25/04/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

O que vale no Brasil é o porrete

Publicado em 05/04/2018 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, cometeu um deslize perigoso. Ao usar as redes sociais como se fosse um “cidadão comum” para exacerbar suas preocupações quanto a “impunidade” e o “cumprimento da Constituição”, colaborou exatamente para o contrário: lançou uma sombra sobre a lisura do Supremo Tribunal Federal (STF) e pisoteou as atribuições constitucionais das Forças Armadas.

Fez isso, ainda, mentindo, como apontou com agudeza o jornalista Clóvis Rossi. “Villas Boas distorce a história, ao afirmar que sua corporação ‘compartilha o anseio dos cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia’. As Forças Armadas, não convém esquecer, desrespeitaram a Constituição e a democracia, ao darem o golpe de Estado de 1964. Nunca fizeram um mea-culpa. Segundo, porque é igualmente incorreto dizer que a corporação repudia a impunidade. As violações aos direitos humanos praticadas com abundância no período da ditadura (1964-1985) ficaram, no geral, absolutamente impunes.”

Em um país cuja história é recheada por quarteladas que apenas colaboraram para enfraquecimento das instituições, nunca a serviço da maioria dos brasileiros, mas sempre atrelada a interesses de grupos político-econômicos, a aventura de Villas Bôas pelo mundo digital reforçou o que já se sabe: a sombra do autoritarismo nunca deixou de ofuscar o que há de positivo no Exército brasileiro.

Ao dar voz à parcela das Forças Armadas que insiste em tramar contra a democracia, o chefe do Exército incita a caserna contra a disciplina, a hierarquia, a democracia e a própria Constituição. Villas Bôas jogou para debaixo do tapete o Decreto de 2002 estabelece que militares da ativa se manifestem apenas sobre questões das Forças Armadas e não emitam opinião sobre temas político-partidários.

“A disciplina e o comedimento das Forças Armadas são avanços que marcam o restabelecimento da democracia no país”, bem lembrou editorial do jornal O Globo. “O general avançou o sinal da Constituição”, disse o jornal Folha de SP, também em editorial.

Em um regime democrático, a independência entre os poderes é premissa básica. No entanto, a reação esdruxulamente fraca do Planalto, o silêncio conivente do Judiciário e a irresponsabilidade de parte importante do Legislativo mostram que no Brasil de hoje (ou de sempre?) o que vale é o porrete. Este é o resultado do desprezo com que os brasileiros – e latino-americanos de modo geral – têm tratado a democracia.

Em outubro passado, pesquisa do Latinobarómetro mostrou que a democracia brasileira é a que tem o pior funcionamento entre os 18 países pesquisados na região. Apenas 13% dos brasileiros consultados se declararem satisfeitos com o funcionamento da democracia. Também no ano passado, o estudo Índice da Democracia, realizado pela revista britânica The Economist, mostrou que, em um índice de 0 a 10, o apoio a democracia no Brasil caiu – de 2017 para 2016 – de 7,38 pontos para 6,86. Preocupante.

Neste momento, nada melhor do que lembrar a feliz manifestação do professor Leandro Karnal sobre a importância da democracia.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *