23/04/2024 - Edição 540

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Esportistas, atores e intelectuais tomam partido na questão catalã

Publicado em 29/09/2017 12:00 -

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Fora da política, personalidades de horizontes muito diversos se pronunciaram nas últimas semanas sobre o plebiscito de independência convocado para o domingo na Catalunha e proibido pela Justiça espanhola.

Essas são suas posições:

O ex-futebolista Pep Guardiola, primeiro capitão e depois treinador do FC Barcelona, era parte da lista eleitoral da coalizão pró-independência que venceu as mais recentes eleições regionais na Catalunha, a Junts pel Sí (Juntos pelo Sim).

O ator norte-americano Viggo Mortensen (que fala catalão e é casado com a atriz Ariadna Gil, de Barcelona), declarou: "Que haja uma votação. É um erro que o governo não faça como o do Reino Unido, no caso da Escócia, ou seja, que autorize um plebiscito de autodeterminação com aplicação compulsória do resultado".

O australiano Julian Assange, fundador do WikiLeaks, ajuda os independentistas a administrar suas redes e tuitou que "o povo catalão tem direito à autodeterminação".

Gérard Piqué, jogador catalão do Barcelona e campeão mundial de futebol pela Espanha, disse que está "completamente de acordo com o direito de decidir dos catalães".

Ele nunca tomou abertamente o partido da independência, mas nesta quinta-feira tuitou em apoio à consulta, com o hashtag #Votarem (votaremos, em catalão).

Outros adotaram posição parecida, assinando o manifesto "Deixin Votar els Catalans" (deixem votar os catalães), que apela por um entendimento entre as autoridades espanholas e catalãs para a organização de um plebiscito de aplicação compulsória e com garantias.

Entre os signatários estão a escritora guatemalteca Rigoberta Menchú, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1992; o cineasta Ken Loach, diretor do filme "Terra e Liberdade" (adaptação de "Homenagem à Catalunha", de George Orwell); a artista Yoko Ono; e Ignacio Ramonet, diretor do jornal "Le Monde Diplomatique".

O americano Edward Snowden, que denunciou atos de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana, também se pronunciou em favor do direito de decidir, assim como o argentino Adolfo Pérez Esquivel, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1980.

Há também o ponto de vista daqueles que não desejam o plebiscito, imposto por uma lei que não foi debatida em profundidade pelo Legislativo catalão e que contraria a Constituição espanhola.

"Creio que o plebiscito de 1º de outubro não deveria acontecer porque, do meu ponto de vista, todos têm de respeitar as leis, e as leis são o que são", disse o tenista Rafael Nadal, nascido na ilha de Mallorca.

Outras figuras públicas assinaram o manifesto "1-O Estafa Antidemocrática", entre as quais os catalães Juan Marsé, romancista que ganhou o Prêmio Cervantes em 2008; e a cineasta Isabel Coixet, cineasta vencedora de quatro prêmios Goya, que denuncia "a visão ingênua do plebiscito".

A atriz Marisa Paredes, uma das musas de Pedro Almodóvar, é outra das signatárias.

O ator Antonio Banderas, de Malága, pediu no final de semana passada por "respeito à lei e ao Estado de Direito".

Outras personalidades se opõem diretamente à independência da Catalunha, região que representa 19% do Produto Interno Bruto (PIB) e abriga 16% da população da Espanha.

Mario Vargas Llosa, escritor hispano-americano ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, insiste quanto ao "perigo" que esse projeto político representa, e que, caso ele se cumpra, faria da Catalunha "uma nova Bósnia".

O escritor Eduardo Mendoza, de Barcelona, também ganhador do Prêmio Cervantes de literatura, teme o "risco de empobrecimento", e o dramaturgo Albert Boadella critica constantemente o "ultranacionalismo".

Além da Catalunha

A reivindicação catalã por independência é antiga e teve especial força nos anos 1930. Mas a causa é eclipsada, na Europa, pela memória recente de outro separatismo espanhol: o basco.

Militantes do País Basco, no nordeste, lutaram durante décadas por sua independência, negada pelo Estado em Madri.

A milícia separatista ETA, formada no fim dos anos 1950, foi responsável pela morte de mais de 800 pessoas durante longos anos de atividade na Espanha e na França, com sequestros e ondas de ataques a bomba.

Essa organização foi progressivamente desmontada pela ação policial espanhola e, neste ano, anunciou seu desarmamento definitivo de maneira unilateral.

Mas o País Basco tem hoje algum grau de autonomia, com seu próprio Parlamento, assim como a Catalunha.

Essas concessões são resultado de acordos estabelecidos na transição democrática, após a morte do ditador Francisco Franco em 1975.

A determinação catalã atual em se separar da Espanha vem da sensação de sua classe política de que esses arranjos não são suficientes e devem ser substituídos pela independência total.

Outras regiões na Europa tentaram, com graus de sucesso variados, separar-se do poder central.

O melhor exemplo é a Escócia, que hoje é parte do Reino Unido. Os escoceses votaram em 2014 por sua independência, mas separatistas foram derrotados por 55% da população, que preferiu continuar com Londres.

As consultas na Catalunha e na Escócia são bastante diferentes, em especial porque o governo britânico havia permitido o voto e a decisão poderia levar à separação.

Ilegal

Já Madri diz que o referendo catalão é ilegal —contraria inclusive uma decisão do Tribunal Constitucional.

Ou seja, ainda que o Parlamento catalão declare a independência após o voto, ela não terá valor legal. É possível que Madri reaja revogando a autonomia catalã e prendendo o seu presidente, Carles Puigdemont.

Perguntas e Respostas: As chaves do conflito na Catalunha

1.O que é a Catalunha?

É uma das 17 regiões autônomas da Espanha, situada no nordeste do país, com 7,5 milhões de habitantes. A Catalunha representa quase 1/5 da produção espanhola, algo equivalente a toda a economia portuguesa, e lidera o desenvolvimento econômico espanhol desde a Revolução Industrial.

2. O que vai acontecer no domingo?

Os catalães foram convocados para votar em um plebiscito que foi declarado ilegal pelo governo em Madri, o qual  conta com o apoio dos tribunais, mas que cumpre uma promessa da coalizão de partidos separatistas que governa a Catalunha desde 2015. Este mês, deputados separatistas aprovaram leis regionais para facilitar o plebiscito e pôr em prática seu resultado, mesmo depois de serem advertidos pelo governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy de que tal legislação violaria a Constituição espanhola e Madri usaria todos os meios possíveis para impedir a realização do plebiscito. O Tribunal Constitucional suspendeu a lei, mas o governo catalão avançou nos preparativos para votação. Em resposta, Madri tomou várias medidas – com o apoio da polícia e dos tribunais – para impedir o plebiscito e punir seus organizadores.

3. Afinal, o referendo vai ou não vai ser realizado?

Carles Puigdemont, líder da Catalunha, prometeu este mês que a região votaria em condições normais, como em  eleições anteriores. No entanto, a resposta de Madri foi contundente o bastante para inviabilizar um plebiscito em  tais condições. Na verdade, não está claro se e como as pessoas vão votar no domingo, especialmente porque a polícia espanhola pode impedir as pessoas de entrarem nas seções eleitorais.

Caso as cédulas sejam preenchidas e depositadas nas urnas, o Parlamento regional se comprometeu dar efetividade ao resultado dentro de 48 horas, o que poderia transformar qualquer tipo de aprovação a uma república catalã em uma declaração unilateral de independência. No entanto, de acordo com a lei espanhola, o governo nacional ainda poderia invocar poderes de emergência para assumir total controle administrativo sobre a Catalunha.

4. A maioria dos catalães apoia a independência?

Em junho de 2012, 51,1% dos entrevistados de uma pesquisa disseram que queriam independência, de acordo com o  Centro de Estudos de Opinião, instituto de pesquisas da Catalunha. Os separatistas então consolidaram seu poder em setembro de 2015, conquistando a maioria dos assentos no Parlamento regional, embora apenas 48% dos eleitores tenham votado nos partidos separatistas.

Pesquisas de opinião mais recentes revelaram apoio à independência, mas também confirmaram que a maioria dos catalães quer que seja realizado um referendo sobre a questão do Estado – independentemente do resultado. Em meio à crescente tensão política, os resultados das pesquisas de opinião foram apertados. Ainda assim, políticos e sociólogos concordam que cerca de metade dos eleitores que votaram em partidos separatistas em 2015 não apoiaram a separação uma década atrás.

5. O que vai acontecer depois da votação?

Ninguém se arrisca a dar palpites sobre as consequências desse plebiscito. Cinco anos atrás, a Espanha se encontrava em profunda crise financeira, e os políticos em Madri e Barcelona discutiam menos a soberania e mais o dinheiro e as contribuições fiscais da Catalunha para as regiões mais pobres. Ainda assim, a liderança separatista catalã diz que não vai voltar à mesa de negociações para discutir apenas finanças. E qualquer reviravolta sobre a independência pode romper a frágil coalizão governamental da região, que depende do apoio de um pequeno partido de extrema esquerda.

A situação política em Madri também é muito mais complicada hoje do que na época do último plebiscito sobre a independência. Em 2014, o Partido Popular de Rajoy tinha maioria parlamentar e sua sobrevivência política não estava em jogo. Mas, desde o fim de 2016, o primeiro-ministro comanda um governo minoritário. Uma crise territorial cada vez mais aguda poderia induzir os partidos da oposição a forçarem sua queda.

O desafio mais urgente, no entanto, poderia vir das ruas de Barcelona. Não está claro como os catalães irão reagir caso Madri ordene uma nova repressão. Desde 2012, as pessoas que apoiam a independência realizam em Barcelona manifestações pacíficas que estão entre as maiores da Europa. Mas as tensões estão chegando a um ponto de ebulição, e Madri recentemente enviou milhares de policiais para a Catalunha, à espera da votação.


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