29/03/2024 - Edição 540

Entrevista

Entrevista: Silvio Favero, engenheiro agrônomo e pesquisador

Publicado em 16/05/2014 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Os indicadores que apontam a pujança do agronegócio não incluem um dado relevante para a saúde: o Brasil é maior importador de agrotóxicos do planeta. Consome pelo menos 14 tipos de venenos proibidos no mundo, dos quais quatro, pelos riscos à saúde humana, foram banidos no ano passado, embora pesquisadores suspeitem que ainda estejam em uso na agricultura. Em 2013 foram consumidos um bilhão de litros de agrotóxicos no País – uma cota per capita de 5 litros por habitante e movimento de cerca de R$ 8 bilhões no ascendente mercado dos venenos. Para falar deste tema entrevistamos o engenheiro agrônomo Silvio Favero, mestre e doutor em entomologia com foco em controle de pragas e coordenador do mestrado e doutorado em meio ambiente e desenvolvimento regional da Uniderp Anhanguera em Campo Grande (MS).

 

Por Victor Barone

Qual é a situação do uso de agrotóxicos em Mato Grosso do Sul e no Brasil hoje?

No Mato Grosso do Sul, devido à característica principal de grandes áreas de cultivo como algodão, soja e milho, existe, de fato, uma grande contaminação ambiental. Mas, é uma contaminação esperada pelo tipo de cultura que se aplica. Como são grandes produtores, a tecnologia de aplicação, o tipo de produto e a assistência técnica são muito efetivas. Há uma contaminação, é claro. Há casos de exageros na utilização destes produtos, mas a maioria são casos controlados, pois o uso de inseticidas e fungicidas aumenta os custos de produção e o principal objetivo da produção é o lucro. Portanto a ideia é usar estes produtos quando de fato são necessários. No Brasil, de modo geral, o consumo é grande. Estamos entre os maiores consumidores devido a esta produção para a exportação. Mas, temos também outra característica que é a produção de frutas e hortaliças, esta sim consome bastante agrotóxicos e de forma descontrolada.

De forma mais descontrolada do que a produção em larga escala?

Sim, mais descontrolada. A assistência técnica para este setor é muito pequena. São pequenos produtores que não tem informação seja do Estado ou do Governo Federal.  Infelizmente, não temos mais nenhum órgão de assistência federal, como havia com a antiga Embratec, que não existe mais. Estes órgãos davam um pouco de assistência ao pequeno produtor, que hoje faz um consumo mais ou menos desordenado. Grande parte dos produtos que eles vendem depende muito da aparência. Um tomate com uma manchinha de fungo, um alface comido perde valor de mercado e por isso ele precisa proteger esta produção. São produtos altamente perecíveis. Colhem hoje para daqui há três ou quatro dias já estar no mercado, sendo consumidos. Grande parte dos produtos usados visa manter esta boa aparência.

Hoje não há fiscalização oficial sobre o uso de agrotóxicos?

Existe uma legislação que obriga a venda de agrotóxicos. Você só pode adquirir se tiver um receituário agronômico emitido por um engenheiro agrônomo que possa recomendar o produto em dosagem certa. Então, o que se esperava, é que este receituário permitisse a fiscalização. Mas a gente sabe que é possível comprar produtos sem necessidade desta receita. Temos visto casos assim.

Os casos mais graves de contaminação para o consumidor final estão nas pequenas produções de frutas e hortaliças onde o uso de agrotóxicos é descontrolado.

Que segurança tem o consumidor num cenário como este?

Os casos de alta contaminação são restritos a algumas hortaliças e frutos como pimentões, morangos, hidropônicos. Grande parte destes produtos é protegido com o uso de agrotóxicos mais baratos, que têm uma ação mais superficial no alimento. Neste caso, lavar bem já ajuda. Um litro de água com uma colher de chá de água sanitária ou vinagre. Produtos que possam entrar no tecido vegetal, geralmente, são mais caros e o produtor de pequeno porte não adquire. Lavar é uma boa alternativa. Além disso, é preciso conscientizar sobre a necessidade de uma assistência técnica ao pequeno produtor.

É um cenário assustador. A segurança alimentar hoje está baseada apenas na honestidade do produtor?

O grande produtor não pode comprar toneladas e toneladas de agrotóxicos sem a receita agronômica, sem ter um engenheiro agrônomo. Mas, se você for hoje a uma pequena  lojinha e pedir uma deltametrina eles te vendem por R$ 12 o litro, que são usados em 4 hectares. Infelizmente, os pequenos produtores estão abandonados. Não temos visto efetividade neste controle. Não há orientação adequada.

Que impacto o uso de agrotóxicos na produção de larga escala como a soja tem sobre o meio ambiente?

O impacto ainda é grande. Jogamos toneladas e toneladas de agrotóxicos por ano no meio ambiente. Apesar de grande parte ser acompanhado por técnicos, o impacto é muito grande, especialmente na flora e na fauna, no solo. Pode haver o carreamento destes produtos para o lençol freático ou para os córregos, onde temos a contaminação mais séria. Dependendo de alguns produtos, eles podem levar mais tempo para se degradar, podem se acumular afetando até a cadeia alimentar.

O impacto ainda é grande. Jogamos toneladas e toneladas de agrotóxicos por ano no meio ambiente.

Existe algum estudo sobre este impacto em Mato Grosso do Sul?

Não, não há levantamento para saber em que áreas ocorrem as maiores contaminações. São poucos os trabalhos neste sentido, não só em Mato Grosso do Sul, mas em todo o Brasil. Em Mato Grosso existe um grupo de pesquisa trabalhando na cidade de Lucas do Rio Verde que fez um levantamento relacionando o cultivo da soja à contaminação de leite materno. O resultado é assustador. Há contaminação, principalmente entre as famílias que residem próximas as áreas de cultivo. Quando você faz a pulverização por avião não há controle de onde aquele produto vai parar. Você espera que fique concentrado na lavoura, mas perde o controle.

Como a academia pode colaborar com o poder público e com os produtores para mitigar esta ameaça

Se você procurar qualquer pesquisador da área, quase todos vão lhe dizer que existem técnicas para mitigar esta contaminação, mas são coisas ainda embrionárias. Além disso, a indústria do agrotóxico é muito forte, muito difícil de ser combatida. Já houve uma tentativa de uma empresa de São Paulo que vende agentes de controle biológico (outros insetos que destroem as pragas) se estabelecer no Estado. Não conseguiram ficar dois anos, fecharam as portas. São muito grandes em São Paulo e não conseguiram se estabelecer aqui porque ninguém comprava do material deles. Que há alternativas há. Mas enquanto você briga por R$ 20 mil para viabilizar uma pesquisa, uma empresa vem com milhões de dólares para financiar seu projeto.

Qual a saída para diminuir a contaminação proveniente das produções em larga escala?

Teríamos que ter variabilidade de culturas. Se você tem mil hectares, não plante tudo de soja, divida em outras culturas, pois a tendência é ter menos incidência de pragas e doenças. É possível fazer isso, trabalhar com policultivo, cultivo em faixas, rotação de culturas. Infelizmente não temos esta cultura, o produtor rural não aceita isso.

Existe um grupo de pesquisa trabalhando na cidade de Lucas do Rio Verde (MT) que fez um levantamento relacionando o cultivo da soja à contaminação de leite materno. O resultado é assustador.

O Brasil ainda insiste em usar agrotóxicos banidos no resto do mundo…

A gente ainda usa muita coisa banida. Mas, de dois anos para cá, banimos muita coisa também. Produtos extremamente tóxicos como o paration metílico e o malation, entre outros. Ainda existem alguns princípios ativos banidos lá fora e que são usados aqui. Recentemente queriam proibir o Tordon, o herbicida mais usado no Brasil, mas os produtores conseguiram manter a sua utilização. Ele é uma derivação do agente laranja, usado na guerra do Vietnam para a desfolha.

Uma característica do Mato Grosso do Sul é a apreensão de agrotóxicos contrabandeados. Quem são os usuários destes produtos?

Pelo que temos acompanhado, geralmente está ligado a grandes produtores, pois são grandes quantidades de um produto caro.

Como é a relação entre o poder público, os produtores e a academia na busca por soluções para a diminuição da contaminação pelo uso de agrotóxicos?

Há alguns comitês de pesquisa, ciência e agricultura no âmbito municipal e estadual que tem discutido no intuito de levar conhecimentos ao produtor rural. Mas, ainda é uma relação muito distante. Acho que será preciso um longo caminho até que academia influencie a produção. Não e uma realidade ainda.

Nos últimos anos Campo Grande tem investido na produção de orgânicos. São mesmo orgânicos estes produtos?

No estado não há certificação de orgânicos. Para ser orgânico mesmo é preciso uma certificação que no Brasil quem dá é o Instituto Biodinâmico (IBD). O que temos são produtos em fase de conversão. A Prefeitura dava uma certificação, um selo verde. Mas, para que seja de fato orgânico o produto tem que ser certificado pelo IBD, precisa ter este aval. Não há nenhum produtor no Estado com esta certificação. Não se consegue isso de uma hora para outra. É um processo que leva de três a cinco anos. Estamos no caminho. O que a Prefeitura fez é um orgânico entre aspas. É um produto sem agrotóxicos, sem substâncias químicas sintéticas aplicadas, mas é ainda o que a legislação exige para ser orgânico.

Porque o produto orgânico ainda é tão mais caro para o consumidor final?

Devido o risco da produção. Ocorrendo uma infestação de pragas e doenças não há proteção. O tamanho da produção também é menor e, portanto, a margem de lucro tem que ser maior.

Para finalizar, onde você compra suas hortaliças?

(risos) Eu compro na Feira Central ou no Comper, e tenho os cuidados mínimos de lavar bem.

Ouça a entrevista na íntegra.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *