20/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Passadocracia

Publicado em 29/09/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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Eu fiquei indignado com a polêmica da performance do homem nú no MAM em São Paulo. Me revoltou ver tanto desrespeito a infância. Pessoas usando crianças como bucha de canhão de sua guerra ideológica. Para essas pessoas, infância é uma ferramenta de controle da sexualidade alheia. Não pode aborto por causa das crianças, não pode nudez por causa das crianças, não pode liberdade de expressão por causa das crianças. Mas criança pode morrer de fome, diarreia, grupo de extermínio. Não são crianças, são menores infratores. Descer o pau nelas não é pedofilia, é justiça. Essas crianças não servem de plataforma para o MBL, para pastor e nem para o Alexandre Frota. Eu fico escandalizado quando usam crianças como artifício de propaganda política. Acho uma forma de abuso.

Eu fiquei horrorizado com a discussão se a performance era arte ou pedofilia. E nem foi o fato de que os "críticos" tinham zero contexto. Não assistiram a essa performance. Ou qualquer outra. Mas o brasileiro é assim. O futebol fez da gente especialistas em debater sem conhecer. Todo mundo é técnico. Todo mundo é crítico de arte. "Crianças não estão preparadas para este tipo de informação", disse o leigo em psicologia e pedagogia. O que me deixou horrorizado é a equivalência de nudez e erotismo. Como é possível que uma parcela da sociedade tenha sobrevivido até a idade adulta associando nudez com depravação e pornografia? Imagine o inferno que é a mente desses coitados. Eles vivem num mundo em que descobrir o corpo é coisa de adulto tarado. Eu tive pena e fiquei horrorizado.

Como é possível que uma parcela da sociedade tenha sobrevivido até a idade adulta associando nudez com depravação e pornografia? Imagine o inferno que é a mente desses coitados. Eles vivem num mundo em que descobrir o corpo é coisa de adulto tarado. Eu tive pena e fiquei horrorizado.

Eu fiquei profundamente chocado com o homem nú no MAM. Já presenciei algumas performances na minha vida. Objetificar o corpo do artista, permitindo o toque do público é o Sertanejo Universitário das exposições performáticas. É, na melhor das hipóteses, um clichê preguiçoso. Eu vi um calouro de teatro da Unirio fazendo exatamente a mesma coisa. Há 10 anos. E já era, naquela época, uma ideia batida o suficiente para passar quase despercebida no campus. A gente reclama do atraso daqueles que criticam. Precisamos também reclamar do atraso dos artistas.

Eu fiquei decepcionado com a performance do homem nú no MAM. Eu tinha outros planos. Muitas coisas importantes estão acontecendo no Brasil e no mundo. Sabia que o governo finlandês adota um sistema científico de implantação de políticas públicas? Eles testam em escala um programa antes de adotá-lo em todo o país. A Finlândia está testando um programa de renda mínima para um futuro em que boa parte da população perderá empregos para a automação digital.

Eu adoraria discutir isso. Falar sobre as consequências de um futuro em que boa parte da população perderá utilidade econômica. Como isso afetará o Brasil? Eu adoraria poder discutir o futuro. Mas sinto que vivemos numa Passadocracia, discutindo os tabus que tinham sido superados pelos nossos avós. Toda semana sou forçado a chafurdar nessa lama moralista e discutir as pataquadas dos conservadores oportunistas. Um dia é Trump, o outro é o MBL, o outro é Alexandre Frota. O homem nú do MAM queria ser tratado como objeto. Para mim, nada é mais objetificante do que ter sua pauta determinada pelo Alexandre Frota.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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