23/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A revolução simplista

Publicado em 03/06/2016 12:00 - Rodrigo Amém

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Quando eu comecei a faculdade nos anos 90 (não espalha), vivíamos a promessa de um admirável mundo novo. Era impossível discutir comunicação sem considerar a revolução digital e o impacto de bilhões de gigabites de informação nas relações humanas. A primeira onda das transformações da era digital trouxe um monte de clichês. "O mundo conectado", "conhecimento na ponta dos dedos", "uma revolução por segundo": tudo era excitante e promissor.

Aí notamos que a maior parte do mundo não tinha subido no bonde. Os oprimidos e as minorias não estavam online. Começamos a falar de inclusão digital e buscar a "pluralidade", ouvir "o discurso do outro". E a voz dos outros trouxe variedade e desconforto. Variedade de contextos e maneiras de ver o mundo. Desconforto de ter que brigar pela constante validação da nossa própria identidade.

De repente, um cidadão no Sudão podia desmontar meu argumento de que "pobre é tudo preguiçoso", e não apenas com experiência pessoal: ele podia mostrar dados, pesquisas e estudos para denunciar meu preconceito generalista.

O simplismo é a mais popular corrente filosófica, provavelmente porque é a que exige menos abstração. E, na tradição simplista, pode ser resumido em poucas palavras: Todo problema é culpa de outrem e pode ser resolvido através de proibição e punição.

O que nenhum dos meus professores de faculdade suspeitava é que o conservadorismo não deitaria pacificamente, esperando sua pá de cal, abrindo espaço para o novo iluminismo. O conservadorismo se reinventou em uma nova escola de pensamento(?): o simplismo.

O simplismo é a mais popular corrente filosófica, provavelmente porque é a que exige menos abstração. E, na tradição simplista, pode ser resumido em poucas palavras: Todo problema é culpa de outrem e pode ser resolvido através de proibição e punição.

Estupro? Castração Química, saias mais longas e censura do funk.

Educação? Bíblia e proibição de filosofia.

Orçamento público? Privatização.

Assassinato? Pena de morte.

Roubo? Pena de morte.

Greve? Porrada.

Essa visão do mundo dividido entre bem e mal é tentadora, não só pela economia de tempo. É também a promessa de que as respostas existem dentro da nossa zona de conforto. Não é preciso ter empatia ou tolerância. Nada é preciso mudar, senão o outro. O simplismo vê um mundo de soluções fáceis, governadas pelas pessoas certas e sem a oposição dos fatos. É uma filosofia libertadora, para os que já estão livres.

Leia outros artigos da coluna: Meia Pala Bas

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *