19/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O carioca e o vulcão

Publicado em 16/03/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Eu votei na Marielle Franco por puro interesse. Morar no Rio é como viver do lado de um vulcão. Você sabe que, um dia, aquela montanha cheia de pressão explodirá, queimando tudo pelo caminho. Não dá para ficar esperando a lava bater no pé, é preciso agir. Então, eu tinha todos os motivos do mundo em tentar encontrar uma solução. E cada um tenta à sua maneira. Gente idiota financia milícia, que é o jeito mais rápido de garantir que tudo piore em pouco tempo. Gente civilizada usa os meios democráticos e escolhe representantes comprometidos com o fim da desigualdade social que municia tráfico, violência, o escambau. Eu votei na Marielle.

Meu voto foi também uma reação de indignação e revolta pelas vítimas de violência, pelas falhas da justiça, pelos casos de abuso policial e assassinatos sem resolução. Marielle trabalhava prestando auxílio para famílias de policiais mortos. E pressionava o comando da PM a investigar os cadáveres deixados nos valões. Eu e mais 46 mil pessoas a escolhemos como representante para lidar com essas questões.

Na semana passada, Marielle foi executada. Uma jovem com um futuro brilhante pela frente foi interrompida. Sua morte criou um clima de consternação no Rio e no Brasil porque não foi apenas mais um crime. Foi uma mensagem para mim e para os outros 46 mil eleitores da vereadora. Seu direito democrático não vale mais. Quem manda aqui não ouve as urnas e fala pelo chumbo. Foi um crime contra a vida de uma jovem negra vinda da favela como tantas outras, mas também foi um atentado contra o Estado democrático de direito.

Leva, em média, 48 horas para que os "think-tanks" da direita alinhem uma resposta a ser compartilhada em redes sociais. Na manhã de sexta-feira, o consenso conservador era 1- Ela mereceu porque defende bandido. 2 – A violência mata um monte de gente, fazer dessa morte especial é hipocrisia.

A primeira já foi bem defenestrada em diversos veículos por gente bem melhor que eu. Mas considere a segunda, que foi defendida por um general do exército e um coronel da PM no Paraná. "Porque transformar essa mulher em mártir? Ela representa o povo? Que povo? O cidadão de bem?", disse o coronel. Respondendo: "Porque foi vítima de um atentado enquanto trabalhava pelos eleitores que a escolheram. Ela representa esse povo, os eleitores, no qual me incluo. E a definição de cidadão de bem varia. Eu diria que gente preconceituosa não é gente de bem. Mas tenho certeza que eu e o coronel discordaríamos neste quesito".

Confesso que fiquei surpreso com o desprezo das lideranças militares diante do luto que levou milhares de pessoas às ruas em respeito à Marielle. Era de se esperar que um cidadão que traja uma jaqueta com estrelinhas douradas no ombro compreendesse a importância do simbolismo e da representatividade das lideranças de um grupo social.

Mimimimilitar à parte, a morte de Marielle é o fato histórico. Despertou a população para a crua realidade dos fatos: a democracia é uma frágil concessão que pode ser revogada a qualquer instante, senão pela vigilância de todos os cidadãos. Nas ruas, os cariocas carregam à flor da pele a descrença, a frustração, o medo. A situação é tão grave que até os oligarcas de sempre notaram a necessidade de ação. Temer mandou a polícia federal investigar. A perícia das balas mostrou que pertenciam a um lote de munição da própria PF de Brasília. Uma constrangedora coincidência ainda a espera de explicação.

Já se sabem os carros que seguiram Marielle. A Globo assegurou exclusividade de acesso às câmeras de segurança. Em preto e branco, assistimos um veículo suspeito seguir Marielle na sua última imagem com vida.

Tudo indica que este crime terá resolução em tempo recorde, com captura dos criminosos ao vivo na TV, julgamento rápido e amplamente noticiado. Só tem uma coisa que este crime não terá: mandantes.

E o vulcão começa a fumegar.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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