28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Bandido bom, bandido eleito

Publicado em 01/12/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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Antes de começar esta leitura, vá até uma janela próxima. Olhe o mundo lá fora por um instante. O que o(a) amigo(a) vê? Ruas, prédios? Carros e pessoas? Independente da sua localidade, é provável que a maior parte do cenário seja composta por muros, grades, fechaduras, correntes, câmeras de vigilância.

Eu e você vivemos num mundo arquitetado pela insegurança.

Em cidades de todos os tamanhos, temos medo. Mas medo de que, exatamente? A primeira resposta que vêm à mente: da morte. Tememos a violência que ceifa vidas. Fato, mas este não é nosso maior pesadelo. Arriscamos nossas vidas o tempo todo, dirigindo embriagados, fumando, participando de atividades de alto risco. Mas Deus nos livre de deixar a porta destrancada.

Nossa maior fobia, como sociedade, não é a morte. É o roubo.

O roubo é uma afronta aos nossos valores mais íntimos. É o confisco dos bens materiais que constituem o sentido do nosso trabalho. É o nos privar de tudo que batalhamos para adquirir. De tudo que ostentamos e usamos para nos definir para a sociedade e para nós mesmos. Roubar é cruel porque nos equaliza aos que não têm o que nós conquistamos. É como se tivéssemos que voltar uma casinha no Jogo da Vida.

Não me entenda mal. Claro que a preservação da vida é uma preocupação central da experiência humana. Mas a preservação da propriedade é desproporcionalmente próxima. E, em alguns casos, consideramos o direito à propriedade como um valor superior ao direito à vida.

Daí o nosso fetiche por linchamento de trombadinhas e ladrões de galinha. "Roubou, tem que morrer", gritam nos grotões da extrema direita. Pessoalmente, não creio que esta seja uma postura defensável. Mesmo em nações onde o Estado executa pessoas, o consenso é que a pena só exista em casos de crime contra a vida. Desde a lei de Talião, já havia a compreensão de que não se pune dano à propriedade com a vida. Não é um conceito novo, gente.

Nenhum grupo de extermínio de políticos foi financiado pelos ‘cidadãos de bem’. Que fique bem claro que eu não estou ‘dando ideia’. Apenas aponto a diferença de tratamento. Queremos a morte do ladrão que furta para sair da pobreza, mas não do que nos explora para enriquecer. Não é ‘bandido bom, bandido morto’. É ‘bandido bom, bandido eleito’.”

Quem lincha ladrão equivale propriedade e vida. Roubou, morreu. O único problema é que, entre os linchadores, parece que existem ladrões e ladrões.

De acordo com uma estimativa divulgada pela ONU no início do ano, o Brasil perde 200 bilhões de reais por ano para a corrupção. Por ano. Nos seus 37 anos de existência, o PMDB nunca deixou de ser governo. Em outras palavras, é seguro dizer que o Brasil perdeu cerca de 7,5 trilhões desde a primeira vez que o partido assumiu o comando. Claro que não podemos afirmar que todos os políticos filiados ao PMDB são corruptos. Mas podemos acusá-los de leniência com os colegas que são. E, no entanto, não só não linchamos pmdebistas, como ainda continuamos votando neles. E o fazemos há quase 40 anos.

É óbvio que o partido de Sarney não é o único impuro. No entanto, sai governo, entra governo, a presença governista do PMDB é a única constante nestas quatro décadas desta sangria que o Jucá não demonstrou interesse em estancar.

Eu gostaria também de poder computar as perdas dos governos militares, mas não encontrei as reportagens sobre denúncias de corrupção durante os anos de chumbo. Ou os jornalistas. Ou suas ossadas.

E por falar em ossadas, sabia que a cada três minutos duas pessoas morrem no Brasil por falta de recursos em hospitais? Em outras palavras, a corrupção no país mata, e não é pouco. Mas esta violência parece não comover os defensores do "matou-morreu".

O caso é que ninguém nos roubou tanto, e por tanto tempo. Até o momento, nenhum grupo de extermínio de políticos foi financiado pelos "cidadãos de bem". Que fique bem claro que eu não estou "dando ideia". Apenas aponto a diferença de tratamento. Queremos a morte do ladrão que furta para sair da pobreza, mas não do que nos explora para enriquecer. Não é "bandido bom, bandido morto". É "bandido bom, bandido eleito".

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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