29/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Cui Bono?

Publicado em 21/07/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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No Rio de Janeiro, terror é parte do dia a dia. A violência e a guerra ao narcotráfico matam dezenas, enchem o jornal entre uma rodada e outra do Brasileirão. Não conheço ninguém que nunca tenha sido vítima de alguma forma de violência na cidade maravilhosa.

Eu sei que parece um problema sem solução. Mas a solução é tecnicamente simples e antiga. Muito antiga.

Era uma vez um tal de Lúcio Cássio, um juiz muito honesto e sábio. Praticamente um Sérgio Moro da Roma Antiga, como provavelmente definiria Sérgio Moro. Toda vez que Lúcio Cássio se deparava com um crime ou um dilema, tinha o hábito de perguntar "Cui Bono?", algo como "A quem beneficia?"

Para o magistrado romano, não havia crime ou mazela que não se perpetuasse senão pelo benefício de um envolvido, ainda que esse não fosse evidente. O orador romano Marco Túlio Cícero eternizou o conceito de Cui Bono, que chegou aos Estados Unidos em 1976 no filme "Todos os Homens do Presidente".

Foi o roteirista William Goldman atribuiu a frase "Follow the money" ("Siga o dinheiro" em tradução livre), ao lendário Garganta Profunda. Em tempo: esse era o nome da fonte anônima que fez a denúncia sobre Watergate e levou o presidente Nixon à renúncia. Nada a ver com o filme adulto que você está pensando. Faz favor.

Da próxima vez que um jornalista der piti ao vivo na sua TV, experimente respirar fundo e perguntar a si mesmo: Cui Bono? Depois que você começa a analisar os problemas do Brasil pelas lentes de Cássio, a incompetência e letargia somem para o segundo plano.

"Follow The Money" atualizou para o capitalismo a ideia do "Cui Bono". Seguindo o rastro do dinheiro, você descobre quem se beneficia do problema. Cortando o fornecimento de dinheiro, fim do problema. Só que, quando chegamos ao destinatário, percebemos que é areia demais para o nosso caminhãozinho.

Lembra do longínquo 2010, quando os traficantes cariocas fugiram correndo do exército que tomava o Complexo do Alemão? Muita gente comemorou o "fim da violência" no Rio de Janeiro. Muita gente agora viver na Ilha da Fantasia.

Meros sete anos depois, tudo voltou como antes e se fala em "falência do modelo das UPPs". Bem, pelo menos eles tentaram, certo? Subiram o morro, prenderam uns bandidos. Sabem quem não apareceu algemado no camburão do Bope? Cui Bono. O dono da boca. O verdadeiro dono da boca. O que paga lobista. O que escolhe o candidato evangélico que vai ter o apoio da comunidade. Esse não apareceu no plantão do Jornal Nacional. Provavelmente nunca pisou numa comunidade. Provavelmente é cidadão do mundo e divide seu tempo entre Brasília, São Paulo e Suíça. Para encontrá-lo, só tem um jeito: follow the money.

Não é preciso ser pioneiro nem inovador. O manual de combate à criminalidade endêmica está disponível com "cases" de sucesso. Meus leitores mais novos não sabem o que era Nova York nos anos 70. Dá um google. A criminalidade que inspirou os filmes do Charles Bronson parece coisa de cinema, mas era real. Até o dia em que alguém decidiu "seguir o dinheiro" e encontrar "Cui Bono". No outro lado da linha havia juízes, delegacias inteiras nos bolsos de traficantes, gangues infiltradas em sindicatos, um rebu. Muita gente da alta roda sentou no banco dos réus. Foi econômica e politicamente custoso, mas foi realizado, e numa cidade muito maior e mais complexa que o Rio de Janeiro. A diferença é que lá ninguém fingiu que a solução era invadir boca de fumo.

Da próxima vez que um jornalista der piti ao vivo na sua TV, experimente respirar fundo e perguntar a si mesmo: Cui Bono? Depois que você começa a analisar os problemas do Brasil pelas lentes de Cássio, a incompetência e letargia somem para o segundo plano. A realidade dos nosso dilemas fica saliente, como aos olhos do Exterminador do Futuro. Bastam algumas incisões cirúrgicas para resolver mazelas que nossos governantes insistem em fingir tratar com pesadas sessões de quimioterapia. Tudo é muito simples ainda que, praticamente impraticável. Porque quem manda nesse hospital é o câncer, não o paciente.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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