25/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Entrevista – Delegada Maria de Lourdes Cano, da Delegacia de Furto e Roubo de Veículos

Publicado em 11/04/2014 12:00 -

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O assassinato do empresário Erlon Peterson Pereira Bernal, de 32 anos, em Campo Grande (MS), traz à tona a tragédia na segurança pública no país. Bernal foi executado com um tiro na nuca e enterrado em uma fossa séptica no último dia 1º, após ter sido atraído a uma casa por uma gangue que simulou interesse na compra de seu carro. Os suspeitos do assassinato estão presos e tem, em sua maioria, idade entre 17 e 21 anos. “Ele foi morto como um animal. A vida humana não tem mais valor, as pessoas estão perdendo os sentimentos umas pelas outras”, desabafou a delegada Maria de Lourdes Cano, da Delegacia de Furto e Roubo de Veículos (Defurv), que anteriormente ocupou por oito anos a titularidade da Delegacia da Infância e da Adolescência.

 

Por Victor Barone

O caso Erlon chocou o Mato Grosso do Sul. Como foi o processo que culminou em sua resolução?

Foi uma investigação muito difícil, muito complexa. O Erlon avisou apenas a uma das funcionárias da sua loja que iria se encontrar com um possível comprador de seu carro na rotatória da saída para São Paulo, nas proximidades da Coca Cola. Ele chegou a retornar e comentar com ela: “tomara que não seja um assalto”. Não havia mais nenhuma informação. Não havia uma linha por onde começar. Então, confrontamos vários dados existentes na própria polícia. A Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos (Defurv) tem um cadastro de autores de roubo e prováveis locais de investigação que foram rastreados. Por fim, relacionamos o caso do Erlon a outro latrocínio ocorrido em fevereiro, que vitimou Jadson Diego dos Santos Romulado, de 25anos. O caso era muito semelhante. Aprofundamos mais e chegamos a um dos autores (Thiago Henrique Ribeiro, de 21 anos). Trata-se de uma pessoa fria, dissimulada, um artista. Encena, ensaia, convence de que é inocente, quando na verdade é um dos autores deste crime bárbaro. A partir dele acabamos chegando a toda quadrilha.

Há certeza da ligação entre os casos Erlon e Jadson?

A última pessoa que esteve com o Jadson é um dos autores do crime contra o Erlon. Além disso, a forma da execução de ambos os casos, um tiro na cabeça, foi a mesma em ambos os casos. Tanto em um quanto em outro crime s autores tinham intenção de matar.

A senhora crê que o crime foi premeditado?

Quem não quer matar não atira na cabeça de uma vítima indefesa. A intenção de assassinar Erlon estava clara desde o inicio. Eles não se preocuparam com a possibilidade de serem identificados posteriormente, ou da casa onde o crime foi praticado ser reconhecida depois. Ou seja, o assassinato foi premeditado desde o início.

Quem não quer matar não atira na cabeça de uma vítima indefesa. A intenção de assassinar Erlon estava clara desde o inicio.

As dificuldades da policia no Brasil são imensas. Menos de 10% dos homicídios são resolvidos no país. O que foi determinante que o caso Erlon fugisse desta estatística?

O companheirismo e a participação efetiva de todos os policiais da Defurv, inclusive os que estavam de licença médica, da Academia de Polícia, do Serviço de Inteligência da Policia Civil e do Garras. Todos os policiais destas unidades estiveram aqui ininterruptamente para solucionar este caso.

Houve colaboração da população na resolução do caso?

A polícia não teria como chegar ao local do crime se não fosse os próprios autores a indicá-lo. O corpo não estava em via pública, não estava em mata. Como estava no interior de uma residência, em uma fossa séptica, dificilmente a polícia chegaria ao local. O mais interessante é que quando o carro da polícia estacionou em frente a casa onde o crime havia ocorrido, imediatamente os policiais sentiram o forte odor de decomposição. Era muito forte e característico. Nenhum morador ou comerciante da vizinhança denunciou nada. Justificaram apontando a existência de um açougue nas proximidades. Mas o odor de ossos e restos de carcaças e muito diferente de um corpo humano decomposição.

A senhora acha que falta colaboração da população para com a polícia?

A população ajuda muito aqui na Defurv. Informações que nos levam a grandes criminosos. Há uma relação de confiança no nosso trabalho, o que é muito bom, pois, a partir do momento em que a sociedade confia no trabalho da polícia a chance de ter resultados positivos é muito maior. Mas, neste caso específico do Erlon, embora tivesse muita divulgação na mídia, que noticiou a marca e a cor do carro desaparecido e o desaparecimento do próprio Erlon, não houve nenhuma colaboração vinda da região onde o corpo foi localizado, pelo menos no sentido de dizer que naquele local havia um forte odor de decomposição. Na própria funilaria onde o veículo foi encontrado, o funileiro que pintou o carro de outra cor disse que não havia ouvido nada na imprensa sobre o roubo de um Golf cor prata. É impossível, nos dias de hoje, a pessoa alegar ignorância desta forma. A mídia está dentro de nossa casa, de uma forma ou de outra.

Nenhum morador ou comerciante da vizinhança denunciou o cheiro de decomposição. O funileiro que pintou o carro disse não ter ouvido ou lido nada sobre o caso na imprensa.

Os autores têm vinte e poucos anos. Uma é menor de idade. É chocante o nível de violência vindo de pessoas tão jovens.

Fui delegada titular da Delegacia da Infância e da Juventude por oito anos e convivia muito com os menores infratores, crianças que em muitos casos são mais experientes que muito adultos quando o tema é criminalidade. O que se verifica é que as pessoas perderam os parâmetros, os princípios básicos de humanidade. A educação não existe. Respeito ao próximo não tem mais. A benção, que o filho deveria pedir aos pais ao se deitar, não existe mais. Muitos pais acham até que é vergonhoso um filho pedir a benção. Não há mais princípios e valores. O caso Erlon me lembrou muito o caso do Leonardo e do Breno (os jovens Breno Silvestrini, 18, e Leonardo Fernandes, 19, foram encontrados mortos após serem sequestrados por ladrões de carro na porta de um bar em Campo Grande, em 2012). Ambos os crimes foram praticados por pessoas muito jovens. Pessoas que tinham família estruturada, emprego fixo e que não passavam por nenhuma situação e desespero econômico ou de conflito familiar – que também não podem ser justificativas para criems. Eram pessoas que tinham tudo para seguir o caminho do bem, mas optarem pelo mal. Agiram sem piedade alguma.

Com a certeza da impunidade…

É sem-vergonhice. Não dá nem para classifica-los como seres humanos. Uma pessoa que tira a vida de outra de uma forma tão cruel não se pode dizer que seja humana. Há uma frieza enorme. O dinheiro é tudo e para consegui-lo tudo é válido também. Que bom que conseguimos tirá-los de circulação.

A senhor acredita que, se não fossem pegos, voltariam a agir da mesma forma?

Sem dúvidas. Os autores das mortes de Erlon, Breno e Leonardo fariam muitas outras mortes de não tivessem sido presos. A certeza da impunidade para eles estava baseada na eliminação da vítima. A polícia jamais descobriria e eles continuariam a matar sem se importar com nada.

As pessoas perderam os parâmetros, os princípios básicos de humanidade. A educação não existe. Respeito ao próximo também não tem mais.

Este tipo de pessoa tem recuperação?

Enquanto seres humanos nós temos que acreditar que sim. Mas, infelizmente, algumas pessoas nascem estragadas e, muitas vezes, o que está estragado não tem volta. Por mais que vá para um sistema prisional, que seja exposto a alguma medida de recuperação, este não é o objetivo destas pessoas. Elas não querem isso.

Em sua opinião, até que ponto, jovens que praticam crimes tão violentos são o resultado de uma sociedade que não lhes dá oportunidade?

O caráter se forma no berço. Não acredito que estes crimes sejam fruto de problemas sociais. Há pessoas que vieram de classes sociais desprivilegiadas, com vida difícil, e que optaram por ser pessoas de bem. Há outras, por outro lado, que tem vida confortável, presença de pai e mãe em casa, tudo de material, e prefere o lado do crime. Trata-se de escolha, opção. E também de falta de Deus.

É comum em seu dia a dia se defrontar com criminosos que passaram por suas mãos quando eram jovens infratores?

Bastante comum. Logo quando vim para esta delegacia, em julho de 2012, tínhamos de 3 a 4 roubos de caminhão em Campo Grande por dia, sempre com vitimas em cativeiro, espancadas. Na investigação, chegamos a um apelido de um dos mandantes dos assaltos, o Pivete, que já estava no sistema prisional comandava os assaltos de lá, com requintes de crueldade. Quando eu ouvi o apelido, logo me lembrei que se tratava de Ítalo Leonel, um jovem que havia passado por mim na Delegacia da Infância por pequenos furtos. Se transformou em um grande líder do PCC. Há vários casos de criminosos que passaram aqui pela Defurv e que tiveram uma vida de crime na infância.

Infelizmente, algumas pessoas nascem estragadas e, muitas vezes, o que está estragado não tem volta.

Que cuidados o cidadão deve ter para evitar ser vitima de uma situação como a que vitimou Erlon?

As pessoas devem ter cuidado ao vender seus veículos. Há aquelas que pensam que as coisas só acontecem com os outros. É um erro. Se vai vender o carro, marque em local público, em uma garagem conhecida, não aceite ir a local ermo encontrar pessoas que não conhece. Leve outras pessoas, deixe contato e informação com a família. Sem estes cuidados é fácil ser vitima de um assalto, de um sequestro ou até de casos piores. E preciso estar alerta.

A senhora gostaria de fazer mais algum comentário?

A colaboração da população com a polícia é fundamental. Sociedade e polícia atuando junto é essencial para um bom trabalho. Portanto, se a pessoa tem alguma desconfiança em relação a qualquer coisa em seu bairro, furto ou roubo de veículo, basta ligar para o telefone 3901-1855 e vamos investigar.

Ouça a entrevista na íntegra.


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