29/03/2024 - Edição 540

Brasil

Só pressão internacional impede o fim da Funai, diz indigenista

Publicado em 11/01/2018 12:00 -

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Casado e pai de dois filhos, o indigenista Jair Candor, 57, está prestes a completar 30 anos de atuação com grupos indígenas isolados do Brasil.

Sua estreia no ofício se deu na expedição que, no final da década de 1980, fez o primeiro contato com dois dos três últimos remanescentes dos Piripkura –um subgrupo dos Tupi-Kawahíva, que ocupavam a região entre os rios Madeira e Tapajós.

Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena, que atua em duas áreas na conflituosa região noroeste de Mato Grosso, ele se diz pessimista com o futuro da política indigenista brasileira. "Vai de mal a pior", afirma.

Recentemente Candor participou de uma operação conjunta entre a Funai e o Exército para combater garimpos na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas –há suspeita de que possa ter havido um massacre de índios isolados no local em setembro passado.

Há relatos de índios isolados mortos por garimpeiros no Amazonas e de áreas invadidas por madeireiros. Como avalia esse cenário?

Eu não vejo perspectiva de melhora nenhuma, não. Para mim, vai de mal a pior. O poder político influente nessas áreas é grande, a gente sabe disso, são pessoas fortes e com muita grana. E os caras conseguem, porque o que o governo quer hoje é acabar com a Funai. Eu digo para os colegas que ela ainda está de pé por conta dos isolados, pois a repercussão internacional é muito forte. É o que ainda segura um pouco, porque o pessoal de fora bate doído e parece que se preocupa mais com os isolados daqui do que o governo brasileiro. Se não tivesse isolados, a Funai teria já virado qualquer outra coisa. A gente sabe que esse povo da soja e do gado está tomando conta.

As áreas que abrigam isolados em Mato Grosso, Piripkura e Kawahiva do rio Pardo, somam mais de 600 mil hectares. Há estrutura para protegê-las?

A equipe é muito pequena para dar conta daquela situação e, principalmente de dois anos para cá, não está dando conta, não. Ainda bem que o Ibama [Instituto Brasilero do Meio Ambiente] tem dado um apoio, porque senão a situação estava muito pior.

Qual o objetivo dos invasores?

Madeira. Para você ter uma ideia, o centímetro do ipê está valendo R$ 12. Já estão vendendo o ipê por centímetro. Aí o cara acha lá na área indígena 50 a 60 árvores de ipê e já era. O entorno já não tem mais, então está todo mundo de olhão em cima das terras indígenas. Os caras têm tanto maquinário que em dois ou três dias fazem uma desgraceira na mata. Não precisam de tempo.

Piripkuras têm apenas três remanescentes conhecidos, sendo que um deles, Rita, não vive mais como isolada. Qual a situação dos outros dois?

Pakyî é o tio e tem por volta de 52 anos. Tamandua, o sobrinho, está com seus 40. A gente faz três ou quatro expedições por ano para encontrar com eles e ver como estão de saúde e perguntar como estão. É tranquilo. A gente se aproxima, eles nos recebem e a gente conversa. Vamos embora e continuam lá. A última vez foi em janeiro [de 2017] e foram eles que nos encontraram, porque o fogo deles havia se apagado.

Com uma população tão diminuta, como vê o futuro daquela terra indígena?

Essa pergunta eu sempre faço quando vou a alguma reunião da Funai em Brasília e ninguém até hoje me respondeu. Porque a verdade é que Piripkura está no fim. Não tem mais saída. São dois homens. A outra índia que sobrou já não pode mais engravidar. Eu acredito que, quando esses caras morrerem, e isso vai acontecer um dia, essa terra tende a voltar para a mão de fazendeiros.

Essa possibilidade o angustia?

Isso me deixa preocupado porque é um território que, querendo ou não, guarda a história dos caras. Eu acho que deviam preservar, criar uma unidade de conservação, repassar ao Ibama ou ao ICMBio. Mas, pra isso acontecer, o governo tem de querer.

Você está prestes a completar 30 anos de serviço. Pensa em aposentadoria?

Uma hora também vou ter de parar. Não sou mais o cara de 20 e poucos anos. Tenho meus limites. Para fazer uma expedição tem que ser mais programada, articulada, não dá mais para sair por aí com mochila nas costas. Mas pretendo continuar mais uns quatro a cinco anos, talvez. É um trabalho que deu certo para mim. Faço o que gosto.


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