19/04/2024 - Edição 540

True Colors

Na mira

Publicado em 23/05/2014 12:00 - Guilherme Cavalcante

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Nesta semana, muito se falou sobre o julgamento da cassação de registro de psicóloga de Marisa Lobo, famosa por defender a terapia de “conversão” da homossexualidade. Com investigação iniciada pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP) do Paraná, a punição, caso aconteça, será merecida: Lobo defende publicamente o direito de psicólogos promoverem terapias que prometem converter à heterossexualidade gays insatisfeitos com a orientação sexual. E este posicionamento claramente viola o Código de Ética da profissão em que atua.

Marisa Lobo tornou-se “célebre” nos últimos anos por meio de campanhas virtuais onde ela mesma se autointitulou “psicóloga cristã”, uma espécie de mártir perseguida por seu órgão profissional por garantir que é possível se curar da homossexualidade. Em sua conta no Twitter, ela se descreve como “Minha Fé Não nego por nada nem pela minha profissão. Perseguição Religiosa Não podemos aceitar. Sou a Favor da família”. Um séquito de fãs, mais de 50 mil errantes virtuais, acolhe suas publicações equivocadas e ajudam a disseminar seu fanatismo. Com a briga que comprou, Marisa Lobo ganhou até reforços: os perigosos pastores Silas Malafaia e Marco Feliciano – este, deputado federal pelo Partido Social Cristão de São Paulo.

No microblog, Marisa Lobo resolveu ignorar que, para seu próprio benefício, o julgamento do mérito no qual é ré ocorreria em sigilo. Foi ela mesma quem alardeou na rede social que estava sendo cassada por seu conselho naquele momento. Segundo ela, a investigação foi concluída e optou por seu descredenciamento da entidade, o que implica na cassação de seu registro de psicóloga. A matéria ainda deverá, no entanto, ser analisada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), cujo veredicto deverá ser publicado em 30 dias. Mas Marisa já se considera vencida numa espécie de cruzada anti-cristã. E aparentemente isso era tudo o que ela queria.

A publicidade que Lobo deve ganhar com a questão certamente tem dois resultados: mostrar o quão despreparada e fanática ela é para atuar como psicóloga; e cooptar inconformadas centenas de milhares de pessoas da comunidade cristã, vítimas da desinformação e do mesmo fanatismo do qual ela é refém. No caso de Marisa, no entanto, o argumento de que seus atos são consequência da desinformação não se sustenta. Como psicóloga, teve acesso a toda a literatura que põe abaixo a venda que acompanha sua cegueira religiosa, o que faz de seus discursos simplesmente desonestos, intelectualmente falando. Ela optou trocar uma ciência por outra, no caso, pela metafísica dos milagres e da salvação eterna de sua alma, custe o que custar.

Para os cânones da psicanálise, a orientação sexual é imutável e não constitui doença ou desvio de caráter, mas parte da diversidade do ser humano.

Em sua visão, tudo o que ela quer é o direito de curar o sofrimento de pessoas que não se aceitam homossexuais. O método utilizado, no entanto, é no mínimo nefasto. Sem nenhum registro cientificamente validado de sua eficácia, em vez de promover aos pacientes a aceitação desta orientação sexual, a ideia defendida por Lobo consiste numa profilaxia da homossexualidade. Em outras palavras, “conversões”, tratamentos – digamos assim –  baseados em lavagens cerebrais e doutrinações através do Evangelho, de forma que pacientes consigam  deixar de ser gays. É aí onde mora o perigo.

Para entender melhor onde está a falha ética de Lobo enquanto profissional vou abrir um parênteses neste artigo. Em junho do ano passado, tive oportunidade de entrevistar o então presidente do Conselho Regional de Psicologia – 14ª Região MS/MT, senhor Carlos Afonso Marcondes Medeiros. Na ocasião, conversamos sobre o avanço de duas matéria no Congresso Nacional, que dispunham sobre a soberania do CFP sobre a própria profissão. Um deles era a a PDC nº 234/2011, de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), conhecida como o projeto de lei da “Cura Gay”. O projeto permitiria a psicólogos se posicionarem publicamente contra a homossexualidade e promover o tratamento de conversão de orientação sexual.

Segundo Medeiros, patologizar a homossexualidade vai de encontro à Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), mantido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De fato, desde 1990, a homossexualidade não mais integra esta lista e o CRP está alinhado à esta norma internacional desde 1999. Portanto, por não ser uma doença, o psicólogo não deve promover qualquer tipo de tratamento que vise converter a homossexualidade. O que o psicólogo pode e deve fazer é buscar alcançar a aceitação de homossexuais que sofram com esta condição.

Para manter o rigor, também foi editada a resolução 01/99 do CRP, que regulamenta a atuação do psicólogo em relação ao atendimento a pessoas homossexuais. Além de proibir os infundados protocolos de conversão, a resolução também é importante sob o aspecto das relações sociais: os psicólogos precisam tratar seus pacientes sem discriminação ou preconceito, inclusive publicamente. A psicóloga em questão fere justamente esta resolução.

É preciso ficar atento para o poder da palavra destas pessoas, de forma a evitar que a onda de conservadorismo profetizada por muitos, até por George Owell, sorrateiramente tome nossas vidas.

Com isso, o circo promovido por Marisa Lobo e cia. nada mais é que um carnaval fora de época, uma micareta em meio de um assunto que já foi pacificado pela ciência há 24 anos. Mas no picadeiro que é o Brasil, atualmente, o assunto é polêmico e dá pano para manga. Durante a última sexta-feira, por exemplo, a cena foi deprimente: Marisa publicou mensagens e links – em um português de qualidade duvidosa – de vários pessoas que se afirmam ex-homossexuais, acusando o CFP de não os reconhecer enquanto caso de sucesso. E recebeu apoio de seus milhares de seguidores.

De fato, a psicologia não reconhece ex-homossexuais, pelo menos enquanto não houver qualquer relato científico que comprove os protocolos utilizados pelos “psicólogos cristãos”. Aos olhos da ciência, homossexuais que não se aceitam sofrem de um quadro de egodistonia, quando as pessoas não se aceitam como são. Para os cânones da psicanálise, a orientação sexual é imutável e não constitui doença ou desvio de caráter, mas parte da diversidade do ser humano. A solução clínica para esta egodistonia, portanto, é promover a egosintonia – por meio dos protocolos já existentes e comprovados pela ciência, indicar os caminhos pelos quais o paciente pode encontrar conforto em sua condição.

O movimento liderado por Marisa não tem apoio da comunidade científica. E nem quer ter, pelo menos não pelos métodos tradicionais, por meio da submissão e publicação de trabalhos científicos que provem por A mais B que algo é possível. Para eles, o método científico pode ser sublimado se o paciente comprovar que é feliz sem exercer sua orientação sexual original. Mas a ciência enxerga que estas pessoas continuam em seu quadro de egodistonia, num esquema de sofrimento tão mais intenso que as faz negar veementemente o que são. E continuam infelizes.

Independente de sua cassação, a situação é alarmante. Marisa tem uma carta na manga: como uma ativista político-religiosa, ela é arrebatadora. Tão arrebatadora que já anuncia se candidatar a uma vaga de deputada federal nas próximas eleições. O partido escolhido, claro, foi o PSC, uma espécie de criadouro de fanáticos religiosos bem organizado o suficiente para barrar matérias de cunho social e para conquistar direitos desproporcionais para os grupos que defende. A liberdade de expressão continua sendo o maior escudo enquanto a espada em riste que perfura a dignidade de minorias é a palavra divina. Ou o contrário. Ou as duas ao mesmo tempo.

É preciso ficar atento para o poder da palavra destas pessoas, de forma a evitar que a onda de conservadorismo profetizada por muitos, até por George Owell, sorrateiramente tome nossas vidas.
 

Tá avisado!

E há quem ache que a onda de conservadorismo já chegou. Relatos de várias pessoas apontam que durante a exibição do filme “Praia do Futuro”, estrelado por Wagner Moura e recém-estreado nos cinemas, muitas pessoas têm abandonado as salas de exibição durante as quentes cenas de sexo entre os protagonista. O filme relata as experiências de um salva-vidas brasileiro (Moura) que se envolve com um turista alemão.

O absurdo dos absurdos, no entanto, ocorreu quando, segundo relatos que correm a Internet, uma multidão ensandecida quase linchou o gerente de um cinema em Aracaju por não ter avisado aos espectadores que o filme continha as tais cenas de sexo. Violência, barbárie, intolerância e homofobia gratuitas, já que ninguém anda avisando, em outros filmes, das cenas de sexo entre personagem heterossexuais. Mas, no fim das contas, parece que vendedores foram instruídos a informar que o filme trazia as cenas “polêmicas” e davam direito até a uma carimbada com a palavra “AVISADO”.

E como brasileiro sempre sabe utilizar seu bom humor, a moda do TÁ AVISADO pegou. Vários Tumblrs já fazem piada com o preconceito alheio. E a coisa tem funcionado bem. Você pode soltar suas gargalhadas clicando AQUI e AQUI.

Beijo gay na TV

O beijo gay alcançou a TV e parece que veio para ficar. Desta vez, ele surge por um outro produto, tão popular quanto as novelas: a publicidade. Concebido através de uma parceria entre o Movimento do Espírito Lilás (MEL) e o Ministério Público do Trabalho, o comercial visa promover uma conscientização sobre a homofobia.

Com o título de “o Amor Une, a Homofobia Não”, a campanha foi lançada para promover o Dia Internacional de Combate à Homofobia, que foi comemorado no último dia 17 de maio. Segundo as entidades, as inserções do vídeo ocorreriam em todos os canais da mídia televisiva paraibana. Alguém aí de João Pessoa confirma se foi ao ar?

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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