18/04/2024 - Edição 540

Especial

A corrupção tratada com o descaso de sempre

Publicado em 01/12/2016 12:00 -

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Depois de um longo de constrangedor silêncio, a classe média brasileira, que sustentou em sua maioria a derrubada da presidente Dilma Roussef (PT) – sob o argumento de dar um basta na corrupção e nos desmandos da política brasileira – voltou a se manifestar na quinta-feira (30). Diversas cidades registraram panelaços em apoio à Operação Lava Jato e contra as modificações feitas pela Câmara dos Deputados no projeto de medidas contra a corrupção (leia o projeto na íntegra).

Na calada da noite (na madrugada do dia 30) – enquanto o país lamentava a tragédia do Chapecoense – os deputados desfiguraram o pacote que reúne um conjunto de medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público Federal e avalizadas por mais de 2 milhões de assinaturas de cidadãos encaminhadas ao Congresso Nacional.

Os deputados aprovaram diversas modificações no texto que saiu da comissão especial. Diversas propostas foram rejeitadas e outros temas polêmicos foram incluídos. Das dez medidas originais, somente quatro passaram, ainda assim parcialmente.

O texto original do pacote anticorrupção tinha dez medidas e foi apresentado pelo Ministério Público Federal. Na comissão especial da Câmara que analisou o tema, uma parte das sugestões dos procuradores da República foi desmembrada e outras, incorporadas ao parecer do relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS). As discussões foram acompanhadas pelo Ministério Público, que deu o seu aval ao texto construído. Apesar disso, a sociedade pouco sabe sobre as propostas originais, que são apontadas por alguns setores da sociedade como autoritárias.

As propostas retiradas
Veja as propostas retiradas pelos deputados:

– Acordos de leniência
Os deputados rejeitaram a proposta que previa que os acordos de leniência (espécie de delação premiada em que empresas reconhecem crimes em troca de redução de punição) fossem celebrados pelo Ministério Público.

– Enriquecimento ilícito de funcionários públicos
Outro trecho retirado tornava crime o enriquecimento ilícito de funcionários públicos e previa o confisco dos bens relacionados ao crime.

– 'Reportante do bem'
Um dos itens mais caros ao relator que ficaram de fora previa a criação da figura do "reportante do bem" para incentivar o cidadão a denunciar crimes de corrupção em qualquer órgão, público ou não. Como estímulo, o texto dele previa o pagamento de recompensa em dinheiro para quem fizesse isso.

– Prescrição de penas
Também foram derrubadas as mudanças para dificultar a ocorrência da prescrição de penas, que é quando o processo não pode seguir adiante porque a Justiça não conseguiu conclui-lo em tempo hábil.

– 'Confisco alargado'
Com o objetivo de recuperar o lucro do crime, o texto previa o chamado "confisco alargado", em casos como o de crime organizado e corrupção para que o criminoso não tivesse mais acesso ao produto do crime para que não continuasse a delinquir e também para que não usufruísse do produto do crime. Esta proposta, porém, foi rejeitada.

– Acordos entre defesa e acusação
Outro ponto que não passou foi o que permitia a realização de acordos entre defesa e acusação no caso de crimes menos graves, com uma definição de pena a ser homologada pela Justiça. O objetivo era tentar simplificar os processos.

– Responsabilização de partidos
O plenário rejeitou pontos do relatório que previam a responsabilização dos partidos políticos e a suspensão do registro da legenda por crime grave.

'Sede de vingança'
Após a sessão, o deputado Onyx Lorenzoni lamentou o resultado e disse que os parlamentares agiram movidos "por sede de vingança" contra o Ministério Público e o Judiciário. Para ele, houve uma "desconfiguração completa do relatório".

"O parecer não era meu, era da sociedade brasileira que tinha depositado as suas esperanças na Câmara dos Deputados. Lamentavelmente, o que a gente viu aqui foi uma desconfiguração completa do relatório, ficando de pé, objetivamente, apenas as medidas de estatísticas e a criminalização do caixa 2", afirmou Lorenzoni.

"E trouxeram essa famigerada situação de ameaça, de cala-boca, de agressão ao trabalho dos investigadores brasileiros. Creio que a Câmara perdeu a chance de prestar um serviço ao Brasil. E, movidos por uma sede de vingança contra o MP e contra o Judiciário, acho que começaram uma crise institucional que deve se agravar nos próximos meses", disse Lorenzoni.

No plenário, o líder do PDT, deputado Weverton Rocha (MA), afirmou que a aprovação da possibilidade de punição de promotores e juízes por abuso de autoridade representará o "fim de privilégios". “A primeira medida deste pacote deveria ser o fim dos privilégios e abusos de poder da categoria deles. Não pode haver castas”, declarou Rocha.

Na saída do plenário, ao ser questionado por jornalistas sobre a votação, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), limitou-se a dizer que a votação foi o "resultado democrático do plenário".

Abuso de autoridade
Além de retirarem diversas propostas, os deputados incluíram no projeto a proposta de punição de juízes e membros do Ministério Público por abuso de autoridade.

Essa previsão havia sido incluída pelo relator do texto, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), mas retirada pelo próprio relator posteriormente.

A emenda foi apresentada pela bancada do PDT e lista as situações em que juízes e promotores poderão ser processados, com pena de seis meses a dois anos de reclusão. A legislação atual já prevê o crime de abuso de autoridade, mas é mais genérica.

Entre as condutas que passariam a ser crime estariam a atuação dos magistrados com motivação político-partidária e a apresentação pelo MP de ação de improbidade administrativa contra agente público "de maneira temerária". Nesse caso, além de prisão, os promotores também estariam sujeitos a indenizar o denunciado por danos materiais e morais ou à imagem que tiver provocado.

Pontos aprovados
Veja abaixo alguns dos pontos do pacote aprovado pela Câmara:

– Responsabilização dos partidos políticos e tipificação do caixa dois eleitoral
Os candidatos que receberem ou usarem doações que não tiverem sido declaradas à Justiça eleitoral irão responder pelo crime de caixa dois, com pena de dois a cinco anos de prisão. O texto prevê multas para os partidos políticos.

Se os recursos forem provenientes de fontes vedadas pela legislação eleitoral ou partidária, a pena é aumentada de um terço.

– Abuso de responsabilidade a juízes e integrantes do Ministério Público
Entre as condutas que passariam a ser crime estariam a atuação dos magistrados com motivação político-partidária e a apresentação pelo MP de ação de improbidade administrativa contra agente público "de maneira temerária". Nesse caso, além de prisão, os promotores também estariam sujeitos a indenizar o denunciado por danos materiais e morais ou à imagem que tiver provocado.

A pena prevista no texto aprovado é de seis meses a dois anos de reclusão.

– Prevenção à corrupção, transparência
Os tribunais terão que divulgar informações sobre o tempo de tramitação de processos com o propósito de agilizar os procedimentos.

– Aumento das penas e inserção de tipos na Lei de Crimes Hediondos
Eleva a pena para diversos crimes, incluindo estelionato, corrupção passiva e corrupção ativa. Esses delitos serão considerados hediondos quando a vantagem ou prejuízo para a administração pública for igual ou superior a dez mil salários mínimos vigentes à época do fato.

– Ações populares
Reforça as regras para a apresentação de ações populares, que já está prevista na legislação brasileira. O texto especifica que, se a ação for julgada procedente, o autor da ação terá direito a retribuição de 10% a 20% a ser paga pelo réu.

– Recursos
Estabelece regras para limitar o uso de recursos com o fim de atrasar processos.

No Senado

Após a aprovação na Câmara, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), colocou em votação um requerimento de urgência para que o projeto fosse votado pelos senadores ainda na noite de quarta-feira (30), mas não conseguiu.

No painel eletrônico, 44 senadores votaram contra a urgência e 14 a favor. Com a rejeição do requerimento, o projeto anticorrupção foi encaminhado para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde deverá ser debatido antes de ser votado pelo plenário.

O requerimento, apresentado por líderes de PMDB, PSD e PMDB, combinava artigos do regimento interno do Senado para que o projeto fosse colocado em regime de urgência e incluído na ordem do dia, ou seja, poderia ser votado já nesta quarta-feira.

A atitude de Renan causou indignação de parlamentares contrários à forma como o projeto foi aprovado pela Câmara, desfigurado, com várias modificações em relação à proposta original do Ministério Público.

Terminada a sessão, Renan Calheiros disse que apenas colocou o regime de urgência e que achou “muito bom” que o plenário tenha derrubado a medida.

“Houve um requerimento de senadores pedindo a urgência e a inclusão da matéria na pauta. Não havia outra solução que não consultar o plenário, deixar o plenário decidir. E o plenário decidiu que a matéria não era urgente”, disse. "Foi muito bom o plenário decidir que essa matéria não requer um tratamento de urgência, porque ela vai tramitar demoradamente na CCJ”, acrescentou.

Durante a sessão, vários senadores protestaram contra a análise do requerimento, mas Renan Calheiros insistiu em colocá-lo em votação.

O senador Cristovam Buarque afirmou que Renan “estava cometendo um abuso de autoridade para combater o abuso de autoridade”.

“Hoje não é o momento de votar questões polêmicas”, disse o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Segundo ele, a aprovação na Câmara, na madrugada, não foi bem recebida na sociedade.

O líder do governo, senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) também se posicionou contra. Ele argumentou que o projeto tinha sido aprovado na madrugada e ainda não era de conhecimento dos senadores. "Não nos coloquemos hoje na contramão da opinião pública brasileira. Vamos verificar que existe vida lá fora, que não há apenas vida no plenário [..] Eu peço aos meus colegas o voto contra a urgência, para que nós possamos analisar essa matéria com o devido cuidado”, afirmou.

O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), disse que o presidente do Senado estava mudando o regimento da Casa para de forma “açodada” votar um projeto de autoria do Ministério Público, avalizado pela população, mas que foi “desfigurado” pela Câmara dos Deputados.

"No momento em que existe um ambiente de combate à corrupção no País, nós pensamos em dispositivos que na prática inibirão a atuação da principal instituição que faz o combate, que é o Ministério Público […]. É anacrônico”, disse Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Reação em cadeia

A ação dos deputados gerou uma reação em cadeia. Procuradores da Operação Lava Jato afirmaram que podem renunciar coletivamente caso a proposta de abuso de autoridade entre em vigor. A medida foi inserida no texto das dez medidas contra a corrupção pela Câmara.

"A nossa proposta é renunciar coletivamente [à Lava Jato] caso essa proposta seja sancionada pelo presidente", afirmou Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da República e um dos coordenadores da força-tarefa, durante entrevista coletiva.

A ideia dos procuradores é abandonar a força-tarefa da Lava Jato e voltar às suas atividades habituais. Nesse caso, caberia à Procuradoria-Geral da República (PGR), que instaurou a força-tarefa, designar outros procuradores para a função ou decidir se encerraria a equipe. "Muito mais valerá a pena fazer um parecer previdenciário do que se arriscar a investigar poderosos", disse Lima.

Os procuradores ainda acusaram "grandes líderes partidários e líderes do governo" de Michel Temer (PMDB) de articular a votação da madrugada.

"O Congresso Nacional sabia muito bem o que estava fazendo", disse o procurador Deltan Dallagnol, um dos idealizadores das dez medidas. "Essas propostas [aprovadas] são a favor da corrupção. Dizem muito claramente a que vieram."

"Não é somente o governo federal; estamos falando de partidos que hoje se dizem na oposição", disse Lima. "Isso se estende por todo o espectro político-partidário brasileiro, salvo honrosas exceções de pequenos partidos."

Dallagnol ainda afirmou que "até o governo Dilma avançou propostas contra a corrupção muito melhores que as que foram aprovadas".

Em nota lida durante a entrevista, os procuradores disseram que a votação desta madrugada foi "o começo do fim da Lava Jato". "É o golpe mais forte contra a Lava Jato em toda a sua história", disse Dallagnol.

Para os procuradores, os deputados foram movidos por "um espírito de autopreservação".

"O objetivo é 'estancar a sangria'. Há evidente conflito de interesses entre o que a sociedade quer e aqueles que se envolveram em atos de corrupção", disseram, em nota.

A menção a sangria remete a gravação divulgada do senador Romero Jucá (PMDB-RR).

Ainda afirmaram que a aprovação do crime de abuso de autoridade em meio às dez medidas "instaura uma ditadura da corrupção".

Participaram da coletiva 11 dos 13 procuradores que integram a força-tarefa –um deles estava em férias, e outro em audiência.

O grupo ainda destacou que o projeto votado na madrugada "foi aprovado no conchavo", sem discussão, e "aproveitando-se de um momento de luto e consternação nacional", em referência ao acidente aéreo com o time Chapecoense. "Quem foi ludibriada pelo Congresso foi a população. Por que os deputados fugiram do debate público?", disse Lima.

Leia nota na íntegra feita pelos procuradores da Lava Jato

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, demonstrou certa contrariedade com o discurso dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato. Segundo o chefe do Ministério Público Federal, a declaração dos procuradores pode ter sido uma "reação de cabeça quente". "A resposta tem que ser institucional e profissional", afirmou.

Janot afirmou ainda que ficou "estupefato" com a postura da Câmara de alterar o projeto proposto pelo Ministério Público. Sobre a tentativa fracassada do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de tentar votar o projeto a toque de caixa na noite passada na Casa, ele disse: "Nem o Bolt [Usain Bolt, velocista jamaicano] teria tanta velocidade para lançar uma proposta. Não sei qual o espírito de Bolt que foi incorporado pelo presidente do Senado".

No STF

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Carmen Lúcia, divulgou nota oficial na qual lamentou a inclusão no projeto anticorrupção aprovado pela Câmara de medidas que, segundo ela, podem afetar a independência do Judiciário.

Cármen Lúcia afirmou respeitar a separação de poderes, mas frisou que cabe ao Judiciário garantir a democracia. Ela disse que magistrados já foram cassados "em tempos mais tristes" e que se pode "calar o juiz", mas não se conseguirá "calar a Justiça".

"[A ministra Cármen Lúcia] não pode deixar de lamentar que, em oportunidade de avanço legislativo para a defesa da ética pública, inclua-se, em proposta legislativa de iniciativa popular, texto que pode contrariar a independência do Poder Judiciário", diz o texto da nota.

Segundo a nota de Cármen Lúcia divulgada pela assessoria do STF, "já se cassaram magistrados em tempos mais tristes. Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça".

Associações criticam mudanças

Associações que representam procuradores da República e juízes também criticaram a desfiguração do pacote anticorrupção.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) repudiou o que chamou de “desvirtuamento” do pacote original, com “tamanhos e tão profundos” cortes no texto inicialmente enviado ao Congresso, avalizado pelo apoio de mais de 2 milhões de pessoas.

“Sem qualquer discussão, foi aprovado um texto improvisado de proposta que busca intimidar e deixar a atuação livre e independente das magistraturas nacionais sujeita à vingança privada”, diz a nota, assinada pelo presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) manifestou apoio às palavras da presidente do STF.

A Ajufe fez referência direta à proposta em andamento no Senado que amplia as hipóteses de punição de juízes por crimes de responsabilidade, expressando “profunda preocupação”.

“Soa inoportuna, e até intimidatória, a proposta de projetos de lei buscando criminalizar a atuação dos juízes, justamente quando a atuação do Judiciário tem sido mais efetiva no processamento dos feitos que têm por objeto atos de corrupção”, diz a nota da Ajufe, assinada pelo presidente da entidade, Roberto Carvalho Veloso.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) também protestou contra a “versão desconfigurada” do projeto original. Para a entidade, o texto da Câmara deixa o Judiciário e o Ministério Público “reféns daqueles que tentam enfraquecer a atuação dessas carreiras”, apontando “um conjunto de atentados à democracia” e à independência das duas instituições.

“O projeto aprovado favorece a corrupção e submete a magistratura e o MP ao poder político, transformando em acusados aqueles que lutam contra a corrupção permitindo que sejam julgados por investigados”, diz trecho da nota assinada pelo presidente da AMB, João Ricardo Costa.

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) também se manifestou contra o texto aprovado na Câmara. Na avaliação da entidade, houve por parte dos deputados uma tentativa de “intimidar" magistrados e integrantes do Ministério Público.

“O povo, a Magistratura trabalhista e nacional, o Ministério Público e todas as carreiras responsáveis pela integridade do Estado brasileiro não podem aceitar que diversos atores denunciados por ilícitos cometidos contra o patrimônio público promovam reformas que ao mesmo tempo objetivem inibir a ação dos agentes do sistema de Justiça e lhes assegurem a sombra confortável da impunidade”, diz a Anamatra, em nota assinada pelo presidente da associação, Germano Silveira de Siqueira.

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), que é composto por procuradores-gerais do Ministério Público dos estados e da União, classificou de "manobra" as mudanças feitas no texto pelos deputados. A entidade se disse indignada com o que classificou de "descaracterização do projeto de lei de iniciativa popular destinado a combater a corrupção".

Não somos obrigados…

Diante da polêmica sobre o pacote anticorrupção, o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que críticas são "bem-vindas", mas acrescentou: "Não somos obrigados a aprovar tudo que chega nesse plenário".

Maia disse ainda, que as prerrogativas do Legislativo precisam ser respeitadas. "Não podemos aceitar que a Câmara se transforme em cartório carimbador de opiniões de partes da sociedade", concluiu.

"Aqueles que queiram participar do processo legislativo, que é cativante, que é apaixonante, em 2018 nós teremos eleições", ironizou o deputado. "Não somos obrigados a aprovar tudo que chega nesse plenário", completou, em um discurso no plenário da Câmara.

Antes das declarações, Maia recebeu líderes em seu gabinete. Acompanhado dos parlamentares, também concedeu uma entrevista à imprensa.

A jornalistas, o deputado negou que o pacote aprovado, com previsão de punição a procuradores e juízes, seja uma retaliação. "O poder Legislativo precisa ter suas prerrogativas respeitadas. Por mais que alguns considerem que o avanço não foi da forma como se gostaria, todos participaram de debates aqui na Casa", disse.

Moro

O juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato na primeira instância, participou na quinta-feira (1º) de sessão de debates no Senado sobre o projeto de lei que define crimes de abuso de autoridade. Mesmo sem fazer menção ao caso, Moro aproveitou para criticar a votação na Câmara do pacote anticorrupção. "Essas emendas da meia-noite que não permitem debate da sociedade mais aprofundado do Parlamento não são apropriadas em temas tão sensíveis."

Na quarta-feira (30), Moro enviou ao Senado uma sugestão ao projeto (de abuso de autoridade) que atualiza a legislação sobre casos do gênero. No documento, ele recomendou inserir no texto um item que veta a criminalização da "divergência na interpretação da legislação penal e na avaliação de fatos e provas".

Na abertura da sessão, o presidente do Senado, Renan Calheiros, fez um longo discurso em defesa da proposta. Ele começou sua fala dirigindo-se diretamente a Moro. "A minha segunda palavra, excelentíssimo juiz Sergio Moro, é de reflexão. O consenso supera o confronto. A concórdia prevalece sobre o dissenso. A compreensão e o entendimento afastam a discórdia. As soluções negociadas para as divergências são sempre possíveis, por mais distantes que possam parecer", afirmou.

O senador negou que o projeto tenha qualquer intenção de "intimidação de autoridades no exercício regular de suas funções". "Tenha-se a santa paciência. Não se pune a autoridade, mas o abuso exatamente para garantir a autoridade. O projeto ainda é ameno, bastante ameno", completou.

Moro, por sua vez, afirmou que a aprovação da proposta de uma lei de abuso de autoridade, nos moldes propostos, pode "passar uma mensagem errada à sociedade brasileira".

"Uma nova lei de abuso de autoridade poderia ser interpretada nesse momento com tendo efeito prático de tolher investigações e persecuções penais. Faço essa sugestão com humildade", disse o juiz, muito aplaudido ao final de sua fala. "Não quero censurar o que faz o Senado. Mas o Senado pode passar imagem errada à sociedade brasileira", completou.

Moro disse que teria "várias sugestões" para o projeto de abuso de poder que tramita no Senado, mas ali no plenário se restringiria a uma: preservar o agente da lei para que ele não seja punido "por uma interpretação errada de uma lei de abuso de autoridade".

O juiz sugeriu incluir no projeto que "não configura crime a divergência na interpretação da lei e na interpretação de fatos e provas". Moro disse ainda que acredita não estar na hora de votar o projeto. "Não é o momento para uma deliberação considerando o contexto com diversas investigações em curso", inclusive a Operação Lava Jato.

Contraponto

Pontos que são pouco ou nada discutidos do projeto substitutivo das 10 medidas arrepiam juristas ligados aos direitos humanos, os quais defendem que, ainda que a anistia do caixa dois seja deixada de lado, a aprovação do pacote seria uma catástrofe no processo penal brasileiro e pode sem dúvidas ser um catalisador no nível de encarceramento no país, que já é um dos mais altos do mundo.

Uma das maiores preocupações é a importação do plea bargain, o instituto norte-americano em que a acusação negocia a pena com o acusado em troca da confissão. Essa medida foi responsável por condenar um número incalculável de inocentes e tornou a nação a mais encarceradora do mundo. “Lá a maioria dos estudiosos percebeu que não deu certo, aqui querem importar essa fórmula ineficaz e perversa”, avaliou o Juiz de Direito Rubens Casara.

Para o Advogado Criminalista Antônio Pedro Melchior, a aprovação do plea bargain seria “o fim do Processo Penal como exercício da jurisdição, porque a gente sabe como essas negociações entre acusado e MP funcionam” – argumenta.  

Já a Advogada Criminalista Maíra Machado se assusta com a criação de comissões para apuração de corrupção fora do espectro dos órgãos de acusação brasileiros, como uma reedição do setor da ditadura militar responsável por macartismo e perseguição de funcionários dentro do serviço público – mais uma proposta absurda em nome da guerra anti corrupção. Essa proposta, ao que parece, Reintroduz o Serviço Nacional de Informações – SNI, mas de modo melhor estruturado”.

Especialistas frisam que o projeto original já havia sérios riscos à Constituição e à população mais fragilizada, mas, embora esse substitutivo tenha corrigido alguns erros grosseiros, seus recortes tornaram a proposta tão danosa quanto as que saíram do forno do Ministério Público Federal. Neste lado, pelo cenário político apresentado, juristas vêem-se diante do autoritarismo.

Debate enviezado?

O debate sobre o pacote das “10 medidas contra a corrupção”, proposto pelo Ministério Público Federal, ganhou ares de embate entre paladinos da justiça e corruptos maquiavélicos, especialmente com a tentativa malfadada de emplacar a anistia ao caixa dois. Para além desse debate, no entanto, há um outro confronto na análise das “10 medidas”, no qual os integrantes do Ministério Público Federal, incluindo os que atuam na Lava Jato, estão na posição oposta: a de criticados.

As críticas vêm de entidades que fornecem assistência jurídica à população pobre ou atuam para garantir o direito de defesa, como a Defensoria Pública Estadual do Rio de Janeiro — a mais antiga do país —, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e a Associação Juízes para a Democracia (AJD).

As "10 medidas" têm como espinha dorsal o aumento de penas e a redução de recursos disponíveis para pessoas acusadas de crimes em geral. A proposta se deve à constatação de que muitas operações anticorrupção realizadas no Brasil antes da Lava Jato não resultaram em punições a pessoas poderosas ou ricas, que conseguem contratar bons advogados.

Para as entidades críticas ao pacote do Ministério Público, contudo, o endurecimento penal proposto pelas "10 medidas" não reduziria a corrupção, atingindo as pessoas mais pobres, sem dinheiro para pagar advogados, acusadas de crimes comuns como furto e roubo.

No dia 22, durante reunião da comissão especial da Câmara sobre o tema, alguns deputados deram voz a esse receio. “Quem assinou [o projeto], assinou de boa fé, porque queria combater a corrupção. Mas 'como' se combate a corrupção? Não podemos deixar que isso seja uma violação ao Estado de Direito”, disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).

Desde 2012, três novas leis aprimoraram o combate ao desvio de dinheiro público: a Lei Anticorrupção, sobre organização criminosa e sobre lavagem de dinheiro.

A campanha ‘10 medidas em xeque’

A proposta original do Ministério Público reunia vinte projetos de lei. Diversos itens levantaram preocupação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, órgão do governo fluminense que presta assessoria jurídica a quem não tem condições de pagar advogado.

Tal como o Ministério Público Federal fez ao apresentar as "10 medidas", lançando um site com vídeos e textos explicativos, a Defensoria do Rio de Janeiro também colocou no ar uma campanha, mas com críticas ao projeto, chamada "10 medidas em xeque". A iniciativa do órgão fluminense recebeu o apoio de diversas entidades civis, entre as quais o IDDD, o IBCCrim e a AJD.

Durante a tramitação na comissão especial da Câmara, o pacote do Ministério Público perdeu alguns trechos e ganhou outros, contemplando parcialmente a Defensoria do Rio e essas entidades. O texto que chegou ao plenário da Casa foi consolidado pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS).

Crise atinge Temer

O Palácio do Planalto avalia que a disputa entre o Congresso e o Ministério Público sobre a votação do pacote anticorrupção virou uma "marcha da insensatez", com todos os lados errando na abordagem do tema depois que a Câmara dos Deputados aprovou que juízes e procuradores podem ser processados por abuso de autoridade.

Segundo assessores presidenciais, o governo concorda que Judiciário e Ministério Público não podem estar acima da lei e precisam ser submetidos a determinadas regras para evitar abusos, mas debater o assunto hoje só contribui para acirrar ânimos.

O governo Temer temia que a decisão da Câmara viesse a contribuir para piorar ainda mais o clima de tensão política. Ficou mais preocupado depois dos ataques dos procuradores da Lava Jato aos deputados.

Nas palavras de um assessor de Temer, se os deputados erraram ao tratar do assunto agora, os procuradores exageraram no tom dos ataques, porque as instituições são independentes e precisam ser respeitadas.

O governo vai, agora, trabalhar para que a medida aprovada na Câmara não seja apreciada neste ano pelos senadores e seja debatida mais profundamente em comissões do Senado. O problema é que os senadores também estão discutindo tema semelhante por iniciativa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

A expectativa de assessores presidenciais é que os senadores modifiquem o que consideram excessos aprovados no pacote anticorrupção, como a forma de permitir que magistrados e procuradores sejam julgados por crime de abuso de autoridade e a retirada do endurecimento na lei de improbidade.

O ideal, segundo auxiliares, é que o presidente seja poupado de avaliar eventuais vetos à proposta, o que o poria em confronto com o Congresso em momento em que precisa da base para aprovar reformas.

O presidente disse que não poderia ainda expressar opinião sobre o tema. "Vou esperar o momento certo, depois de o Senado analisar a matéria, para me posicionar sobre vetos ou sanções."

Uma ala do governo, porém, defende que, se a disputa entre Ministério Público e Congresso esquentar ainda mais, o presidente se posicione contra pontos polêmicos da proposta para evitar que protestos ganhem adesões.

O presidente afirmou também que ainda não definiu quem irá para o lugar de Geddel Vieira Lima na articulação política do governo. Chegou a sinalizar que tem tempo para tomar essa decisão, porque não há, na Câmara dos Deputados, nenhuma votação importante do governo.


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