18/04/2024 - Edição 540

Brasil

Empresas devem meio trilhão em impostos que foram responsáveis pela alta da gasolina

Publicado em 10/08/2017 12:00 -

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Enquanto o presidente Michel Temer tenta manter o aumento do PIS e da Cofins sobre os combustíveis para fechar as contas do governo, empresas acumulam uma dívida de R$ 545,4 bilhões referentes a esses tributos. Essa dívida de 1,8 milhão de empresas é referente às contribuições sociais, que também incluem a CSLL. Os dados constam em documento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) entregue à CPI da Previdência. (Faça o download do documento)

Os valores arrecadados por meio desses tributos vão para o orçamento da Seguridade Social – que abrange a Previdência, a saúde e a assistência social – e ajudam a financiar programas como SUS, seguro-desemprego e abono salarial. O débito referente a essas contribuições equivale a 30% de todas as dívidas de pessoas e empresas com a União, que somavam R$ 1,8 trilhão no ano passado.

Entre os 20 maiores devedores estão grandes empresas falidas, como Varig, Vasp e Transbrasil. Mas também há companhias em atividade, como Walmart, Ambev S.A. (controladora de marcas como Skol, Brahma e Antarctica), Eletropaulo, Itaucard, Raízen Combustíveis e Companhia Brasileira de Distribuição (dona do Pão de Açúcar, Extra, Casas Bahia e Ponto Frio).

A procuradoria divide os débitos em dois grupos. Aquelas consideradas em situação regular, que incluem dívidas em negociação, parceladas, garantidas ou suspensas por decisão judicial. E aquelas em situação irregular, que estão sendo cobradas pela procuradoria. Nos dois casos, as empresas constam como devedoras da dívida ativa da União.

A Repórter Brasil tentou contato com todas as empresas ativas que estão entre as 20 maiores devedoras. As oito empresas que responderam à reportagem afirmaram estar em dia com suas obrigações tributárias e dizem que questionam, administrativamente ou na justiça, o valor e a incidência dessas contribuições sociais. A justificativa das empresas se baseia em controvérsias jurídicas a respeito da incidência desses tributos.

Leia a íntegra das justificativas das empresas.

A Eletropaulo, empresa ativa que mais deve, diz que o débito de R$ 2,2 bilhões refere-se a “cobranças indevidas”, que estão sendo discutidas em processos judiciais e administrativos.

O Itaucard, 5º da lista, com dívida de R$ 1,5 bilhão, informou “que existem algumas discussões sobre recolhimento de tributos em andamento na esfera judicial e administrativa”.

Controladora da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil), a Associação Educacional Luterana do Brasil é  a 7ª maior devedora,  com débito de R$ 1,2 bi. A associação diz que ocorreram excessos nas fiscalizações e que elas estão “sendo objeto de pedidos judiciais de revisão”.

O 10º maior devedor, a Companhia Brasileira de Distribuição, que deve cerca de R$ 1,2 bilhão, diz que “sempre que a Companhia entendeu que a cobrança era indevida/inconstitucional, buscou no Judiciário seus direitos”.

Na 14ª posição, com dívida de R$ 911 milhões, a Ambev S.A esclarece que participa de “discussões legítimas sobre a interpretação da PGFN em torno da configuração de débito, inclusive com decisões judiciais favoráveis à companhia”.

O Walmart, 18º colocado com débito de R$ 738 milhões, informou que questiona se o PIS e a Cofins devem incidir sobre bonificações. Já a Raízen Combustíveis, R$ 699 milhões de dívida, disse que “pode eventualmente contestar alguns dos valores de tributos, apresentando garantia em todas as ações”.

O banco JP Morgan, 14º da lista com dívida de cerca de R$ 800 milhões, afirma em nota que não reconhece os valores presentes na reportagem e “está em dia com suas certidões de regularidade fiscal”. “97% dos débitos de PIS e de COFINS atualmente inscritos em dívida ativa foram quitados mediante adesão a programas de parcelamento em 2013 e 2014 e apenas aguardam, desde então, a sua baixa definitiva devido a trâmites burocráticos.”

Calote amplia deficit que justifica reforma da Previdência

A dívida referente às contribuições sociais é ainda maior que aquelas referentes às contribuições previdenciárias, estimadas em R$ 426 bilhões, segundo valores de dezembro de 2016 divulgados pela PGFN. Juntos, esses calotes somam R$ 971 bilhões.

Essa dívida bilionária aumenta o deficit da Seguridade Social – principal argumento usado pelo governo para defender a reforma da Previdência. Em 2015, de acordo com as contas oficiais, a Seguridade Social teve deficit de R$ 177 bilhões, enquanto oposicionistas afirmam que houve superavit de R$ 11 bilhões (entenda por que essas contas são diferentes).

A contribuição social que lidera a lista das contribuições devidas é a Cofins, com 688 mil devedores e calote de R$ 325,3 bilhões, seguida pela CSLL (R$ 143,3 bilhões) e pelo PIS (R$ 76,8 bilhões).

A dívida referente às contribuições sociais cresce em ritmo superior à inflação: entre dezembro de 2014 e de 2015, segundo a PGFN, a alta foi de 13,2%, e entre 2015 e 2016, de 13,5%. A procuradoria informou que, no ano passado, recuperou R$ 2 bilhões por meio de cobranças. Em documento entregue à CPI, há a estimativa de recuperação de cerca de R$ 11 bilhões nos próximos dez anos (2017-2026).

O debate jurídico por trás desses impostos

A justificativa das empresas para essas dívidas se baseia em uma discussão jurídica controversa sobre a incidência de cada uma dessas contribuições. O advogado tributarista Valter Lobato afirma que, no caso do PIS/Cofins, por exemplo, essas contribuições incidem sobre a receita das empresas – porém, há um debate travado nos tribunais sobre o que exatamente compõe a receita de uma empresa.

Uma dessas controvérsias, por exemplo, teve um capítulo encerrado em 15 de março deste ano, quando o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, por 6 votos a 4, que o ICMS não pode compor a base de cálculo para a cobrança do PIS e da Cofins, favorecendo algumas empresas devedoras. Na ocasião, ministros afirmaram que o ICMS não pode ser considerado parte da receita ou do faturamento da empresa por ser um imposto que entra no caixa mas deve, depois, ser repassado ao Estado.

“O sistema tributário brasileiro, por conta da sua complexidade, é altamente litigioso”, afirma Lobato.

A economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Anelise Manganelli, lembra que esses tributos estão embutidos no preço pago pelos consumidores – caso da gasolina, que teve o maior aumento desde 2004.

“Quem se beneficia disso são as empresas, porque cobram esses tributos do consumidor e não os repassam para o poder público”, lamenta. “Deveríamos pensar em uma reforma tributária que desse conta de não perpetuar essas dívidas, e precisamos trazer a sociedade para esse debate”.


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