20/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Palhaços Caídos

Publicado em 08/12/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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Al Franken está chateado. O ex-comediante, transformado em senador democrata norte-americano, foi obrigado a renunciar. No tsunami de denúncias de má conduta sexual que está varrendo os EUA, Franken foi acusado de beijar uma mulher à força, nos seus tempos de humorista. Enquanto os republicanos se preparam para eleger Roy Moore, que tem diversas acusações de pedofilia (a ponto de ter sido banido de um shopping center por importunar adolescentes), o partido de Franken prefere ficar do lado certo da história e forçar um de seus mais proeminentes quadros para o ostracismo político.

Tiririca está chateado. O comediante, que virou deputado federal via voto de protesto, fez um discurso (primeiro e único de sua trajetória política) denunciando os políticos só estão preocupados com os próprios interesses e não ligam para o povo.

Eleito pelo PR, legenda de perfil extremamente conservador, Tiririca foi um campeão eleitoral. Teve votos suficientes para levar ao congresso mais dois colegas de partido, igualmente alinhados à essa ideologia "republicana". O palhaço afirmou, orgulhoso, que nunca votou contra o povo e que foi contra a reforma trabalhista. O resto da bancada paulista do seu partido, incluindo aqueles que o próprio Tiririca carregou para o congresso, votou sim.  Não pretendo transformar esta coluna num relatório das votações abjetas de Tiririca e seus deputados biônicos. Mas é seguro dizer que o humorista deveria passar mais tempo expressando remorso do que decepção. Talvez ele tenha tempo para repensar seu posicionamento, já que não renunciou. Apenas expressou seu desejo de deixar a política. Assim que seu mandato terminar, claro. Ainda faltam uns 16 salários.

Ouvi de um mestre do ofício, certa vez, que o palhaço é um perdedor. Um fodido. Rimos do seu fracasso, da sua inaptidão. O palhaço é engraçado porque sabe que é falho e não esconde isso. A sinceridade de sua autoimolação é o que nos autoriza ao riso. Rimos deles, para rirmos de nós mesmos.

Em algum momento de suas carreiras artísticas, Al Franken e Tiririca estiveram na mesma encruzilhada. Fascinados pela força da influência de suas personas públicas, sentiram que seriam capazes de subverter o sistema. De desmantelar a opressão e a corrupção por dentro, contando com o apoio de suas plateias. Ambos tiveram seus planos de redenção frustrados.

Do lado de cima do Equador, a carreira política de Al Franken foi sacrificada em prol de uma causa muito maior: o combate ao abuso sexual sistêmico, não apenas em nossa sociedade, mas ao redor do planeta. Do lado de baixo, é difícil dizer o que motivou o desabafo do Tiririca depois de sete anos de inércia. Talvez a revolta da população com os políticos tenha se tornado insuportável para alguém que sempre viveu da busca por aplausos. O fato é que sua tentativa de distanciamento é, na melhor das hipóteses, dissimulada.

Senador Franken, em seu discurso de renúncia, alegou que algumas das acusações contra ele eram falsas. Em outras, os relatos das acusadoras divergiam de suas lembranças sobre os acontecimentos. Tiririca pediu que seus colegas "olhassem um pouquinho mais para a população do Brasil".

Ouvi de um mestre do ofício, certa vez, que o palhaço é um perdedor. Um fodido. Rimos do seu fracasso, da sua inaptidão. O palhaço é engraçado porque sabe que é falho e não esconde isso. A sinceridade de sua autoimolação é o que nos autoriza ao riso. Rimos deles, para rirmos de nós mesmos. Al Franken e Tiririca deixaram o humor para lidar com coisas sérias, mas frustraram seus eleitores e a si mesmos. Deixaram a política, mas esqueceram os palhaços que um dia foram. Em suas despedidas, ambos usaram as tribunas de suas casas legislativas para fazer desabafos e vagas denúncias. Ambos demonstraram uma constrangedora falta de noção e – quem diria? – graça.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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