29/03/2024 - Edição 540

Entrevista

A lei dos planos de saúde e a desfaçatez da saúde suplementar

Publicado em 22/11/2017 12:00 -

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José Antônio Sestelo, pesquisador associado do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), reafirma o significativo retrocesso representado pelo relatório do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) para a revisão da Lei dos Planos de Saúde.

 

Quais são as preocupações da Abrasco com relação a proposta de mudança nos planos de saúde?

Em linhas gerais, nosso entendimento é que as alterações na legislação são desfavoráveis para os clientes e favorecem os interesses das empresas. Isso tem implicações econômicas e tem implicações assistenciais. Num momento em que o orçamento público está sendo congelado para as despesas sociais por 20 anos, não se pode esperar muita coisa do SUS. No que se refere aos planos de saúde, se a pessoa quiser um plano que atenda às suas necessidades, vai pagar um preço alto. Se for um plano barato, como esses que o governo está propondo, certamente vai ser insuficiente para as necessidades de assistência. A classe média, que é a principal cliente dos planos de saúde, corre o risco de não ter nem uma coisa nem outra. Nem um plano bom, nem um sistema de saúde público bom.

Quais são os pontos que deveriam chamar atenção da sociedade?

Um deles é a redução do valor das multas para as empresas. Temos acompanhado nos tribunais um aumento de ações judiciais por negação de cobertura das empresas. Ou seja, as pessoas precisam de procedimentos, normalmente cirúrgicos, e as empresas negam. Se as multas vão diminuir, as empresas vão se sentir mais à vontade ainda do que já estão para negar cobertura. Isso significa, em outras palavras, redução de despesas para elas. Vai haver uma repercussão negativa no dia a dia dos clientes.

A classe média, que é a principal cliente dos planos de saúde, corre o risco de não ter nem uma coisa nem outra. Nem um plano bom, nem um sistema de saúde público bom.

Como o senhor vê a questão da permissão de reajustes depois dos 60 anos de idade?

Estão alegando que isso é só uma forma de diluir o reajuste, em vez de dar um impacto num só momento. Ele seria parcelado e suavizado ao longo dos anos subsequentes. A gente gostaria que houvesse mais transparência na apresentação dessas contas. Porque a maioria dos contratos de planos de saúde são coletivos ou empresariais, e o reajuste deles não é controlado e fiscalizado pela Agência Nacional de Saúde. Ou seja, vale o que está no contrato, e quem estabelece o valor do reajuste são as próprias empresas. Elas praticamente ditam o preço do produto que vendem. Elas apenas diluir ou espalhar esse reajuste, mas não vai haver uma diminuição do reajuste, não. E pode haver aumento.

Qual a repercussão das regras de ressarcimento do SUS?

Estão querendo reduzir o cálculo do valor pago, colocar numa base mais baixa, e além disso fazer o pagamento diretamente às unidades prestadoras, e não como é agora, quando os valores vão para um fundo único nacional. O nosso receio é isso que possa induzir o aumento de um fenômeno que ruim, a chamada dupla porta, nas instituições que atendem simultaneamente pacientes do SUS e dos planos particulares. Porque obviamente essas instituições vão ter mais motivos para dar preferência aos pacientes dos planos, e consequentemente os espaços assistenciais para quem não tem plano de saúde ficarão ainda mais reduzidos. As pessoas com muito dinheiro vão poder pagar um plano bom e, mesmo assim, se tiverem um procedimento que o plano não cobre, um transplante, um tratamento de câncer, na rede pública, em vantagem, porque já chegam lá em condições que quem não tem plano não consegue. Não é justo.

A população está consciente das implicações do projeto?

A nossa visão é que o projeto tem um viés claramente favorável ao interesse das empresas. A coisa está sendo feito na surdina, em regime de urgência, sem uma discussão ampla. As pessoas não estão conscientes. Mas no curto prazo, no médio prazo, isso vai repercutir muito na sociedade. O nosso receio é que retornemos a uma situação que ocorria antes de 1998, quando não havia ainda a lei dos planos de saúde e quando aconteciam situações absurdas.


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