23/04/2024 - Edição 540

Poder

Relator pede cassação da chapa Dilma/Temer, mas prevê derrota

Publicado em 09/06/2017 12:00 -

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Após três extensas sessões em que proferiu o seu voto, o ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), confirmou o pedido de cassação da chapa encabeçada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e pelo presidente Michel Temer (PMDB) por abuso do poder político e econômico. O relator do processo movido pelo PSDB após as eleições de 2014 concluiu que houve pagamento de propina na forma de doação eleitoral oficial e via caixa dois, ou seja, recursos não declarados à Justiça eleitoral. “Meu voto é pela cassação da chapa presidencial eleita em 2014 pelos abusos que foram apurados nesses quatro processos”, disse Herman Benjamin.

“A minha conclusão é pela unicidade da chapa”, ressaltou o relator ao ser questionado por Luiz Fux. A eventual separação da chapa, que ainda será objeto de discussão entre os ministros, é a tese defendida pelos advogados de Temer. Depois de ler um relatório contundente, o ministro deu um recado direto aos colegas, que demonstram resistência em aceitar as provas levantadas por ele: “Me recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão”.

Para Herman Benjamin, não há que se discutir a separação da chapa. “Estou aplicando a jurisprudência do nosso Tribunal Superior Eleitoral. No Brasil, ninguém elege vice-presidente da República. Elegemos uma chapa que está irmanada, unida, para o bem e para o mal. Os mesmos votos que elegem a presidente da República elegem também o vice-presidente da República. Ao final, a prestação de contas é única. Nesse caso específico, está comprovado nos autos, as despesas do então candidato a vice-presidente da República foram pagas, e muitas foram pagas, com recursos do caixa comum da campanha presidencial”, concluiu.

Para ele, as investigações demonstraram que outras candidaturas à Presidência também foram abastecidas de maneira ilegal, e que algumas campanhas foram prejudicadas com as irregularidades. “Não sei se foram os representantes da ação”, declarou o relator em alusão ao PSDB, cuja campanha também recebeu recursos da Odebrecht e outras empresas investigadas na Lava Jato.

Herman Benjamin retomou às 9h30 de sexta-feira (9) a leitura de seu voto, iniciada ontem, e estruturou suas conclusões em tópicos. O ministro também separou seu voto por premissas: condições para caracterizar os casos de abuso econômico e requisitos para caracterização de gastos ilícitos de campanha. A sessão foi interrompida há pouco e será retomada esta tarde para que os demais ministros votem. Pelo acordo feito ontem por eles, cada um terá até 20 minutos para manifestar sua posição final.

Na análise dos questionamentos feitos pelas defesas de Dilma e Temer, quatro dos sete ministros sinalizaram que são contrários à inclusão dos depoimentos de delatores da Odebrecht e dos marqueteiros Mônica Moura e João Santana. E devem desconsiderar esses pontos do julgamento. Em tese, essa posição abre caminho para a absolvição da petista e do peemedebista.

Propina-gordura

O ministro constatou que há lastro probatório de pagamento via caixa dois a João Santana e Mônica Moura, em razão de serviços prestados à chapa vencedora em 2014, “o que configura grave episódio de abuso de poder econômico”.

Durante seu voto, Benjamin entendeu que os documentos juntados comprovam que, por conta da relação de longa duração, os partidos da chapa também acumularam recursos de “propina-gordura”, uma referência ao dinheiro que sobrou de outras campanhas, que os favoreceram na campanha de 2014.

Diante do recém-chegado ministro Admar Gonzaga, que declarou que votaria com base apenas em caixa um, o relator ressaltou que não há como distinguir dinheiro limpo e de origem ilícita utilizado na eleição pelos candidatos. “A simples não declaração ou utilização como caixa um [de recurso de propina], que foi exatamente o objeto da petição inicial, basta para a cassação dos mandatos”, declarou.

No início da tarde de ontem, Admar se irritou com Benjamin, que falava em caixa um, caixa dois e caixa três, e pediu que o ministro Admar prestasse atenção, já que ele havia feito declaração sobre seu voto. O ministro afirmou que o objetivo do relator era “constranger os colegas”. “Quando eu falo de caixa dois não é para constranger. Ninguém aqui se constrange. […] Nós seremos constrangidos por nossos atos, não por nossos colegas”, rebateu Herman.

Compra de partido

Após citar diversos casos envolvendo a Odebrecht em repasses à campanha de Dilma e Temer, o ministro lembrou que o empresário Marcelo Odebrecht relatou ter “disponibilizado” R$ 150 milhões para Dilma e Temer e que as doações não oficiais da empreiteira foram muito superiores aos valores declarados pela campanha. Segundo ele, nem Marcelo sabia quanto era repassado aos candidatos.

“Marcelo Odebrecht era o administrador de um grande grupo econômico e de um dos maiores e mais sofisticados esquemas de corrupção do mundo, não só do Brasil. Quando ele diz que disponibilizou R$ 150 milhões para a campanha presidencial dessa coligação, e tudo isso vem confirmado por um sem número de depoimentos e documentos que não o contrariam, não tenho como chegar a conclusão diferente”, ressaltou o relator.

Herman também afirmou que ficou comprovada a utilização de propina para a compra de apoio de partidos para a chapa da Coligação com a Força do Povo, de Dilma e Temer. “Não importa se os recursos foram efetivamente para a compra de rádio e televisão. O que importa é que esses recursos foram pedidos e recebidos de forma ilícita. Para fins de cassação da chapa, investigar as profundezes do pedido, a psicologia do pedido, essa destinação específica para o rádio e a televisão, investigar tudo isso é desnecessário, embora comprovado. O que interessa mesmo é que houve uma triangulação comprovada por caixa dois em pleno período eleitoral entre partidos integrantes da coligação”

Caixa 3

O ministro também citou que a Odebrecht usou outras empresas para fazer doações sem aparecer, na forma de “caixa três” ou “barriga de aluguel”. “Nas provas colhidas eu não identifiquei um único caso em que esse fenômeno tenha ocorrido – aliás, só ocorreu com a Odebrecht – porque a empresa tenha ultrapassado seu percentual legal. Aqui não. A empresa mesma disse que o fez porque não queria aparecer e se utilizou desse mecanismo [Caixa três]“, explicou.

Na primeira sessão dedicada ao seu voto, Herman fez um panorama sobre como o esquema de corrupção montado na Petrobras funcionava para abastecer campanhas eleitorais e partidos políticos. De acordo com o ministro, o dinheiro da Petrobras “financiou diretamente a campanha dos referidos [Dilma e Temer]” por meio de “um sofisticado esquema de arrecadação ilegal de dinheiro público” intermediado por empreiteiras como Andrade Gutierrez, UTC, Camargo Corrrea, OAS e outras.

Na segunda sessão dedicada ao voto de Benjamin, entre outras coisas, o ministro fez apontamentos sobre os pagamentos realizados pelo estaleiro Keppel Fels, via caixa dois, aos marqueteiros João Santana e Mônica Moura. O esquema trata de pagamentos de US$ 5 milhões a Monica Moura, em 10 parcelas, conforme afirmaram os delatores. Os pagamentos foram efetuados até novembro de 2014, apenas a última parcela não foi paga.

Ação do PSDB

Após o resultado das eleições de 2014, o PSDB entrou com a ação e o TSE começou a julgar suspeitas de irregularidade nos repasses a gráficas que prestaram serviços para a campanha eleitoral de Dilma e Temer. Em decisão monocrática, a ministra Maria Thereza de Assis, relatora na época, arquivou a ação. O ministro Gilmar Mendes entrou com recurso, pediu v e sustentou que o esquema de abastecimento de campanhas eleitorais por meio de doação eleitoral ilegal precisava ser investigado.

Recentemente, Herman Benjamin decidiu incluir no processo o depoimento dos delatores ligados à empreiteira Odebrecht investigados na Operação Lava Jato. Os delatores relataram que fizeram repasses ilegais para a campanha presidencial.

A ação tem mais de 8,5 mil folhas, com 29 volumes com informações processuais, sem contar os documentos sigilosos que não foram incluídos no processo. Entre as decisões tomadas e despachos proferidos, desde 2015, foram 208 atos. O relator e os representantes da Justiça Eleitoral tomaram 62 depoimentos e duas acareações entre as pessoas envolvidas no processo. Além das diversas diligências e pericias realizadas.

Cegueira Intencional

O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos principais nomes da força-tarefa da Operação Lava Jato, criticou duramente a postura da maioria dos ministros do TSE. Ao comentar uma entrevista feita pela BBC com um professor francês sobre corrupção, Carlos Fernando classificou como “cúmulo do cinismo” a “cegueira intencional” de integrantes do TSE.

“Deve-se parar de fingir que nada aconteceu”, escreveu em sua página no Facebook. “Cinismo é fingir que tudo está superado apenas porque o PT saiu do governo. A corrupção é multipartidária e institucionalizada. Ela é a maneira pela qual se faz política no Brasil desde sempre. Ou acabamos com a corrupção, ou a corrupção acaba com o Brasil”, emendou.

A crítica do procurador é uma referência direta à manifestação de quatro dos sete ministros do TSE contra a inclusão de novas provas apresentadas por delatores da Lava Jato no processo que pede a cassação da chapa Dilma/Temer. Esse entendimento é defendido pelo presidente do tribunal, Gilmar Mendes, pelo ministro Napoleão Nunes Maia e pelos ministros Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira – esses dois últimos, recém-indicados pelo presidente Michel Temer. Caso prevaleça essa tese, a tendência é a corte absolver a chapa e manter o peemedebista na Presidência.

Veja a íntegra da mensagem publicada nesta manhã pelo procurador:

“A sucessão de denúncias de corrupção no Brasil só mostra o cúmulo do cinismo de nossa classe política, segundo o cientista político francês Olivier Dabène. Mas na verdade o verdadeiro cúmulo do cinismo é a cegueira intencional da maioria dos ministros do TSE em relação à corrupção exposta pelo acordo do MPF com a Odebrecht. Deve-se parar de fingir que nada aconteceu. Deve-se parar de desejar a retomada da economia, ou pior, a manutenção desse ou aquele partido no poder à custa da verdade. Cinismo é fingir que tudo está superado apenas porque o PT saiu do governo. A corrupção é multipartidária e institucionalizada. Ela é a maneira pela qual se faz política no Brasil desde sempre. Ou acabamos com a corrupção, ou a corrupção acaba com o Brasil.”

O cientista político citado por Carlos Roberto é diretor do Observatório Político da América Latina e Caribe da Universidade Sciences Po de Paris. Em entrevista à BBC, Olivier Dabène disse que o mundo é amador em comparação ao Brasil em matéria de corrupção.

“O caso envolvendo o presidente Michel Temer (investigação após delações da JBS) é o cúmulo do cinismo. Temos a impressão de que os políticos brasileiros não aprendem. Eles continuam fazendo a mesma coisa. É uma maneira instintiva de fazer política. É muito difícil mudar o comportamento e as mentalidades”, disse o professor, que já morou no Brasil e deu aulas na Universidade de Brasília (UnB).


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