23/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Coisas que eu não entendo sobre o Faustão

Publicado em 10/06/2016 12:00 - Rodrigo Amém

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Atribui-se à Eleonor Roosevelt, Primeira Dama dos EUA, uma máxima que pauta a maior parte dos meus esforços nesta página. "Mentes brilhantes discutem ideias, mentes medianas discutem fatos, mentes medíocres discutem pessoas". Você ficaria surpreso com a quantidade de equívocos de argumentação que automaticamente deixam de fazer parte do seu discurso quando você se dispõe a seguir esta simples regra. Mas hoje, amigo leitor, peço licença para exercer minha mediocridade. Quero discutir Fausto Silva.

Os leitores mais jovens não sabem disso, mas houve uma época em que a Rede Globo era líder de audiência em seis dias da semana. O domingo pertencia a Sílvio Santos e a Vênus Platinada nem tentava mudar isso. Entre o Globo Rural e Os Trapalhões, a programação dominical da emissora carioca era uma sucessão de desenhos e seriados americanos ou, como a esquerda apelidara, os enlatados de domingo. Assistir à Rede Globo no domingo era mais ou menos como assistir TV à cabo atual, mas com menos intervalos comerciais. Tudo porque havia um dogmático medo de competir com Sílvio Santos.

Mais ou menos nessa época, a Band, que costumava ser chamada TV Bandeirantes, abraçava a própria falta de recursos e nadava de braçada no experimentalismo. Mirando na juventude que não tinha dinheiro para sair de casa nas noites de sábado, a Bandeirantes apostou numa paródia de um programa de auditório comandada por um radialista desbocado. Esse era o Perdidos na Noite, talvez a última grande inovação da televisão brasileira.

Perdidos na Noite era despachado e indolente numa época em que os programas de auditórios tentavam reproduzir noites de gala nos barracos de tapume do povo brasileiro, via antenas cobertas de palha de aço. Fausto Silva, o apresentador, suava, falava palavrões e fazia seus convidados musicais passarem por uma catraca e baterem cartão de ponto, numa debochada crítica à política do jabá, tão comum nos palcos de Gugu Liberato ao Chacrinha.

E, por falar em Chacrinha, sua morte em 1988 mudou o cenário da televisão brasileira. Seu programa era aos sábados e não havia competição direta com o homem do baú. Mas, como ainda é costume na Globo, não havia espaço para inovações, a menos que alguém pedisse as contas ou batesse as botas. Não haveria TV Pirata sem Jô Soares migrando para o SBT, por exemplo. Ou a nova Zorra sem a aposentadoria de Maurício Sherman. Não haveria espaço para um novo apresentador de auditório sem o falecimento de Chacrinha. Em 1989, o Domingão do Faustão chegou às telas da emissora carioca.

Vinte sete anos se passaram. Numa história cheia de altos e baixos, é plausível dizer que Fausto Silva – para o bem e para o mal – derrotou Sílvio Santos, Gugu e Cia, fazendo da Globo a emissora líder em audiência de segunda a segunda. Seu salário é estimado na casa dos cinco milhões mensais. Seu contrato vai até 2022. Uma história de vitórias, a menos que você assista ao seu programa.

Fausto se arrasta pelo palco, ranzinza, repetindo bordões mais velhos que suas bailarinas. Entrevista pessoas que despreza e elogia gente que parece desconhecer. A coisa toda lembra aqueles vídeos onde prisioneiros de guerra alegam receber tratamento justo dos captores armados ao fundo.

Fausto, 66 anos, se arrasta pelo palco, ranzinza, repetindo bordões mais velhos que suas bailarinas. Entrevista pessoas que despreza e elogia gente que parece desconhecer. A coisa toda lembra aqueles vídeos onde prisioneiros de guerra alegam receber tratamento justo dos captores armados ao fundo.

Nesse momento, os mais cínicos começam a levantar sua indignação: "cinco milhões por mês! Eu também falaria qualquer coisa!", dizem aqueles que acham que dinheiro justifica tudo na vida. Lembrando: Fausto Silva é um homem relativamente culto e inteligente. Seu programa está na TV há quase trinta anos. Seu patrimônio pessoal é estimado em um bilhão e meio de reais. Mais rico que ele, só o próprio Sílvio, que tem quase dois bilhões. Você, que se sujeitaria a qualquer coisa por cinco milhões, considere-se na situação de Fausto. Não basta dizer que Fausto Silva não precisa de dinheiro: Gerações de sua família não precisarão trabalhar para viver, graças à conta bancária do apresentador. No entanto, ele se submete à repetição, tédio e desinteresse dominicais que fez dele o que ele é. Por que?

Não é porque Fausto é covarde e tem medo de correr os riscos de se reinventar. Na hora de fazer sua cirurgia bariátrica e cuidar da saúde, Silva optou por uma técnica que acabou proibida pela Justiça Federal, totalmente experimental e consideravelmente mais arriscada. E ele sabia disso. Felizmente, a cirurgia deu certo e transformou Fausto Silva de um jovem falastrão e barrigudo em um velho falastrão corcunda. Mas, mesmo mais saudável e esbelto ele não parece mais feliz.

Veja bem, a pergunta não é: por que Fausto Silva não se aposenta? Não se trata de parar de trabalhar, ainda que muita gente afirme que parariam de trabalhar caso ganhassem na Mega Sena. Deixar de trabalhar é uma coisa meio burra. A falta de produtividade é o caminho mais curto para a depressão e a cova. Multimilionários continuam trabalhando. Bill Gates deu a maior parte da sua fortuna e continua trabalhando, tentando levar saúde e educação a pessoas carentes. Jimmy Carter foi presidente dos EUA. Depois de sair da Casa Branca, se dedicou a erradicar um parasita na Guiné. Com sucesso.

A pergunta que eu faço é a seguinte: porque o bilionário Fausto Silva, que tem prestígio e recursos para fazer o que quer que seu coração lhe pedisse, se dedica à aparente melancolia ao vivo nos domingos pelos últimos trinta anos? Ele poderia fazer sua própria rede de TV, investir numa rede de pizzarias, erradicar a Zika no Brasil, iniciar seu próprio programa espacial e ser o primeiro brasileiro a pisar na lua.

Para alguém como Fausto Silva, os sonhos não precisam ter limites. Só o sonhador.

Nós, os plebeus, temos grande dificuldade em entender a realidade do bilionário. O que acontece depois da mansão, do carrão, do avião? Quando tudo está no nosso orçamento, o que mais queremos da vida? Ser um bilionário pode ser libertador, mas também pode ser paralisante. E o apresentador do Domingão apresenta aquele ressentimento conformado de quem se recusa a assumir controle sobre o próprio destino. O Fausto bilionário insiste em agir como se precisasse se virar nos trinta para sobreviver.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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