24/04/2024 - Edição 540

Especial

Queimando dinheiro

Publicado em 24/04/2014 12:00 -

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O custo das eleições no Brasil vem aumentando exponencialmente. Nas eleições de 2002, os gastos totais somaram R$ 800 milhões. Em 2010, eles chegaram a R$ 4,9 bilhões. Para eleger um deputado federal, gastou-se em 2010, em média, R$ 1,1 milhão; um senador, R$ 4,5 milhões; um governador, R$ 23,1 milhões. O encarecimento das campanhas é um funil: quanto mais caras, menos chances para os que têm menos recursos.

Em 2010, grandes empresas bancaram 95% do custo das campanhas eleitorais. Apenas 4,9% das doações vieram de pessoas físicas, ao passo que em 2004 essa fatia era de 27%. Os resultados são evidentes: 62% dos deputados federais eleitos – 320 parlamentares – receberam doações de apenas 5% das empresas que financiaram campanhas eleitorais naquele ano.

Esses gastos, no entanto, são um bom investimento, uma vez que, para cada real investido nas campanhas eleitorais, as empresas obtêm R$ 8,50 em contratos públicos, segundo pesquisa do Instituto Kellogg Brasil. Entre as principais empresas doadoras em 2010 estão: Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez, Siderúrgica Gerdau, Banco Alvorada (Bradesco), BMG, Itaú/Unibanco, Santander, JBS/Friboi, Ambev, Votorantim Comércio de Energia. Veja AQUI quem doou na campanha de 2012.

Em 2010, grandes empresas bancaram 95% do custo das campanhas eleitorais. Apenas 4,9% das doações vieram de pessoas.

Segundo a Transparência Brasil, o custo total das eleições de 2010 e 2012 chega a R$ 10,8 bilhões. Apenas para comparar, nas últimas eleições ocorridas na França, no ano passado, somado todo o dinheiro empregado nas campanhas eleitorais presidenciais e legislativas, foram gastos US$ 30 milhões.

Na última terça-feira (22), representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de movimentos sociais fizeram um ato público na Câmara dos Deputados para cobrar o andamento de propostas de reforma política. Os participantes integram a chamada Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas, também formada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.

Foi lançada na oportunidade uma cartilha defendendo pontos do Projeto de Lei 6.316/2013, de autoria da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que tenta extinguir o financiamento de empresas nas campanhas eleitorais e implantar a lista fechada para eleições proporcionais.

Mudando as Regras

No início do mês o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4650) protocolada pela OAB em 2011, sobre o financiamento das campanhas eleitorais, espinha dorsal das discussões sobre reforma política que se arrastam há anos no Congresso. Não há consenso entre os parlamentares sobre a forma de custear as campanhas: financiamento público, privado ou misto.

O assunto já foi decidido pela Corte, pois seis ministros (Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Dias Tofffoli, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski) – o que significa a maioria da composição do Tribunal – votaram a favor da proibição de doações de empresas a candidatos. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

A decisão também estabelece que o Congresso terá 24 meses para aprovar uma lei que crie normas uniformes para doações de pessoas físicas e para recursos dos próprios candidatos. Se em 18 meses a nova lei não for aprovada, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderá elaborar uma norma temporária.

Segundo a Transparência Brasil, o custo total das eleições de 2010 e 2012 chega a R$ 10,8 bilhões.

A ação do STF motivou o Congresso a retomar o debate. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou no último dia 16 um projeto que pede o fim das doações por empresas (PLS 60/2012). Como não necessita passar pelo plenário, a proposta pode seguir direto para a análise da Câmara dos Deputados, a não ser que um grupo de senadores apresente recurso para ser analisado em plenário.

O senador Roberto Requião (PMDB-PR), relator do projeto, apresentou emenda alterando o texto inicial de modo a vetar integralmente doações de pessoas jurídicas. Na versão original a proibição ocorreria apenas em casos específicos, com vedação a organizações enquadradas nos critérios da Lei da Ficha Limpa.

Na Câmara, o presidente da Casa, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), anunciou a votação em maio da PEC 352/2013, que estabelece, entre outros pontos, que caberá aos partidos políticos decidir por campanhas financiadas exclusivamente com recursos públicos, exclusivamente com recursos privados (de pessoas físicas e jurídicas) ou por uma combinação das duas fontes.

O que está em discussão

Atualmente, o financiamento de campanha no Brasil é público e privado. Políticos e partidos recebem dinheiro do Fundo Partidário (formado por recursos do Orçamento, multas, penalidades e doações) e de pessoas físicas (até o limite de 10% do rendimento) ou de empresas (limitadas a 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição).

Cinco ministros do Supremo consideraram também inconstitucional o percentual de 10% do rendimento para doações de pessoas físicas e foram contrários à regra que autoriza que os próprios candidatos façam doações conforme critérios estabelecidos pelas legendas. O ministro Marco Aurélio votou para manter o percentual de 10%.

O relator da ação, ministro Luiz Fux, propôs, em relação às doações de pessoas físicas e dos próprios candidatos, que as regras podem continuar válidas por dois anos e que, dentro desse prazo, o Congresso Nacional deve votar novos critérios. Caso em 18 meses nenhuma mudança tenha sido feita, o ministro votou para que se autorize o TSE a criar uma regra provisória. O plenário ainda debaterá a proposta.

Contra a doação empresarial

Fux destacou que a exclusão das empresas do financiamento de campanhas não prejudicará a democracia. "As pessoas jurídicas doam frequentemente a mais de um partido com ideologias opostas. O pior é que os dados constataram que as doações [empresariais] tornam mais evidentes as campanhas com sofisticadas produções, além do que criam desigualdades de pessoas jurídicas. […] As principais financiadoras são empresas com aproximação extremamente significativa com o poder público."

Luis Roberto Barroso, que também já havia votado pelo fim do financiamento por parte de empresas, voltou a afirmar que o sistema atual permite "relação promíscua de grandes empresas com governos" e "troca de favores que gera a corrupção". "Evidentemente, não pode ser o modelo que queremos chancelar", afirmou o ministro.

Ao votarem no ano passado, Joaquim Barbosa e Dias Toffoli também foram contrários às doações empresariais. O ministro Toffoli citou levantamento que mostrou que dos R$ 751,8 milhões recebidos em 2012 (ano de eleições municipais) por 27 partidos para financiamento das atividades partidárias e das campanhas, mais de 95% vieram de empresas privadas. Para o ministro, os dados mostram "a influência do poder econômico nas eleições".

Dos R$ 751,8 milhões recebidos em 2012 por 27 partidos para financiamento das atividades partidárias e das campanhas, mais de 95% vieram de empresas privadas.

O ministro Marco Aurélio Mello, que preside o TSE, afirmou que o financiamento de campanhas por empresas viola os princípios republicanos. "O poder financeiro acaba tendo influências sobre as decisões políticas do país. [O financiamento empresarial] macula todo o processo político desde a base de formação de alianças partidárias até o resultado das eleições deliberativas", opinou.

Para o senador Umberto Costa, líder do PT, a adoção do financiamento público de campanha garante uma igualdade de oportunidade para todos os candidatos e retira a enorme influência que o poder econômico tem na definição dos resultados eleitorais, permitindo, ainda, que as campanhas tenham um custo menor do que o que tem hoje. “O financiamento vai resolver todos os problemas de caixa 2? Não, mas as campanhas serão mais baratas. As campanhas que se destacarem por gasto maior serão visivelmente identificadas pelo eleitor e adversários”, garante. Para Humberto, é preciso definir o valor do voto. Com a previsão que já hoje nas propostas em tramitação no Congresso fala-se em um valor de R$ 7 por voto.

A favor das doações de empresas

Para o ministro Teori Zavascki, não é papel do Supremo definir se as empresas podem ou não fazer doações, mas sim do Legislativo. Ainda na avaliação do ministro, o financiamento empresarial não fere a Constituição.

"Embora reconhecendo a inadiável necessidade de alteração no atual estado de coisas, nem por isso se pode concluir que as contribuições financeiras são irregulares, só por serem de pessoas jurídicas. Longe de negar a existência de interesses condenáveis em contribuições a partidos, não se pode ver nesse fato fundamento suficiente para a conclusão radical de que toda e qualquer doação é inconstitucional", ponderou.

O professor da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer, duvida da possibilidade de o financiamento público exclusivo ser adotado. “A Justiça Eleitoral não dispõe de recursos materiais e humanos para coibir o caixa 2 feito por pessoas jurídicas”. O pesquisador complementa que “90% das pessoas jurídicas já praticam caixa 2 interno. Declaram seu lucro de uma forma aos acionistas e de outra para o fisco, o qual não receberá do Congresso maiores poderes de fiscalização por serem estas mesmas empresas as financiadoras de campanhas”.

Para Nunes, o financiamento público transforma os partidos em apêndices do Estado, fortalecendo o poder das oligarquias partidárias, que  centralizarão os recursos públicos.

Para o ministro Gilmar Mendes somente os partidos menores seriam prejudicados com o fim das doações de empresas. "Os partidos que estão no poder e que já têm recursos só precisam de mais algumas centenas de milhares de CPFs para novas distribuições. Certamente haverá pessoas pobres que doarão seu salário porque receberão dinheiro para isso. Basta ver o fenômeno de doação para saber como isso opera. Os partidos que tiverem base de raiz vão operar com essa lógica e já operam. O dinheiro não é problema. O problema é encontrar CPFs para fazer essa distribuição", disse. Em outra oportunidade, Mendes havia afirmado que proibir doações de empresas não inibiria o repasse não contabilizado, o chamado caixa dois.

O líder do PSDB no Senado, Aloízio Nunes Ferreira, garante por sua vez que a medida é incompatível com o tipo de lei eleitoral vigente no país. “Nas ultimas eleições houve 9 candidatos a presidente da república, 169 candidatos a governador, 272 a senador, 6 mil candidatos a deputado federal e 14 mil a deputado estadual. É impossível um financiamento público para esta quantidade de candidatos. Vai continuar havendo caixa 2”, afirmou. Para Nunes, o financiamento público transforma os partidos em apêndices do Estado, fortalecendo o poder das oligarquias partidárias, que receberão os recursos públicos e os distribuirão para os diretórios regionais.

Como é hoje

Os recursos de origem privada atualmente constituem a principal fonte de financiamento de campanhas eleitorais. Os partidos políticos e candidatos podem arrecadar contribuições de pessoas físicas e jurídicas, bem como utilizar recursos próprios para custear a campanha eleitoral.

Com base na Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95) e na Lei das Eleições (Lei 9.504/97), pessoas jurídicas podem doar até 2% do seu faturamento bruto do ano anterior à eleição, enquanto para pessoas físicas a doação é limitada a 10% do rendimento bruto do ano anterior.

Os recursos públicos hoje provêm do chamado Fundo Partidário, que são utilizados para custear, em parte, as campanhas eleitorais, conforme estabelece a Lei 9.096/95. A utilização de verbas públicas também se verifica no horário eleitoral, que, embora seja gratuito para os partidos e candidatos, é custeado pelo poder público através de subsídios fiscais concedidos às emissoras (art. 99 da Lei 9.504/97 e art. 52, par. único, da Lei 9.096/95) que cedem espaço para a veiculação da propaganda.

Como fica com as mudanças propostas

A proposta aprovada no Senado proíbe empresas e pessoas jurídicas de doarem para campanhas, que passariam a ser financiadas por doadores pessoas físicas e a parcela de dinheiro público que já é destinada às eleições. A tendência, nesse cenário, é de os custos oficiais das campanhas caírem significativamente, pois os maiores doadores estariam formalmente fora.

Caso o STF decida pelo fim das doações de pessoas jurídicas, os ministros terão que estabelecer a partir de quando a decisão terá validade. A OAB sugere que as atuais regras mantenham sua validade por mais dois anos até que o Congresso legisle sobre o assunto e recomenda também a elaboração de uma lei no prazo de 18 meses que crie um limite para gastos de candidatos e doações de pessoas físicas.


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