28/03/2024 - Edição 540

Especial

Mal na foto

Publicado em 25/01/2017 12:00 -

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Estudo divulgado na quarta-feira (25) pela ONG Transparência Internacional aponta que o Brasil fechou o ano de 2016 em 79º lugar entre 176 países em ranking sobre a percepção de corrupção no mundo. Além do Brasil, estão empatados em 79º lugar Bielorrússia, China e Índia.

O ranking leva em consideração a percepção que a população tem sobre a corrupção entre servidores públicos e políticos. Quanto melhor um país está situado no ranking, menor é a percepção da corrupção por seus cidadãos.

A pontuação do ranking vai de 0 (extremamente corrupto) a 100 (muito transparente). Segundo o estudo da Transparência Internacional, o índice brasileiro em 2016 é 40 – dois pontos a mais do que em 2015, quando foi 38. Apesar da melhora na pontuação, em 2016, o Brasil caiu três posições em comparação com 2015.

Para a entidade, a posição do Brasil no ranking caiu "significativamente" nos últimos anos devido aos escândalos de corrupção que envolvem políticos e empresários, como os revelados pelas investigações da Operação Lava Jato.

"Apesar disso, o país mostrou neste ano (2016) que, através do trabalho independente de organismos responsáveis pela aplicação da lei, é possível responsabilizar publicamente aqueles antes considerados intocáveis", diz a entidade.

Ranking

Os países que lideram o ranking da corrupção são Dinamarca e Nova Zelândia, com índice de transparência de 90. Entre os cinco países mais bem avaliados também estão Finlândia (com 89 pontos), Suécia (com 88) e Suíça (com 86 pontos).

A entidade destaca que, embora nenhum país esteja livre de corrupção, os países mais bem avaliados no ranking "compartilham características de governo aberto, liberdade de imprensa, liberdades civis e sistemas judiciais independentes".

De acordo com o ranking da Transparência Internacional, a Somália, com 10 pontos no ranking, é o país com maior percepção de corrupção dentre as nações analisadas. O país africano ocupa a última posição no ranking pelo décimo ano consecutivo.

Em um comunicado, a Transparência Internacional cita que 69% dos 176 países analisados no estudo tiveram pontuação menor que 50. Isso, segundo a entidade, expõe "quão universal e sólida é a corrupção do setor público em todo mundo".

"Neste ano mais países caíram no índice do que melhoraram, mostrando a necessidade de ação urgente", afirma o relatório.

Ao citar exemplos de casos de corrupção nos últimos anos, a Transparência Internacional cita o escândalo da Petrobras, investigado pela Operação Lava Jato; os escândalos que levaram à queda e à fuga do ex-presidente da Ucrânia Viktor Yanukovych em 2014; e escândalos de corrupção na FIFA, que investigam, entre outros pontos, a compra de votos na escolha de sedes da Copa do Mundo.

América Latina

A desigualdade, o populismo e a corrupção são o trio que atrapalha o progresso da América Latina, segundo Alejandro Salas, diretor regional da Transparência Internacional.

“Na América Latina, a corrupção não é um problema genético. Não é algo que se encontre em todas as partes. Que haja ou não dependa da força das instituições democráticas”, declarou.

Do total de 19 países latino-americanos, a maioria teve uma avaliação ruim: 11 caíram na classificação, 4 se mantiveram estáveis e apenas 4 melhoraram, afirmou o especialista.

Entre os que mais caíram em sua classificação na região foram o México, que perdeu 5 pontos (123º) e o Chile 4 (24º). “No caso deste último país, houve um ‘efeito surpresa’. Mas houve questionamentos por casos de corrupção em torno da presidente (Bachelet), ou de empresas que participaram financiando campanhas políticas. Mas o Chile continua entre os mais bem classificados da América Latina. Conta com uma polícia limpa, uma justiça profissional, acesso à informação. Tem uma tradição digna de se destacar, mas, precisamente por isso, esses problemas são percebidos”.

“Em compensação, o caso do México não surpreende, já que tem explicações mais fáceis e diretas”, afirmou, destacando três fatores: não se cumpriu com um plano de luta contra a corrupção, há muita corrupção na administração e pouca efetividade da justiça para castigar os casos de corrupção.

“Há muita impunidade. Isso afeta o jornalismo: o México conta com a maior quantidade de jornalistas assassinados (…) É uma combinação de fatores”, argumenta.

O tamanho do país contribui

“No caso da Argentina (95º), que tem uma classificação muito baixa, acontece uma mudança de governo e, com isso, uma mudança nas instituições e, portanto, uma maneira de perceber as coisas”.

No Brasil (79º), “há uma espécie de máfia econômico-política. Mas também conta com instituições fortes. Promotores, juízes, a Polícia Federal”, enumera.

Se de um lado está o Chile e do outro lado a Venezuela (166º, pior país latino-americano), “a diferença é que, no segundo, o Poder Executivo é dono e senhor do controle das instituições, com exceção agora do Parlamento”, explicou.

Segundo o especialista, o tamanho do país é um fator que pode contribuir, apesar de não ser algo diretamente ligado.

“Países grandes, com sistemas federais, como o México, o Brasil e a Argentina têm instituições que funcionam muito bem, mas também existem outros países dentro do mesmo, como, por exemplo, podemos dizer que há muitos ‘Brasiles’. Em compensação, os países menores costumam ser mais regulares, apesar de, em muitos, também haver muita corrupção”, acrescentou.

Trump, populismo e valores

Salas considera muito oportuno citar as recentes eleições americanas. “O discurso de Trump retoma uma preocupação social por causa das desigualdades, atacando as elites no poder. Utilizou até o cansaço a expressão ‘devolver a voz ao povo'”, destacou.

No entanto, os Estados Unidos ocupam o posto 18º, ou seja, se encontra na “parte boa” da tabela de classificação da TI. “Para lutar contra a corrupção não há fórmulas mágicas.

É preciso que haja instituições, informação, uma justiça independente do poder político”.

“Muitas vezes, a corrupção tem um valor secundário. Há pessoas que admiram quem quebra as regras, o valor de ser rico. Ter é muito mais importante que o respeito à vida”, lamenta.

Jeitinho

Corrupção. Segundo o Aurélio, “Ação ou efeito de corromper, de fazer degenerar; depravação. / Ação de seduzir por dinheiro, presentes etc., levando alguém a afastar-se da retidão; suborno”. Santo Agostinho explica a etimologia: corrupção é ter um coração (cor) rompido (ruptus) e pervertido. O pessoal da Transparência Internacional – tem uma definição mais contemporânea: “Corrupção é o abuso do poder para benefício privado”.

Ocorre que estas definições encontram variantes dependendo de a quem o ato de corromper ou ser corrompido se refere. No Brasil, o eterno “jeitinho” muitas vezes transita pela corrupção sem que as pessoas se deem conta de que é exatamente ali, nas coisas comuns do dia a dia, que é plantado o fruto da permissividade que transforma o Brasil na 79ª nação mais corrupta do planeta.

Segundo recente estudo da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) anualmente a corrupção suga R$ 100 bilhões dos cofres públicos. Se aplicado na saúde, este montante permitiria um aumento de 89% no número de leitos nos hospitais. Na educação, abriria 16 milhões de novas vagas nas escolas, na construção civil, viabilizaria a construção de 1,5 milhões de casas.

Para o jornalista e analista político Eron Brum, o jeitinho brasileiro, que era uma qualidade nossa – enfrentar as dificuldades com otimismo, rir das próprias desgraças, dar nó em pingo d’água para dar a volta por cima e não medir esforços para ajudar o próximo – se transformou em atividade ilícita, criminosa.

“Hoje o tal jeitinho é sinônimo de levar vantagem, custe o custar, doa a quem doer. As ‘pequenas corrupções’, como furar a fila do banco ou do supermercado ou tentar subornar o guarda, ganharam corpo e se transformaram em milhões, bilhões de reais assaltados dos cofres públicos por alguns governantes”, afirma Brum.

“É uma relação de conveniência e o exemplo que considero mais comum é o das eleições. O nosso interesse eleitoral acontece apenas algum tempo antes de apertar a tecla para votar. Não temos o costume de analisar a vida do candidato, até nos esquecemos em quem votamos e, para nós, todos os políticos são corruptos. Ora, se consideramos todos os políticos corruptos será que não temos a nossa parcela de culpa? E se fizermos uma espécie de operação pente fino no nosso cotidiano será que também não cometemos as nossas falhas, até para depois contar aos amigos que levamos vantagens nisto ou naquilo? Há alguns anos, no auge do famoso Mensalão, um instituto de pesquisa realizou consulta nacional sobre corrupção e o resultado foi desolador: a maioria dos brasileiros confessou que, se tivesse oportunidade, cometeria o mesmo crime”, analisa Eron Brum.

Público e privado

Para Paulo Silvino Ribeiro, professor de sociologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a corrupção e a falta de "sensibilidade moral" acontece quando se confunde as esferas públicas e privadas, coisa historicamente comum no Brasil. "As duas coisas, que deveriam ser distintas, onde aquilo que é de meu interesse é privado e o que é público é de interesse coletivo, se tornaram indistintas na nossa cultura. Hoje, entendemos melhor o privado e o público, mas há um ranço histórico muito grande", explica. 

Marcos Otávio Bezerra, professor de sociologia e antropologia da Universidade Federal Fluminense, diz que a formulação de falta de delimitação entre o público e privado pode ser fraca quando se pensa praticamente. “As pessoas que se apropriam dos recursos públicos sabem que estão fazendo isso. Inclusive, por serem públicos, elas acham que podem dar um outro destino, voltado para seu interesse”.

Segundo ele, a corrupção dentro das instituições públicas é agravada pelo exemplo que as autoridades deveriam dar e pela total consciência do que se está sendo feito. “Essas pessoas estão ocupando funções públicas, os políticos e pessoas que ocupam posições no executivo têm a obrigação de dar o exemplo. Elas estão numa posição que trabalham em prol do público, pelo menos deveriam. E tem essa visibilidade. As pessoas pensam ‘se eles fazem eu vou fazer também’, então é um mau exemplo. Elas estão nas posições mais altas na hierarquia brasileira e funcionam como um contraponto para o cidadão”, critica.

“Além disso, as pessoas que ocupam essas posições tiveram as melhoras oportunidades de vida, moraram bem, estudaram, tem salários adequados para a vida delas, elas, em tese, não precisariam fazer o que elas fazem. Não é por falta de informação, recursos econômicos”, completa.


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