25/04/2024 - Edição 540

Entrevista

No Brasil, nós deixamos a política para os políticos

Publicado em 07/06/2017 12:00 -

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O jornalista e cientista político Eron Brum é uma referência no Mato Grosso do Sul por suas análises críticas sobre a sociedade, a política e o jornalismo. Nesta entrevista ele fala sobre o atual cenário de degradação ética na política e da falta de cidadania que viceja na sociedade, fruto de uma educação de má qualidade, de interesses escusos da própria classe política e da inércia da população.

“Cerca de 70% dos eleitores brasileiros são analfabetos, analfabetos funcionais ou têm apenas o ensino fundamental. São pessoas que não têm a capacidade de debater a fundo, que não têm a oportunidade de se sentirem cidadãos, e são àqueles que definem as eleições. E os políticos sabem disso”, afirma Brum.

Para ele, a corrupção é intrínseca à sociedade brasileira e se reflete no topo da pirâmide social, onde uma elite político-econômica comanda os destinos da nação. “A população, inerte, é um joguete nas mãos desta cúpula. E somos todos culpados por esta inercia. Somos bons críticos, mas péssimos analistas, porque se nos soubéssemos analisar os fatos não estaríamos esperando milagres. É o nosso sebastianismo intrínseco”, afirma Brum, referindo-se a nossa tradição lusitana de esperar por salvadores da pátria que resolvam os nossos problemas.

Ele acredita que apenas na educação e na participação pode-se depositar alguma esperança de mudanças. “Estamos ainda muito impregnados do retrógrado. Nossa democracia é uma colagem e enquanto ela não se solidificar não nos consolidaremos enquanto nação. Para isso, é preciso participação, consciência, interesse de todos nas coisas que dizem respeito as nossas vidas. Então, teremos uma democracia que atenda nossas necessidades, anseios e desejos e que seja um reflexo nosso e não daquela pontinha da pirâmide”.

 

O Brasil vive uma crise ética na política, qual a sua origem?

Vem se arrastando há muito tempo. O nosso sistema político governamental completou 180 anos com pouquíssimas mudanças. Ele sofreu alterações com o intuito de ficar do mesmo jeito. Tivemos, desde o império, de oito a dez reformas políticas para continuar do mesmo jeito. O Brasil não inventou, mas cristalizou como prática o tal do governo de coalizão, que é quase uma ditadura. Nas últimas eleições cerca de 35 partidos participaram do pleito. Isso não funciona. Entre estes 35 partidos, poucos têm, de fato, configuração partidária, como o PT, o PMDB, o DEM. A maioria, se você ler o programa partidário, é muito similar um ao outro. Não estou nem falando de ideologia – algo que hoje respira por aparelhos – mas do conteúdo programático. São todos muito similares. São siglas de aluguel e não partidos. O resultado recente desta política é a aliança entre PT e PMDB, que formou uma frente ampla e capilarizada, que se ampliou com o aluguel de outras siglas menores no Congresso e desembocou na crise que hoje vivemos. Este é o nosso sistema político.

Diante deste modelo, é possível estabelecer poderes fortes e independentes?

Não dá para falar em liberdade de poder político, nem no Legislativo, Executivo e Judiciário. Estamos observando um fenômeno interessante no Judiciário, que veio da Polícia Federal, da Operação Lava Jato, em que este poder conseguiu uma certa independência. Mesmo assim é uma independência em termos, visto que é o Executivo que nomeia os integrantes de Supremo Tribunal Federal, um absurdo. São as Assembleia Legislativas dos Estados que nomeiam os integrantes dos Tribunais de Contas. Como vamos falar de ética em um cenário como este? Há um conluio imoral.

Nós sempre fomos omissos, a sociedade brasileira sempre foi assim. Ela acordava de vez em quando e adormecia novamente. Não temos uma tradição cidadã.

Há uma relação promíscua entre os poderes, principalmente entre o Executivo e o Legislativo.

Sim. Os nossos partidos estão grudados nos executivos. No âmbito municipal quem libera as verbas? É o executivo, o prefeito. Os vereadores, o legislativo, precisa negociar muito. E a sociedade? E as minorias? Como fica o segundo e mais importante segmento da democracia, nós, os representados (o outro segmento seria o dos representantes)? Nós continuamos observando esta relação espúria. Nós sempre fomos omissos, a sociedade brasileira sempre foi assim. Eta acordava de vez em quando e adormecia novamente. Não temos essa tradição cidadã.

Falta uma formação focada na cidadania?

Sim. E isso vem da educação. A cada eleição eu observo o perfil dos eleitores brasileiros. O perfil educacional é pífio. Cerca de 70% dos eleitores – principalmente no Centro-Oeste e Norte do país – são analfabetos, analfabetos funcionais ou têm apenas o ensino fundamental (completo ou incompleto). São pessoas que não têm a capacidade de debater a fundo, que não têm a oportunidade de se sentirem cidadãos, e são àqueles que definem as eleições. E os políticos sabem disso.

E o quê o nosso sistema político faz para mudar esta situação?

Muito pouco. A educação possibilita uma série de conhecimentos que permite as pessoas entrar no processo democrático. Mas estes eleitores são massa de manobra. Portanto, neste quesito – cidadania, educação, participação – a história de repete.

O brasileiro está acostumado a deixar as grandes decisões nas mãos de seus representantes, isso não ajuda a construir cidadania. Parece que somos eternos súditos de uma casta de iluminados apontados por Deus para guiar o país…

Nos Estados Unidos, por exemplo, as pessoas não votam apenas neste ou naquele partido, neste ou naquele candidato, mas em projetos, que foram amplamente discutidos por setores da sociedade. Nas democracias do norte europeu, esta participação da sociedade, este senso de cidadania, de que é preciso participar diretamente do processo político, é muito forte. Mas, tudo isso passa por educação. No Brasil, nós deixamos a política para os políticos. Isso é grave.

E o que pode acontecer diante desse cenário, no qual a gente deixa a política só para os políticos, é o fortalecimento desse espírito sebastianista, da eterna espera por ‘salvadores da pátria’.

Exatamente. É preciso participar dos grupos de referência, nos segmentos sociais, nos grupos profissionais, de afinidades, não apenas em partido político. Política vai muito além de partido político. Infelizmente no Brasil esta prática participativa está adormecida, quando não cooptada. Os próprios sindicatos ainda são apêndices de partidos políticos. E já que a sociedade não participa, grupos específicos ocupam este espaço.

Política vai muito além de partido político. Infelizmente, no Brasil, esta prática participativa está adormecida, quando não cooptada.

É possível vislumbrar um futuro diante desta participação insipiente e desta educação tão rasteira?

Acredito que vamos demorar um pouco. O Brasil se constitui em uma pirâmide em cuja ponta está uma minoria formada por uma elite político-econômica e em cuja imensa base está uma população inerte, que é um joguete nas mãos desta cúpula. E somos todos culpados por esta inercia. Somos bons críticos, mas péssimos analistas, porque se nos soubéssemos analisar os fatos não estaríamos esperando milagres. É o nosso sebastianismo intrínseco.

E a imprensa também não colabora para mudar este panorama.

Nossa mídia reflete a população, ela faz parte desse processo. A mídia brasileira nunca se assumiu como quarto poder, cambaleou, abriu mão deste papel. Está acoplada ao poder, tem uma dependência muito grande dele, e acaba abrindo mão dessa prerrogativa de exercer um poder independente.

A corrupção está entranhada na sociedade brasileira. Mas, ela não é um fenômeno de cima para baixo. Os políticos somos nós mesmos…

O culpado é sempre o outro. O outro está errado, e eu estou certo.

E o brasileiro tem esta consciência? De que faz parte do problema da corrupção?

Acho que não. O brasileiro não tem essa consciência. Nascemos assim. O nosso sistema, nossos grupos sociais são formados sob a égide da corrupção, do jeitinho. Esta engrenagem faz parte da nossa história, desde a colonização, passando pelo império, pela república, até hoje. Estamos ainda muito impregnados do retrógrado. Nossa democracia é uma colagem e enquanto ela não se solidificar não nos consolidaremos enquanto nação. Para isso, é preciso participação, consciência, interesse de todos nas coisas que dizem respeito as nossas vidas.

É uma leitura pessimista, mas coerente.

Espero que eu esteja errado, que minha análise esteja superada, mas vejo o Brasil ainda muito tutelado. Espero que possamos dar este salto. Mas, de fato, enquanto a cidadania não surgir nas bases, enquanto não acordarmos e participarmos do processo político governamental – não, necessariamente ser filiado a um partido político, mas participar dos nossos grupos políticos – não haverá saída. Quando todos esses grupos acordarem, nós, os representados, que somos a grande maioria, poderemos nos sentir inclusos em um país de verdade e, então, as coisas mudarão também na cúpula, no topo da pirâmide. Então, teremos uma democracia que atenda nossas necessidades, anseios e desejos e que seja um reflexo nosso e não daquela pontinha da pirâmide. Mas não vejo isso ainda no nosso país.


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