28/03/2024 - Edição 540

Especial

Abuso

Publicado em 13/07/2016 12:00 -

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O assédio sexual e moral é um problema comum no mercado de trabalho brasileiro, como aponta recente pesquisa do site Vagas.com. Dos 4.975 profissionais de todas as regiões do país ouvidos no fim de maio do ano passado, 52% disseram ter sido vítimas de assédio sexual ou moral. E, entre quem não passou por esta situação, 34% já presenciou algum episódio de abuso.

O Vagas.com enviou um questionário para 70 mil profissionais de sua base de dados, escolhidos entre os que tinham atualizado seu currículo nos seis meses anteriores e tinham ao menos um emprego em seu histórico.

Entre os entrevistados, o assédio moral foi definido como "ser motivo de piadas e chacotas, ofensas, agressões verbais ou gritos constantes, gerando humilhação ou constrangimento individual ou coletivo", enquanto o assédio sexual trazia como definição "receber investidas com tom sexual – cantadas, olhares abusivos, propostas indecorosas".

Nos resultados, o assédio moral foi identificado como o tipo de abuso mais comum, apontado por 47,3% dos profissionais que responderam à pesquisa, enquanto 9,7% disseram ter sofrido assédio sexual. Entre os entrevistados, 48% disseram não ter sofrido assédio. Alguns entrevistados declararam ter sofrido os dois tipos de assédio.

Mas os resultados mostram que, enquanto o assédio moral foi relatado em proporções semelhantes por homens (48%) e mulheres (52%), o sexual é quatro vezes mais comum entre elas: 80% das pessoas que disseram ter sido vítimas de abuso são do sexo feminino.

O resultado confirma outras pesquisas, como a realizada ano passado pela ONG ÉNois Inteligência Jovem (em parceria com Instituto Vladimir Herzog e o Instituto Patrícia Galvão), segundo a qual 77% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio sexual. O levantamento ouviu 2.285 mulheres entre 14 e 24 anos, com renda familiar de até R$ 6 mil, moradoras de 370 cidades brasileiras, e mostrou que revela que 94% delas já foram assediadas verbalmente e 77%, sexualmente. Entre os crimes cometidos, 72% ocorreram com desconhecidos. São as famosas "encoxadas" no transporte público, a "passada de mão" durante um passeio ou o beijo forçado na balada.

A palavra “rua” foi a mais citada entre as entrevistadas, que afirmam se sentirem oprimidas e inseguras no espaço público, com medo de saírem sozinhas a noite ou de usar determinadas roupas que possam gerar qualquer tipo de agressão. De acordo com a pesquisa, 90% já deixaram de fazer algo por medo da violência, “especificamente por serem mulheres”.

No meio da rua

Outra pesquisa, divulgada em maio pela organização de combate à pobreza ActionAid, mostrou que 86% das mulheres brasileiras sofreram assédio em público. O levantamento mostra que o assédio em espaços públicos é um problema global, já que, na Tailândia, também 86% das mulheres entrevistadas, 79% na Índia, e 75% na Inglaterra já vivenciaram o mesmo problema.

A pesquisa foi feita pelo Instituto YouGov no Brasil, na Índia, na Tailândia e no Reino Unido e ouviu 2.500 mulheres com idade acima de 16 anos nas principais cidades destes quatro países. No Brasil, foram pesquisadas 503 mulheres de todas as regiões do país, em uma amostragem que acompanhou o perfil da população brasileira feminina apontado pelo censo populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Todas as estudantes afirmaram que já foram assediadas em suas cidades. Para a pesquisa, foram considerados assédio atos indesejados, ameaçadores e agressivos contra as mulheres, podendo configurar abuso verbal, físico, sexual ou emocional.

Em relação às formas de assédio sofridas em público pelas brasileiras, o assobio é o mais comum (77%), seguido por olhares insistentes (74%), comentários de cunho sexual (57%) e xingamentos (39%). Metade das mulheres entrevistadas no Brasil disse que já foi seguida nas ruas, 44% tiveram seus corpos tocados, 37% disseram que homens se exibiram para elas e 8% foram estupradas em espaços públicos.

“É quase uma exceção raríssima que uma mulher não tenha sofrido assédio em um espaço público. É muito preocupante. A experiência de medo, de ser assediada, de sofrer xingamento, olhares, serem seguidas, até estupro e assassinato. Os dados são impressionantes se pensarmos que a metade das mulheres diz que foi seguida nas ruas, metade diz que teve o corpo tocado”, diz a representante da ONU Mulheres, Nadine Gasman.

Fazendo doce…

"Sofri assédio em diversas empresas", diz Mariana, de 30 anos. A primeira foi quando era estagiária. Até hoje, Mariana lembra de como a chefe ficou furiosa quando ela não encontrou o fax que estava caído atrás de uma mesa. Mariana diz que este episódio foi apenas um de uma série. "Ela me tratava muito mal durante toda a semana e, na sexta-feira, me dava um presente para compensar."

Em outro emprego, ela e os colegas tinham de lidar com os frequentes gritos do acionista da empresa: "Viu quanta formiga tem no chão? É de tanto doce que você está fazendo!". Também era comum ouvir pelo telefone que ela tinha 30 segundos para descobrir o que estava ruim em seus relatórios, seguido por uma contagem regressiva: "30, 29, 28…"

No caso mais recente, Mariana trabalhava em uma grande empresa farmacêutica, sob um executivo conhecido por pressionar sua equipe e, assim, conseguir bons resultados. "Ouvi de um colega: 'Não posso mais te elogiar. Seu chefe não gosta. Diz que você vai virar estrela'." Ela conta que saía de reuniões chorando "ao menos uma vez por semana". Tinha sua performance elogiada na avaliação anual, mas recebia do chefe um péssimo retorno em particular. "Ele era inteligente. Não fazia nada em público. Preferia me minar e me diminuir psicologicamente."

Após quatro anos e fazendo terapia por causa do trabalho, Mariana decidiu mudar de emprego. "Quando ia trabalhar, tinha dor de estômago e ânsia de vômito. Pensei em virar dona de casa para não passar mais por isso. Tenho medo dele até hoje. No tempo que trabalhei para ele, a equipe toda mudou. Só ele ficou."

Os meus sentimentos…

Adriana, de 32 anos, foi pega de surpresa pelo assédio sexual, após trabalhar por dez anos para o mesmo chefe, a quem considerava um mentor, na área de tecnologia de uma grande empresa do setor de petróleo e combustível. "Preciso falar dos meus sentimentos por você", disse ele ao chamá-la em sua sala. Segundo Adriana, foi apenas a primeira vez.

"Ele continuou mesmo eu deixando claro que não tinha interesse. Ele me chamava, e eu não tinha como negar, porque poderia ser sobre trabalho. Mas, quando eu chegava, ele fechava a porta e falava que queria me comprar uma joia, me levar para almoçar", diz Adriana, que diz ter suportado a situação por dois anos. "Chorava muito de raiva. Fui para a terapia, fazia massagem, tomava floral, tudo para me acalmar. Chegou a um ponto em que me via fugindo dele. Só acabou quando ele se aposentou."

No entanto, assim como 87,5% das vítimas ouvidas pela pesquisa, Adriana não denunciou seu assediador. "Tinha medo. Não possuía provas, e ele era responsável por me promover ou me mandar embora. Também não confiava no RH. Havia muitos casos de assédio na empresa. E, quando foram denunciados, o RH disse que não podia fazer nada. E a vida da pessoa virou um inferno."

Adriana ainda ficou mais dois anos na empresa após a aposentadoria do chefe. Acabou se desligando e mudando de profissão. Hoje, é terapeuta corporal. "Não queria mais ter chefe."

Entre os receios mais comuns entre as vítimas de assédio que não o denunciaram, estão perder o emprego (39%) e sofrer represália (31,6%). Não se trata de um medo infundado, pois, entre os que denunciaram, 20,1% afirmaram terem sido demitidos e 17,6% disseram ter sofrido algum tipo de perseguição.

Exceção

Neste contexto, Gustavo, 25, foi exceção. Ele diz que, após quase um ano sendo "perseguido" por seu supervisor, decidiu abrir um processo contra a multinacional do setor aéreo para a qual trabalhou por quatro anos.

Gustavo conta que o comportamento de seu gerente mudou depois de ele levar ao setor de RH da sede da companhia, nos Estados Unidos, sua insatisfação com o plano de carreira da subsidiária brasileira. "Quando ele descobriu, passou a querer minha cabeça", diz.

"Começou a me chamar com frequência na sua sala para explicar pequenos atrasos e horas extras, algo que nunca tinha feito. Como todos os funcionários trabalhavam numa mesma sala, as pessoas começaram me perguntar o que estava acontecendo. Algumas até se afastaram de mim para não virarem um alvo também."

Gustavo diz que seu chefe também passou a sobrecarregá-lo de trabalho ou encarregá-lo de tarefas que ele não sentia ser capaz de cumprir com a qualidade esperada, como abrir uma nova área da empresa. "Quando o questionei sobre isso, ele me disse ironicamente: 'Mas você não queria crescer profissionalmente?'", diz Gustavo. "Passei a ter problemas de saúde e a beber bastante. Fui medicado por um psiquiatra, porque não conseguia mais dormir direito."

Em agosto do ano passado, Gustavo decidiu deixar a companhia e abrir um processo contra ela. A primeira audiência será em novembro. "Soube que meu ex-chefe foi afastado por um mês e depois voltou completamente mudado."

É um desfecho bastante comum nos casos de assédio que são denunciados, segundo o estudo da Vagas.com: 74,6% dos profissionais que denunciaram o abuso disseram que o assediador permaneceu na empresa.

Problema comum

Para os organizadores do estudo, o alto índice de respostas mostra que este é um assunto urgente no mercado profissional brasileiro. Dos 70 mil questionários enviados para os cadastros no site, 7% participaram, bem acima da média de 0,5% registrada em outras pesquisas. Destes, 98% responderam a todas as perguntas.

"Isso mostra que muitas pessoas são impactadas pelo assédio no trabalho ou têm algo para contar", diz Sylvia Fernandez, que coordenou a realização da pesquisa. "Infelizmente, é um problema bastante comum. Os profissionais querem que isso seja debatido e que haja consequências, mas ainda predomina a sensação de impunidade."

José Carlos Wahle, sócio da área trabalhista do Veirano Advogados, enxerga uma melhora nesta questão no mercado brasileiro nos últimos anos, devido à maior presença de multinacionais no país e à internacionalização de companhias brasileiras.

"Esta maior presença de grandes empresas, que têm ações em bolsa e prezam por sua imagem, levou a uma maior adoção de bons valores corporativos e um aumento do número de companhias que determinam padrões de conduta e orientam seus funcionários quanto a este tipo de comportamento", afirma Wahle.

"Também há uma maior percepção por parte dos funcionários em relação a seus direitos. Antes, havia problemas mais urgentes, como o trabalho escravo. Hoje, nosso mercado está mais maduro, o que nos permite discutir o assédio. Isso não quer dizer que é algo raro nem que está perto de acabar. Vem melhorando, mas ainda há um abismo entre a realidade e como deveria ser."

Poucas denúncias

Elogios indiscretos, histórias e confidências íntimas, toques constrangedores. Apesar do silêncio das vítimas, esse tipo de perseguição no ambiente de trabalho, que pode ser caracterizado como assédio sexual, é uma situação mais comum do que se imagina.

De acordo com uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho, 52% das mulheres economicamente ativas já sofreram esse tipo de abuso, psicológico ou físico, no ambiente profissional.

“É um crime em que o autor precisa ter uma qualidade especial, ser superior hierárquico ou ter uma ascendência em relação à vítima. Também deve existir o constrangimento com uma finalidade específica, de obter vantagem ou favorecimento sexual. A simples paquera não configura um crime”, explica Rogério Cury, advogado especialista em direito penal.

Vergonha e medo são alguns dos sentimentos mais comuns entre as vítimas de assédio sexual no trabalho

Embora os números sejam alarmantes, a legislação brasileira ainda tem dificuldades para combater esse tipo de crime e poucos casos são julgados no país, também por conta do machismo, uma questão cultural.

“Infelizmente, se você analisar, é a infração de menor potencial ofensivo, com uma das menores penas do Brasil. A detenção por assédio sexual é de um a dois anos, caso o crime seja comprovado”, afirma Rogério Cury.

Já em situações em que o chefe elogia sua funcionária, passa cantadas e outros tipos de brincadeiras, que muitas vezes soam constrangedoras, não existe o ato criminoso.

“Alguns juízes até compreendem que esse tipo de assédio é um crime, sim, mas são a minoria”, pondera a advogada Adriana Calvo, especialista em direito trabalhista.

Tive medo do que diriam sobre mim

Beatriz, 28, de Poços de Caldas, conseguiu o primeiro emprego aos 16 anos, em uma loja de produtos de informática. Foi nessa primeira experiência profissional que a então menina foi assediada pelo chefe e proprietário da empresa, pai de uma amiga que a havia indicado para a vaga de secretária.

A jornalista se lembra de que tudo começou com os comentários que ele fazia sobre as clientes que saíam da loja aos demais funcionários, que deixavam todos sempre muito constrangidos. O clima ficava ainda mais tenso quando o chefe revelava detalhes sobre a intimidade com a mulher.

“Eu era obrigada a dar risadinhas amarelas, disfarçar, porque era um emprego do qual eu não podia abrir mão”, lembra Beatriz.

A situação chegou ao limite em um sábado, quando Beatriz precisou ficar sozinha no escritório, na companhia do chefe.

“Eu estava sentada no balcão, quando ele veio ao meu lado para contar que tinha ido com uma amante para um clube de campo aqui da cidade, revelando detalhes do que eles faziam lá, além de contar sobre outras meninas da minha idade com quem ele tinha saído. Foi quando eu percebi que ele estava com a mão na minha perna, subindo cada vez mais”, conta a jornalista.

Em estado de choque, ela conseguiu se livrar do contato com o chefe, que percebeu seu súbito mal-estar e foi embora da loja, sem dizer uma palavra. Beatriz chegou a ligar para outro funcionário e explicar o que tinha acontecido, além de contar a história do assédio para uma tia.

“Ela ficou com pena de mim, mas disse que no trabalho, às vezes, precisamos engolir certas coisas”, conta.

Depois do assédio, os comentários obscenos do chefe continuaram e o constrangimento de Beatriz só aumentou, até que ela resolveu forçar a própria demissão, para evitar comentários na cidade. Ela só foi falar sobre o ocorrido com mãe e irmã muitos anos depois, e acabou descobrindo que o chefe já tinha assediado outras meninas.

“Me arrependi de nunca ter feito uma denúncia, porque penso que poderia ter protegido outras meninas que passaram pelo mesmo que eu. Mas eu era muito nova na época e sentia medo e vergonha do que as pessoas iriam pensar, se iriam me culpar ou dizer que eu tinha provocado tudo aquilo”, confessa Beatriz.

Essa experiência não foi isolada. Alguns anos depois, aos 22, Beatriz precisou lidar com outro caso de assédio sexual: um funcionário mais velho chegou a sugerir que ela fizesse sexo oral nele, quando ela era assistente administrativa de uma empresa que beneficiava café. O choque dessa vez foi ainda maior, e a empresa considerou entrar com um processo para exonerar o funcionário em questão, mas Beatriz não foi em frente com a denúncia.

“Eu tive medo que ele me seguisse, já que eu morava em uma cidade pequena, e meus superiores disseram que não poderiam me ajudar com nenhuma proteção. Mais uma vez me calei”, lamenta ela.

Não quis fazer escândalo

Também era o primeiro emprego de Fernanda, de Santo André, hoje com 21 anos. Há cinco, ela estava na festa de fim de ano da empresa em que trabalhava como recepcionista, com mais um grupo de amigas. Fernanda e as meninas conversavam sobre o fato de o proprietário e chefe da empresa ter o hábito de se aproximar demais das funcionárias, tirá-las para dançar e se aproveitar do estado de embriaguez de algumas.

“Tinha reparado que ele já estava bem bêbado e tentando se aproximar de mim. Quando fiquei sozinha, ele já estava ao meu lado, com o braço ao redor da minha cintura. Tentei me afastar, mas ele não deixou. Começou a dançar comigo e subiu o braço que estava na minha cintura até o meu pescoço. Me afastei novamente e ele voltou a mão para a minha cintura. Quando me desvencilhei de vez, ele desceu a mão e alisou minha bunda”, conta Fernanda.

O crime por assédio sexual tem uma das menores punições da legislação brasileira, o que acaba desestimulando as denúncias

A estudante não teve nenhuma reação, por conta do choque de ter sido assediada em plena festa de fim de ano da empresa. A esposa do chefe e os filhos também estavam lá, por isso ela evitou qualquer cena que resultasse em um escândalo, por medo que eles a julgassem como a “vilã” da situação.

Uma semana depois do ocorrido, Fernanda voltou ao trabalho e reencontrou seu chefe, apesar de tentar evitar qualquer tipo de contato ou troca de olhares.

“Ele passou atrás da minha cadeira, arrumou meu cabelo, me falou bom dia e saiu para sua sala. Depois disso, ele sempre passava por lá mexendo comigo, para chamar minha atenção. Foi quando decidi começar a faltar, para que me demitissem”, lembra ela.

Fernanda sentiu vergonha e achou melhor os pais não ficarem sabendo de nada, já que eles conheciam o chefe. Hoje, ela se arrepende de não ter feito nenhuma denúncia, principalmente depois de ter descoberto que aquele comportamento era recorrente com outras funcionárias da empresa.

“Acho que o que me faltava era informação, hoje sei que isso é muito mais frequente do que a gente imagina. Não sei se foi pelo que aconteceu, mas agora vejo tudo com outros olhos e não sentiria medo de denunciar”, acredita ela.

Documentário A dor (in)visível – Assédio Moral no Trabalho

Alternativas

As situações vividas por Beatriz e Fernanda, por si só, não se enquadram no crime de assédio sexual, de acordo com a legislação brasileira, o que acaba fortalecendo e perpetuando a cultura de assédio no meio profissional. Pela dificuldade em reunir provas e levar adiante o processo, muitas vítimas acabam desistindo de entrar na Justiça.

“A vítima fica coibida de tomar alguma providência, porque sabe que nada de grave acontecerá com o culpado. O processo também é outro problema, porque a mulher precisa revivera história, a exposição e humilhação pelas quais passou, para tudo terminar com uma pena de multa”, ressalta Rogério Cury.

Mesmo assim, é importante que as mulheres e vítimas se posicionem contra esse tipo de abuso e busquem uma maneira de denunciar o agressor, seja por meio de uma ouvidoria na própria empresa ou na Delegacia da Mulher, que está mais familiarizada com casos de assédio sexual. Vale lembrar que é fundamental levar e-mails, telefonemas e mensagens como provas do constrangimento.

“O assédio sexual é que ele é praticado de forma íntima, por isso é mais difícil recolher provas. Nós recomendamos que elas gravem conversas, filmem, não excluam e-mails e mensagens com teor sexual e por aí vai. A Justiça do Trabalho valoriza muito o depoimento da vítima, porque se entende que é a única prova que ela tem. Se o chefe ou superior já tem outras denúncias de assédio sexual, a denúncia ganha mais força”, explica Adriana Calvo.

Segundo a especialista, ainda é possível entrar no site do Ministério do Trabalho e fazer uma denúncia anônima. “Quando mais de um caso for denunciado, eles abrem um inquérito e podem entrar com uma ação pública contra a empresa”, detalha ela.

Se o assédio não se configurar como crime, uma saída é tentar denunciar o agressor por injúria e difamação, já que a honra da vítima é atingida.

Por Dentro da Lei: Assédio sexual no ambiente de trabalho

Desigualdade de gêneros

Para a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, os resultados das pesquisas citadas nesta reportagem refletem a desigualdade entre homens e mulheres na sociedade. “É uma questão de gênero, de entender que na sociedade, qualquer que seja, as mulheres não são consideradas iguais aos homens. A ideia é que a mulher está subordinada no lar, na casa, no trabalho. Dados [da Organização Mundial da Saúde] apontam que uma a cada três mulheres sofre violência doméstica. Para os homens, os corpos e as vidas das mulheres são uma propriedade, está para ser olhada, tocada, estuprada”, disse.

Segundo Nadine, é necessário implementar políticas públicas que garantam a segurança da mulher em espaços públicos, com políticas públicas específicas, como a iluminação adequada das ruas e transporte público exclusivo para mulheres.

“Quando se pensa que quase todas as mulheres têm a experiência com abusos, não se tem a ideia do assédio. Isso tem um impacto, isso limita de andar na rua com segurança e direitos como educação e trabalho”, diz.

A professora de direito civil da Universidade de Brasília (UnB), Suzana Borges, avalia que não há repressão adequada ao assédio à mulher em espaços públicos. “É uma questão social porque, em função de uma posição histórica inferiorizada, a mulher foi objeto de repressão, violência, não só nos espaços públicos, mas privados, dentro da família, em casa, no trabalho”, disse.

Suzana Borges diz que há necessidade das mulheres denunciarem as situações de assédio que vivenciam no cotidiano. “Por se tratar de uma questão de gênero, a denúncia é um mecanismo que reforça a proteção”.

Assédio por regiões

A Região Centro-Oeste é onde as mulheres mais sofreram assédio nas ruas, com 92% de incidência do problema. Em seguida, vêm Norte (88%), Nordeste e Sudeste (86%) e Sul (85%).

No levantamento feito pelo Instituto YouGov, as mulheres também foram questionadas sobre em quais situações elas sentiram mais medo de serem assediadas. 70% responderam que ao andar pelas ruas; 69%, ao sair ou chegar em casa depois que escurece e 68% no transporte público.

Na comparação com outros países, 43% das mulheres ouvidas na Inglaterra e 62% na Tailândia disseram que se sentiam mais inseguras nas ruas de suas cidades, enquanto que, na Índia, o espaço de maior insegurança era o transporte público, apontado por 65% das entrevistadas.

Denúncias

O Ligue 180 foi criado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres para servir de canal direto de orientação sobre direitos e serviços públicos para a população feminina em todo o país.

A ligação é gratuita e a principal porta de acesso aos serviços que integram a Rede Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, sob amparo da Lei Maria da Penha, além de ser uma base de dados privilegiada para a formulação das políticas do Governo Federal nessa área.

Em março de 2014, o Ligue 180 transformou-se em Disque-Denúncia, com capacidade de envio de denúncias para a Segurança Pública, com cópia para o Ministério Público de cada estado.


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