solução esteja no compartilhamento da experiência virtual entre pais e filhos: "Não é saudável permitir que a experiência virtual se transforme em algo isolado. Por isso, acessar a rede em família é uma experiência mais interessante e mais segura. Manter os computadores em um ambiente comum, no qual pais e filhos possam navegar lado a lado é uma saída", explica.
Filho mais novo da publicitária Nanci Silva, Antônio Pedro, 12 anos, dá a pista cuja trajetória emerge na mesma estrada proposta por Barros Leite: "Quando eu nasci, já tinha computador e internet na minha casa. Fui aprendendo e descobrindo a navegar, sempre com a orientação dos meus pais. Com o falecimento do meu pai, vou menos ao computador, mas ainda gosto dos jogos online, ouço música e vejo vídeos no youtube. Minha mãe sempre curte e comenta as minhas publicações no Facebook. Eu acho que minha relação na internet com minha família é muito boa porque nós sempre estamos unidos, mesmo quando tem uma barreira de metal com tecnologia avançada nos separando a gente se une com computadores".
Crianças na Net
Valdemar Setzer, professor aposentado do Departamento de Ciência da Computação da USP, discorda. Segundo ele, a internet é altamente distrativa. "Computador e internet são instrumentos de adulto. Ninguém dá um carro para uma criança aprender a usar."
Para a educadora Eloiza Oliveira, diretora do campus virtual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o risco está no excesso de credibilidade dado a informações da rede. "É preciso ensinar a duvidar, mas nem tudo na internet é negativo. Temos preconceito. Os jovens se envolvem em campanhas, discutem temas sérios e convivem socialmente de forma positiva."
Deixe um comentário