20/04/2024 - Edição 540

Entrevista

O Rei de Havana

Publicado em 25/11/2016 12:00 -

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Me aproximo do prédio arruinado que se eleva por sete andares sobre o Centro Havana, nas proximidades dos muitos tons de verde e azul do mar que beija o Malecón. Observo a fachada depauperada como a de todos os prédios da capital cubana. No looby, um elevador da década de 40. Raridade. Uma senhora carregada de bolsas desembarca. Eu aperto o botão de número 7. Desembarco e esbarro em dois homens rebocando uma parede. “Buenos dias”. Subo um lance de escada e me deparo com uma porta. Toco a campainha.

Um senhor alto, traços retos, vincados, a careca conhecida, abre a porta e me cumprimenta. Veste uma bermuda caqui, uma camiseta cinza, confortável. Me convida a entrar. Passamos pela sala onde uma adolescente (sua filha mais nova) assiste Tv. “Olá”. Por uma porta se revela o azul celeste do céu caribenho que inunda o terraço da cobertura onde o escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez (66) vive há 30 anos.

Ali conversamos por cerca de uma hora sobre literatura, jornalismo, política, sobre Cuba e os cubanos. A tranquilidade que ele expressa, sentado em um canto do terraço, tendo como pano de fundo a exuberante ruína de uma Havana que exala vida, não corresponde ao texto sensual, violento, cru e tão instigante que marca sua obra. Convertido ao budismo em anos recentes, o Gutiérrez com quem converso nada se parece com o fauno lascivo que habita as páginas de suas principais obras. Mas havia algo escondido nas sombras daquele olhar manso.

Ira, desencanto, convicções, esperança e uma profunda empatia com o povo cubano habitam aquela mente criativa cujo objetivo é ver publicado, em vida, todos os seus 21 livros no país em que nasceu e vive.

Como o senhor analisa o atual cenário da literatura cubana?

Vejo a literatura cubana, hoje, em um momento não muito brilhante. Temos que levar em conta que durante muitos anos uma parte dos escritores (cubanos) foram para o exílio, outros poucos ficaram aqui. Tem havido uma situação de censura em muitos casos. No meu caso específico, insisti em ficar em meu país. Quando a Trilogia Suja de Havana foi publicada, em 1998, me demitiram de meu trabalho como jornalista. Me mandarem para a rua. Não publicaram meus livros durante vários anos. Recentemente, alguns anos atrás, começaram a publicar alguma coisa. Hoje tenho 21 títulos publicados em muitos países, entre narrativas, novelas, poesia. Aqui em Cuba, no entanto, são apenas seis ou sete, em tiragens muito pequenas, entre 1200 e 2000 exemplares. Mas, tudo bem, ao menos estou sendo publicado, pouco a pouco. Há outros escritores que tentam fazer algo, mas se diluem muito, se autocensuram.  A situação não é exatamente a melhor para a nossa literatura. Ainda assim, temos que reconhecer que a coisa tem melhorado nos últimos anos. A Trilogia Suja de Havana, no entanto, eles não se atrevem a publicar aqui.

Como consequência o senhor tem poucos leitores em Cuba.

Sim. Tenho poucos leitores aqui. Tenho mais leitores no Brasil, na Alemanha, Espanha, México do que aqui. Aqui, pouca gente me conhece, pois, como disse, meus livros têm pouquíssima tiragem no país.

Entrei em uma pequena livraria de Havana hoje e percebi a inexistência de obras internacionais. Os autores locais também são poucos. Perguntei sobre algum título seu: havia apenas uma pequena edição do “Rei de Havana”, extremamente mau impressa…

Trata-se de uma edição pirata, de baixíssima qualidade. Não se sabe quem editou, mas são de péssima qualidade. É uma situação terrível. Você entra em uma livraria e fica assombrado, pois não há nada para comprar. Há muitos escritores interessantes neste país, mas que neste momento contam com edições mínimas, isso quando são publicados.

O que te fez ficar em Cuba?

Eu tenho direito de viver no meu país. Aqui tenho minha casa, minha família, minha mulher, meus filhos, tudo. Sempre me chamou muito a atenção quando alguns escritores escreviam um livro um pouco complicado e, quando eram confrontados, imediatamente deixavam o país, iam para Miami, etc. Não acredito nisso. Acho que é importante ficar aqui. Eu tenho o direito de escrever sobre a minha gente. Tenho direito e moral suficiente para escrever sobre o que eu queira escrever em meu país, e isso tem que ser respeitado. Esta tem sido a minha atitude. A Trilogia Suja já foi lançada há 18 anos e ainda hoje não foi publicada aqui, mas eu sigo lutando. A cada ano publicam um livro meu aqui em Cuba. Portanto, é preciso insistir, não se pode ter medo.

Eu tenho direito de viver no meu país. Eu tenho o direito de escrever sobre a minha gente. Tenho direito e moral suficiente para escrever sobre o que eu queira escrever em meu país, e isso tem que ser respeitado.

Esta é uma postura romântica e ao mesmo tempo corajosa, pois, apesar desta afirmação de direito, há uma série de dificuldades que esta situação impõem ao senhor. É preciso estar disposto a pagar um preço.

Sim. O preço é, um pouco, como se eu não existisse aqui. Dezoito anos (de vida literária), 21 títulos publicados – alguns poucos em Cuba – e ainda assim minhas obras não são estudadas nas universidades cubanas, os professores cubanos não reconhecem a minha obra, não a conhecem. É como se eu não existisse em meu próprio país. Tenho consciência de que sou um escritor muito antiacadêmico, mas tenho meu próprio espaço.

Há uma mágoa?

Não, não… é o meu carma. Tenho a sorte de poder viajar, pois me mantenho como membro da União Nacional de Escritores e Artistas, e tenho o direito de viajar para onde quiser. Nos últimos anos recebi dezenas e dezenas de convites, mas já não gosto tanto de viajar. Passei muitos anos frequentando feiras de livros, festivais de literatura. Hoje sou mais seletivo. Viajo uma ou duas vezes por ano. Não suporto mais tantas viagens, aviões, aeroportos. Sinto-me, sobretudo, um privilegiado. Como dizia Ernesto Sabato, a grandeza de um homem está em edificar sua própria obra sobre as devastações da vida.

Sua obra tem em Cuba e, especialmente, no povo cubano a grande inspiração. Este povo ainda lhe inspira a escrever?

Sim. Definitivamente o que eu gosto é de escrever sobre Cuba, sobre os cubanos. É o que me interessa. Por exemplo, todos os anos vou a Espanha, onde passo alguns meses. E nunca escrevi um conto sequer sobre a Espanha ou os espanhóis. Poesia sim, mas nenhum conto, nenhuma novela. Não me inspira. Me interessa mais aquilo que está mais próximo do meu conhecimento. Já tenho 66 anos e vivi a vida toda aqui.

Que aspectos do povo cubano lhe trazem mais estímulo para escrever?

O cubano é caribenho, muito impulsivo, um pouco inocente, um pouco ingênuo, muito alegre, mas, ao mesmo tempo, é um ser humano muito afetuoso, precisamente pela pobreza que existe no país. São pessoas que se entregam muito, e isso provoca situações muito literárias, situações que a mim interessa muito desenvolver na literatura.

Há na sua obra situações de extrema crueza, sensualidade, muito desta inocência que o senhor já mencionou, mas, ao mesmo tempo, uma força muito grande, além de poesia. O senhor ainda enxerga o povo cubano desta forma, hoje?

Sim, creio que sim, e seguirá assim por muito tempo. Nós, como os brasileiros, somos uma mescla de africanos e europeus. No caso do Brasil, Portugal, aqui, a Espanha. Em Cuba praticamente não sobraram índios. Creio que, no nosso caso, esta mestiçagem entre africanos e espanhóis nos marcou geneticamente por esta força, pelo fogo, pela dança, pela música, pelo sexo. Me perguntam sobre sexo. Sexo para nós, para os cubanos em geral, é algo muito normal. É algo de que se desfruta tranquilamente. Como em algumas regiões brasileiras em que também houve esta mestiçagem. Aqui faz-se sexo como mais uma forma de expressão cotidiana, como ocorre com a música e com a dança.

É como se eu não existisse aqui. Dezoito anos de vida literária, 21 títulos publicados, e ainda assim minhas obras não são estudadas nas universidades cubanas, os professores cubanos não reconhecem a minha obra, não a conhecem. É como se eu não existisse em meu próprio país.

Estás escrevendo algo novo?

Estou terminando um livro de poesia que comecei a escrever em junho, quando estava na Espanha.

Como surge a poesia para o senhor?

Para mim a poesia é algo inexplicável. Estou tranquilo e, de repente, começa a surgir um poema. Ele vai tomando forma e, quando percebo, em quatro ou cinco meses tenho 50, 60 poemas. Escrevo a mão, depois passo para o laptop. Tenho uma relação diferente com a poesia. Me interessa escrevê-la, mas não tanto publicá-la.

Por quê?

Porque a poesia escrevo para mim. É como uma expressão de minha própria vida, de uma etapa, um momento. Se aparece um editor eu as publico, se não, tudo bem. E são sempre publicações pequenas, sem muita circulação comercial.

Algum novo romance em vista?

Estou sempre pensando em uma ou duas novelas, mas isso já é algo mais sério. Escrevo apenas quando tenho muita necessidade de escrever. Não me agrada que um livro seja um fardo. Não me considero um profissional, escrevo sobre coisas muito autobiográficas muito íntimas.

Como em seu novo livro, “Fabián e o Caos”. É extremamente íntimo.

Sim. Demorei muito a me decidir a escrever este livro. Cerca de 21 anos. É uma novela muito autobiográfica, sobre coisas que aconteceram há muitos anos com um grande amigo meu de infância. Ele era gay e teve que enfrentar uma situação muito difícil aqui em Cuba entre os anos 60 e 70, quando foram para cima dos homossexuais. Foi muito duro. Não foi desagradável, foi duro, injusto. Ele sofreu. Era pianista. Sofreu muito. Fiquei anos pensando se deveria escrever ou não esta novela. Era um amigo muito querido, era como se fossemos família. Havia também um problema ético. Pensava se deveria utilizar sua figura para o romance. Finalmente o escrevi, com pequenas mudanças na realidade. Escrevi por considerar que temos a responsabilidade social de escrever sobre nosso tempo, nossa época, sobre o que nos toca. Me pareceu, finalmente, que valia a pena deixar estes fatos registrados em uma novela. Não sei se a lerão daqui a 50 anos, mas pelo menos estará guardada em uma biblioteca como uma recordação de uma época, de um momento. Penso que isso é valioso.

Foram 26 anos de jornalismo. Um trabalho do qual gosto muito. Sempre havia problemas por conta da censura, mas este embate também me agradava. Quando se quer comportar com certa honradez perante a vida, manter certo orgulho profissional, sempre surgirão problemas.

É como um aviso de algo a não ser repetido.

Acredito que o escritor, de algum modo, tem uma responsabilidade social. Quando você escreve, você não planeja esta responsabilidade, tudo o que você planeja é escrever uma boa história, nada pedagógico. Mas depois, quando a obra está terminada, você se dá conta do que escreveu. Gunter Grass dizia que a responsabilidade social do escritor é a consciência crítica da sociedade. Creio que ele tinha razão. Em muitos casos, o escritor é a consciência crítica da sociedade. A memória da literatura é a memória da humanidade. Se você quer saber sobre a Rússia dos czares, tens que ler Dostoiévski. Se optar por ler livros de história você conhecerá a macro-história, as batalhas, a grande política. Mas, a história das pessoas está em Dostoiévski, em Tolstói, em Pushkin, em todos os grandes que no final do século 19 e início do século 20 falaram desta gente. Creio que é assim, que a literatura age como a micro memória de cada sociedade.

Que escritores o inspiraram?

Na minha infância, lá nos anos 50, eu lia muito histórias em quadrinhos. Só não lia as de bruxas, que me davam muito medo. Fora isso, lia de tudo: Super-homem, Luluzinha, Pato Donald, tudo isso. Tinha uma tia que possuía uma agência de notícias, que vendia revistas, jornais. As revistinhas ficavam ali, à mão, e eu as lia avidamente. Isso se acabou bruscamente quando foram rompidas as relações com os Estados Unidos, no início dos anos 60. Nesta época eu vivia em Matanzas, em uma cidade que possui duas bibliotecas estupendas, e comecei a me enfurnar ali em busca de leitura. Meus quatro avós eram analfabetos, meus pais também não tinham o hábito da leitura. Com 13 ou 14 anos me meti a ler Kafka, Proust, os loucos. Com 17 ou 18 anos me encontrei com “Breakfast at Tiffany's” (“Ao começo do dia”, em português) de Truman Capote. Fiquei impressionado com o livro. Foi ali que me dei conta de que, talvez, quem sabe, um dia pudesse escrever meus próprios livros. O que me chamou a atenção nesta obra é que ela não parecia literatura. Era um texto escrito de forma tão fácil, de um jeito aparentemente fácil, em primeira pessoa, um tema comum, que poderia se passar com um homem comum. Um homem que conversa com o bartender sobre aquela mulher que estava perdida, etc, e do nada surge um relato maravilhoso. Pensei: gosto disso.

Foi um ponto de ruptura?

Sim. Este momento ficou em minha cabeça, em meu subconsciente, e me influenciou por toda a vida. Foi quando comecei a escrever contos e poemas, e a viver intensamente, como um louco, pois me era claro que eu não queria estudar literatura. Me pareceu que o estudo da literatura poderia barrar minha audácia, minha ousadia, minha capacidade de experimentação. Me dediquei, então, a escrever e esconder os textos, não gostava deles. E assim fui levando. Fiz arquitetura, estudei jornalismo na Universidade de Havana e acabei trabalhando como jornalista, algo que eu nunca havia imaginado fazer.

Foi um longo caminho na profissão.

Sim. Foram 26 anos. Comecei com 22 e prossegui até os 48. Fiz de tudo no jornalismo: revista, agência de notícia, tv, rádio. E é um trabalho do qual gosto muito. Sempre havia problemas por conta da censura – este tema não, aquele tema tão pouco, etc – mas este embate também me agradava. Faz parte da vida, não é? Nada vem do jeito que queremos e quando queremos. Quando se quer comportar com certa honradez perante a vida, e manter certo orgulho profissional, sempre surgirão problemas. Portanto, isso para mim era normal. Fui levando minha vida de jornalista e escondendo os contos, os poemas. Nunca pedi a um escritor já reconhecido que lesse meu material. Quem sabe por orgulho, por autosuficiência… E fico feliz de não ter feito isso…

Foi em meio a uma pobreza terrível no país, com graves problemas éticos e morais suscitados por esta pobreza, uma geração como a minha, que se considerava enganada, em meio a este desencanto, que comecei a escrever a Trilogia Suja de Havana.

Como surgiu o material que deu origem a “Trilogia Suja de Havana”?

Tinha 44 anos, em 1994. Aqui, nesta casa. De forma muito autodidata, muito autobiográfica. Uma época muito difícil para mim, estava sempre alcoolizado. O país estava no chamado Período Especial, com gravíssimos problemas econômicos que fizeram com que as coisas mudassem completamente para pior. E foi neste caldo, de um país em uma pobreza terrível, com problemas éticos e morais terríveis suscitados por esta pobreza, uma geração como a minha, que se considerava enganada, em meio a este desencanto, que comecei a escrever a trilogia. Desencanto, fúria, ira e depressão também. Em meio a esta mescla escrevi este livro. Foram três anos de trabalho. Estava muito mal, desmoralizado.  Mas tive forças para prosseguir. A Trilogia é um livro totalmente autobiográfico, escrito em uma linguagem coloquial. Alguns ensaístas têm dito que a literatura cubana é uma antes e outra depois da Trilogia. Não sei se é correto ou não.

O senhor relê a obra?

Não posso voltar a lê-la. Sofri muito para escrevê-la. Acontece o mesmo com “O Rei de Havana”. Não quero lê-los novamente.

Algumas pessoas fazem uma comparação – para mim descabida – entre a sua obra e a de Charles Bukowski. O senhor vê similaridades?

Não. Não havia lido Bukowski quando escrevi a “Trilogia Suja de Havana”. Não conhecia sua obra. Também não havia lido Henry Miller. Quando cheguei a Espanha para apresentar a Trilogia começaram a me classificar como o Bukowski tropical, o Henry Miller caribenho. Trata-se de um selo comercial que os editores inventam. Os jornalistas repetem e… Um escritor jovem – eu era jovem, tinha 48 anos -, desconhecido, que se precisava lançar no mundo editorial. Era preciso fazer algo para aproximá-lo de certo público. Com quem vamos compará-lo? Proust? Bukowski? Cervantes? Mas, não vejo nenhuma similaridade, apesar de gostar muito de Bukowski. Ganhei 13 ou 14 livros dele e até hoje recebo novas edições em espanhol. Bukowski escreveu muito, 55 livros. Uma coisa interessante é que em 1960, 1961, com a ruptura com os Estados Unidos, paramos de receber filmes e livros de lá. Hoje em dia, em Cuba, há um grande desconhecimento sobre os escritores que surgiram a partir dos anos 60 em diante. John Cheever, Miller, Bukowski, Richard Ford: há professores de literatura aqui que nunca os leram. Alguns fogem desta regra, pois buscaram ter acesso aos livros de outras formas. Mas aqui não os editaram e nem se importavam estes livros.

O advento da internet e a facilidade de acesso a obras digitalizadas pode mudar este cenário?

Creio que não. Acho que as pessoas não gostam de ler livros eletrônicos. Lhes cansa a vista. Você usa para e-mails, para notícias, mas para ler um livro inteiro, não. Além disso, o livro eletrônico não chegou a Cuba e não creio que vá chegar tão cedo, não nos próximos 10 anos. As vezes sou um pouco pessimista. Temos hoje muitos problemas com a juventude, na Espanha também. Eles cada dia leem menos. Se acostumam com estes aparelhinhos e é o que leem. Quando não estão mergulhados nos joguinhos, o que é pior. Portanto, penso que passaremos por problemas graves, que estão sendo gestados agora, e que estão relacionados aos hábitos de leitura. A internet está sendo uma jogada ruim.

O cubano é muito impulsivo, um pouco inocente, um pouco ingênuo, muito alegre, mas, ao mesmo tempo, é um ser humano muito afetuoso, precisamente pela pobreza que existe no país. São pessoas que se entregam muito, e isso provoca situações muito literárias.

Qual sua análise sobre o jornalismo cubano hoje?

Está muito mal. O jornalismo que se faz em Cuba é o mesmo jornalismo de propaganda (política) que existiu aqui durante muitos anos. E não se planeja fazer um jornalismo mais dinâmico, mais interessante, atrativo, mais independente. O que ocorre é que se faz um jornalismo que interessa à pouca gente. E os próprios jornalistas sabem disso. Não se atrevem a nada mais independente, mais criativo. Não sei… Está surgindo um jornalismo independente pouco a pouco, gente que faz blogs, revistas eletrônicas, mas o acesso à internet aqui é inexistente.

Estas pessoas falam para fora e não para os cubanos…

Exatamente. Meu blog, por exemplo, não é lido aqui. Recebo e-mails e comentários todos os dias, do México, Chile, Coréia, Polônia, Estados Unidos, Canadá, de todas as partes, mas não de Cuba. De Cuba, em três anos de blog, creio que recebi dois ou três comentários. E isso me incomoda demais. Supostamente eu tenho internet, mas não consigo me conectar. Pago um servidor do Ministério da Cultura e não consigo me conectar, parece que por problemas técnicos. Quando entro no Google o que vejo é uma página dizendo “Não é possível estabelecer a conexão”.

É frustrante. Como se fosse uma mensagem em uma garrafa atirada ao mar.

Sim. Por isso mesmo é que fiz uma promessa a mim mesmo quando lancei a “Trilogia Suja de Havana”: seguirei vivendo neste país, custe o que custar, e vou conseguir que, em vida, se publiquem aqui todos os meus livros. Este é meu objetivo, é o que quero fazer. Para mim é fundamental que os cubanos conheçam minha obra. Não dentro de 30 anos, mas agora.

Gostaria de voltar à “Trilogia Suja de Havana” para lhe perguntar se o senhor ainda enxerga nas ruas da cidade aqueles mesmos personagens.

Sim, totalmente. Me chama a atenção quando alguns dizem que a Trilogia Suja é uma recordação do Período Especial, do passado. Tenho por princípio não opinar sobre a minha obra. Mas, neste assunto específico, o que me parece é que eles (os personagens) estão aí. A Trilogia Suja fala de um ambiente, de uma amostra que é Centro Havana, Havana Velha. Esta cidade, como toda cidade grande, são várias cidades. Mas, Centro Havana e Havana Velha têm características especiais, e eu creio que a Trilogia Suja poderia se desenvolver perfeitamente em qualquer rua destes bairros, hoje. Creio que os personagens estão aí. Hoje temos uma situação econômica um pouco melhor. Há um pouquinho mais de dinheiro, um pouquinho mais de comida, mas a base é a mesma.

Para finalizar, o que o senhor pensa do futuro de Cuba?

Com Obama no poder as coisas estavam bastante claras. Agora se abre uma interrogação. Estamos todos muito preocupados com este senhor que vai assumir a presidência dos Estados Unidos. Evidentemente é um louco e um grande filho da puta. Não creio que seja uma pessoa com boas intenções.

Cuba é um país basicamente agrícola e turístico. Não há outras grandes possibilidades. Não temos minérios, nem petróleo. Hoje há muitos jovens fazendo negócios, atuando no turismo. A tendência é que isso se fortaleça, que surjam cada vez mais pequenos negócios, e o dinheiro passe a circular de forma cada vez mais horizontal. De toda forma, uma parcela importante dos jovens está buscando ampliar seus horizontes. De forma geral são os jovens mais brilhantes, com mais gana, mais energia. Estamos entrando em um processo de modernização, com seus benefícios e seus problemas.  Seja como for, a mim me parece que isso é inevitável.


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