27/04/2024 - Edição 540

Especial

Novos rumos

Publicado em 25/01/2018 12:00 -

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Após a superlativa derrota de Luiz Inácio Lula da Silva e do PT no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), a esquerda brasileira olha para o horizonte e se pergunta sob que cor que emergirão as próximas alvoradas. A noite escura da última quarta-feira marca o ocaso da trajetória política do maior líder de centro-esquerda que o país já viu, e, talvez, do partido que foi o seu berço.

Sem Lula, o PT deixa de ser o centro aglutinador dos partidos de esquerda no país e o resultado imediato deve ser a pulverização das candidaturas do campo para as eleições que se avizinham. A longo prazo, no entanto, a centro-esquerda precisará encontrar novas formas de conversar com a sociedade. Há um modelo falido que não pode mais ser retomado, sob pena do discurso vazio da direita retrógrada e do autoritarismo se fortalecerem nos próximos anos.

Na quinta-feira (25), um dia após a decisão do TRF-4, Lula confirmou sua pré-candidatura ao Palácio do Planalto. Cercado por lideranças nacionais do PT, o ex-presidente disse que a campanha presidencial do partido tem que seguir mesmo que aconteça uma "coisa indesejável".

Trata-se de uma bravata. O desembargador Leandro Paulsen, revisor do processo de Lula no TRF-4, foi claro em seu voto ao dizer que a prisão de Lula poderá ser pedida assim que forem julgados os embargos de sua defesa.

Ainda assim, a presidente nacional da sigla, senadora Gleisi Hoffmann (PR), voltou a negar a possibilidade de um plano B. "Lula é o nosso candidato às eleições de 2018", afirmou ela no palco, antes de colocar em votação a candidatura do ex-presidente, aprovada por aclamação pelo auditório reunido na sede nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), na região central de São Paulo.

Apesar da insistência, aliados de Lula reconheceram, horas depois do julgamento, que o rigor da sentença encurta o cronograma projetado pelo PT para brigar pelo registro de seu nome na disputa pelo Planalto.

Originalmente, o partido esperava que Lula chegasse ao período de inscrições no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em condições mais favoráveis —com recursos pendentes no TRF-4 ou abatido por uma sentença menos rígida.

Agora, admitem que a discussão sobre o caso do tríplex em Guarujá (SP) deve se encerrar em segunda instância muito mais cedo do que previam, uma vez que, derrotado por placar unânime, Lula só poderá apresentar um tipo de recurso ao tribunal.

O grupo do ex-presidente estima que os embargos de declaração, usados para esclarecer pontos da sentença, devem ser julgados em dois meses —o que faria com que o caso se encerrasse em abril, quando o TRF-4 poderá decretar sua prisão.

Além disso, o julgamento sepultou a esperança de que Lula tivesse direito a apresentar, ainda nesse tribunal, embargos infringentes —permitidos quando há divergência a favor do réu na votação— e arrastasse o processo até julho ou agosto na corte.

Diante de um cenário considerado desfavorável, a estratégia do PT será radicalizar o discurso contra o Judiciário e os adversários políticos de Lula por considerar que os espaços de mediação na Justiça estão limitados.

A condenação e a chance de prisão aumentam o risco de que o partido fique isolado no processo eleitoral. Legendas que discutiam uma possível aliança com o PT mesmo diante da incerteza sobre a candidatura de Lula agora mudam o discurso e cobram uma decisão mais célere sobre um plano B. São cotados o ex-governador baiano Jaques Wagner e o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad.

Siglas e movimentos sociais alinhados ao petista acreditam que há sinais claros de que a sentença não deve ser revertida em instâncias superiores e que Lula estará fora da corrida presidencial. Caso o PT não antecipe a substituição do ex-presidente, esses grupos ameaçam procurar projetos alternativos.

Para as eleições deste ano, o registro dos candidatos deverá ser feito até 15 de agosto. Se até lá o TRF-4 já tiver finalizado o julgamento – e mantiver a condenação – o caminho natural é o TSE negar o registro da candidatura. No entanto, a Lei da Ficha Limpa permite uma candidatura sub judice sustentada com base em decisão liminar do STJ. Em razão da urgência de definição na disputa eleitoral, a liminar ganha prioridade de julgamento no tribunal. Ao julgar o mérito, se a condenação for mantida pelos ministros, Lula tem o registro cassado e sai da disputa.

Em meio ao imbróglio jurídico, o TSE tem até 17 de setembro para validar ou não uma candidatura. Mesmo prazo dado aos partidos para substituírem um candidato. Daí vem outro desafio para o PT: no impedimento de Lula, qual nome lançar? Internamente os petistas já admitem a possibilidade de Lula não ser candidato. Nesse caso, têm como alternativa o ex-governador da Bahia e ex-ministro Jacques Wagner e o ex-prefeito de São Paulo e também ex-ministro Fernando Haddad. Uma hipótese, ainda que mais remota, é indicar um vice de Ciro Gomes (PDT) ou da deputada federal Manoela D’Ávila (PCdoB)

Reação da centro-esquerda

A reação ao resultado do julgamento foi diferente entre representantes da centro-esquerda que pleiteiam a disputa à presidência. O presidente nacional do PDT, Ciro Gomes, disse que assistiu com tristeza o julgamento. "O Brasil vive mais um capítulo dolorido de sua curta e dramática histórica democrática”, afirmou.

 

Guilherme Boulos, que tem sido cortejado pelo PSOL, disse que a decisão "não foi o último capítulo do golpe", em referência à reforma da Previdência. O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) é um importante nome da esquerda, oriundo dos movimentos sociais.

 

Manuela D'Ávila, presidenciável pelo PCdoB, disse que condenação de Lula foi um novo golpe na democracia. “É um arbítrio, o ponto culminante de um verdadeiro processo de exceção. Não à toa o processo movido contra Lula despertou a consciência jurídica nacional e internacional. Alguns dos mais renomados juristas do mundo se pronunciaram sobre o assunto, denunciando o caráter político do processo.”

O único elogio à decisão da Justiça veio da ex-senadora e ministra Marina Silva, que publicou a nota de seu partido. "Reitero a nota da REDE de apoio ao trabalho da Justiça e às investigações da operação Lava-Jato, exortando ao avanço de todas as denúncias de corrupção apresentadas pelo Ministério Público, sem nenhuma distinção partidária e ideológica", escreveu.

Fragmentação

Doutor pela Universidade de Oxford e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Matias Spektor acredita que a condenação de Lula empurrará a esquerda a lançar vários candidatos para buscar um nome que aglutine votos no segundo turno.

“A condenação dificulta a candidatura Lula e empurra a esquerda a lançar vários candidatos com vistas a tentar uma frente comum no segundo turno”, explicou.

Para o sociólogo Celso Rocha Barros, uma parte da esquerda deve manter aberto o debate no entorno de Lula, mas outra parte deve começar a se deslocar para outras candidaturas de centro-esquerda (Ciro Gomes, Marina Silva, Guilherme Boulos, Manuela d’Ávila). “O debate sobre legitimidade só vai continuar focado em Lula até ao fim se os outros candidatos realmente não conseguirem entusiasmar o eleitorado”.

Com Lula fora da disputa, começaria a luta pelo legado dos votos lulistas. “O PT jura que não lançará outro candidato. Nesse cenário, os dois concorrentes mais bem colocados para receber os votos de Lula são Marina Silva e Ciro Gomes, dois ex-ministros de Lula. Até agora, cada um deles adoptou uma estratégia diferente: Marina se posicionou para convencer os ex-petistas mais ao centro que se desiludiram com o PT diante das acusações de corrupção. Ciro adoptou um discurso mais à esquerda, tentando atrair quem continua com Lula até agora. Não sabemos qual das estratégias será mais bem sucedida”, opina Barros.

Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSol), Manuela D’Ávila (PCdoB) e Marina Silva (Rede) sonham arrebanhar uma parte dos votos petistas. O PSB, que desde as eleições de 2014 se divorciou do núcleo petista ao lançar o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos — morto em desastre aéreo no meio da campanha —, ainda vive o dilema de ter um nome próprio ou aderir à pressão do vice-governador de São Paulo, Márcio França, que defende aliança com o PSDB de Geraldo Alckmin.

“Acredito que o melhor seria que Lula fosse julgado pelos eleitores. Mas não é nenhuma novidade o fato de o PSB estar procurando caminho diferente do PT. Fizemos isso não apenas em 2014 (com Eduardo Campos), mas também em 2002 (com Anthony Garotinho)”, recorda o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira.

Para o ex-líder do PT na Câmara, deputado Carlos Zarattini (SP), a polarização das candidaturas de esquerda não deve ser vista como algo ruim. “Eles sempre tiveram projetos próprios. As candidaturas que, por ventura, não tenham vingado, não têm nada a ver com a ausência do PT, mas com a falta de forças internas”, ponderou Zarattini.

Uma outra esquerda

A esquerda durante o século XX, em especial após a Segunda Guerra Mundial, tentou operar no interior dos sistemas de acordo da democracia liberal como uma potência de transformação paulatina, a começar pela construção do Estado de bem-estar social. De uma certa maneira, a esquerda da América Latina também atua nesses limites. No momento em que a socialdemocracia entra em colapso na Europa, seu berço, ela ganha espaço na América Latina. No Brasil, o PT não nasceu como um partido socialdemocrata, mas assim se consolidou com o passar do tempo e durante sua experiência no governo.

“Portanto, o fracasso recente no País não é só nosso. Representa o fracasso de um modelo da esquerda mundial, que havia se tornado hegemônico no Ocidente a partir da segunda metade do século XX. Como sempre, a América Latina entra de forma retardatária nesse processo, por conta de seus enormes déficits de democracia e participação popular”, afirma o filósofo Vladimir Safatle.

Segundo ele, a consolidação das estruturas populares exige uma mudança no jogo político. “A esquerda não pode imaginar que irá governar de fato em um horizonte no qual as forças hegemônicas se mobilizam para imobilizá-la. Por que a Nova República foi construída sobre o presidencialismo de coalizão? Por ter sido montada para impedir a esquerda de governar”.

O lulismo consolidou pela primeira vez um sistema mínimo de seguridade social no País e reconstituiu o capitalismo de Estado. Por um certo tempo, ocorreu um processo de inclusão social considerável, 42 milhões de brasileiros experimentaram essa ascensão. “O problema é que havia uma data de validade. Foram vários os entraves. Faltou uma política de combate à desigualdade. Ocorreu, na verdade, uma capitalização dos pobres. Este mecanismo não reduz as diferenças e causa um paradoxo: os mais ricos continuam a ganhar muito e acabam por puxar os preços da economia para cima, encarecendo a vida nas cidades, principalmente nas metrópoles. Isso não aconteceu apenas no Brasil. Luanda, em Angola, padeceu do mesmo efeito. Não à toa, entre 2008 e 2014, o valor dos imóveis em São Paulo triplicou. A consequência é que o ganho dos mais pobres é corroído com o passar o tempo. Chega um momento no qual quem está no poder é obrigado a gerir a paralisia.”, diz Safatle.

Alexis de Tocqueville disse certa vez que as revoluções não são feitas pelos mais pobres, mas por quem está em ascensão e se vê frustrado pela interrupção desse processo. Por aqueles que percebem não haver mais futuro.

“O Brasil de 2013 assistiu à explosão desse tipo de frustração. Era uma grande oportunidade para o campo progressista abraçar essa pauta e romper com certas alianças que sempre a impediram de transformar a realidade. Mas todas as agremiações de esquerda, sem exceção, demonstraram um arcaísmo inacreditável naquele momento”, afirma Safatle.

O fato da esquerda encastelada em partidos e o próprio Lula não terem compreendido as manifestações de 2013 serve, em parte, como explicação para que grande parte da sociedade, que se reconhece no campo de centro-esquerda, insista em Lula, memso diante da condenação.

 

“A segunda frase é um show de autoritarismo e equívocos: milhões de pessoas estavam nas ruas em todo o Brasil e o ex-Presidente quer sugerir que a TV não deveria transmitir? Ele não sabe sequer que as manifestações de 2013 não eram especificamente contra o governo, e sim a favor de uma pluralidade de pautas, muitas vezes em tensão entre si? Ou o ex-Presidente está confundindo as manifestações de 2013 com as de 2015, essas sim, contra o governo?”, questiona o professor Idelber Avelar.

“Por fim, Lula tira da cartola o velho espantalho de que ‘o golpe’ começou com os protestos de 2013. O oportunismo aqui é tamanho que fica até difícil responder. Qualquer fato histórico tem raízes múltiplas, claro, mas se Lula está procurando as origens do impeachment, talvez fosse melhor olhar para o próprio rabo e entender o que levou milhões de pessoas às ruas de novo no dia 15 de março de 2015, setenta e cinco dias depois da posse da Presidenta reeleita. Foi o seu próprio estelionato eleitoral, que Lula já admitiu uma vez, inclusive: passar a campanha inteira acusando os adversários de planejar privatizações, ajuste fiscal, corte de gastos e retirada de direitos para, logo depois de eleita, proceder a privatizar, fazer ajuste fiscal, cortar gastos sociais e retirar direitos. É essa a origem do ‘golpe’, não as manifestações de 2013, que não eram contra Dilma nem contra ele”, sustenta.

Para onde ir?

Safatle alerta para um novo tipo de movimentação social, onde os partidos políticos não detém o monopólio de representação política dos movimentos populares. “Há hoje uma convicção de que a esquerda, qualquer que seja a sua orientação, se apoia nos movimentos sociais e não pode se distanciar deles. Nem sempre essa ligação é a melhor, nem sempre ela é compreendida: ainda temos resquícios de uma tentativa de monopolizá-los, de se apropriar deles, de eliminar a sua autonomia, colocá-los a serviço das agendas eleitorais. Mas acredito que algo está mudando, os movimentos estão reclamando a sua autonomia, suas agendas, e não passam o cheque em branco aos partidos. Eu penso que a mobilização social é crucial a toda a formação de esquerda.

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, concorda. Para ele, há algo de “diferente” na esquerda, em especial na latino-americana: “Os movimentos estão reclamando a sua autonomia, suas agendas, e não passam o cheque em branco aos partidos”

Para Guilherme Boulos, três desafios importantes se apresentam à esquerda: ter unidade para enfrentar os retrocessos democráticos, mobilização de rua e aprender com as lições de todo esse processo. “Não é possível, depois de tudo o que aconteceu, reincidir nos mesmos erros, cair nas mesmas ciladas de sempre. Não dá mais para acreditar que se vai conseguir avanços em direitos sociais sem conflito e sem enfrentar os privilégios da casa grande do nosso país”, adverte.


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