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Artigo da Semana

Não existe o direito à impunidade

Publicado em 23/06/2016 12:00 -

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Todos têm direito à ampla defesa, ao contraditório no devido processo legal e ao duplo grau de jurisdição. Ninguém, no entanto, tem o direito de querer ficar impune. Simplesmente não existe o direito à impunidade.

As velhas práticas absolutistas deram lugar, há séculos, ao novo direito à justiça, ao processo equilibrado, leal, eficiente e humanista, baseado em sólidos princípios. O poder do Estado precisa ter limites para acusar e punir, sim.

Não se pode permitir, todavia, que prevaleça a lógica da protelação ardilosa, alimentada pela máquina de recursos infinitos.

De um lado, a faceta mais enaltecida do garantismo – o direito à ampla defesa dentro de um processo equânime. De outro, o direito à eficiente defesa do grupo social. O grande desafio é o encontro do ponto de equilíbrio.

Na dinâmica do duplo grau de jurisdição, os condenados em primeiro grau têm direito a recurso aos tribunais. No Brasil, há ainda, depois de examinados os fatos e o direito em dois graus, a possibilidade de questionar, no STF (Supremo Tribunal Federal), violações à Constituição e, no STJ (Superior Tribunal de Justiça), violações a leis federais.

Temos, por um lado, o princípio da presunção de inocência/não culpabilidade. Por outro, a efetividade da decisão judicial, que, na maioria dos casos, não se concretiza na prática, em virtude de infinitos recursos e recursos de recursos interpostos pelas partes.

Em 17 fevereiro deste ano, o STF decidiu que a prisão de condenados deve ocorrer depois que a sentença for confirmada em um julgamento de segunda instância, ou seja, antes de se esgotarem todos os recursos possíveis da defesa.

A nova interpretação dada conciliou a tutela do réu, ao qual é assegurado o direito de recorrer, bem como a defesa social, especialmente no combate à impunidade. Equilibra a ampla defesa e a razoável duração do processo, a fim de evitar abusos e infinitas revisões da mesma decisão.

Precisamos valorizar e fortalecer as duas instâncias da justiça. Não são meras rotas de passagem antes do STJ e STF. Analisam profundamente os fatos e o direito. É justo e razoável que a condenação pelos tribunais afaste a presunção de inocência.

Não se pode permitir, todavia, que prevaleça a lógica da protelação ardilosa, alimentada pela máquina de recursos infinitos.

Para o ministro Teori Zavascki, a manutenção da sentença pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas. Acrescentou ainda que "em nenhum país do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Suprema Corte". Afinal, direito é, acima de tudo, razoabilidade e bom senso.

Com a decisão, o Brasil optou pelo caminho do justo equilíbrio entre as garantias do réu e as do Estado de Direito, tendo-se constatado grande número de preciosas colaborações premiadas a partir da decisão em foco.

Vale registrar que na França, berço do iluminismo, permite-se a expedição do mandado de prisão mesmo quando pendentes recursos. Nos Estados Unidos, a presunção de inocência possui espaço no CPP (Código de Processo Penal) do país, mas decisões condenatórias são executadas imediatamente.

Na Espanha vigora o princípio da efetividade das decisões, sendo admitido até mesmo que o absolvido em instância inferior possa ser mantido em prisão, preventivamente determinada, a depender do efeito que é atribuído ao recurso.

No Canadá, após a sentença de primeiro grau, a pena é automaticamente executada, tendo como exceção a possibilidade de pagamento de fiança, em raríssimos casos. O CPP alemão prevê o efeito suspensivo só em alguns recursos, sendo que os recursos aos tribunais superiores não têm efeito suspensivo.

Reexame do tema no STF abre brechas para um retorno à interpretação anterior. Seria um grave retrocesso, um golpe mortal na Operação Lava Jato e no combate à corrupção.

Com a palavra, o STF.

Roberto Livianu – promotor de Justiça em São Paulo, doutor em direito pela USP e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção


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