29/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O que o Frota sabe (e você não) sobre política

Publicado em 27/05/2016 12:00 - Rodrigo Amém

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É claro que o Alexandre Frota pode solicitar audiência com o Ministro da Educação para apresentar um projeto para a melhoria do ensino no país! Todos podem! Democracia é assim. O fato de um cidadão ter uma carreira fazendo sexo de cócoras em frente às câmeras não desmerece suas ideias, necessariamente. Quando soube que o ator tinha conseguido uma audiência com Mendonça Filho para debater o futuro do país, pensei: "Que proposta revolucionária é essa? Como conseguiu furar a agenda num momento em que a educação brasileira está em colapso com ocupações, greves e roubos de merenda escolar? Será que que Frota vai mostrar o ovo de Colombo para salvar a educação?"

Resultado: não descansei enquanto não descobri a pauta da bendita reunião. Em entrevista à Folha de São Paulo, Frota esclareceu a questão: "Quando eu liguei para o ministro ele ainda era ministro da Cultura e da Educação. Eu queria falar com ele sobre a CPI da Cultura, sobre a Lei Rouanet. Entre sábado e quarta ele deixou de ser o ministro da Cultura, então perderia o propósito da minha visita, mas eu achei interessante manter a reunião, porque a doutora Beatriz [Kicis] queria apresentar o projeto escola sem partido". Fiquei chateado.

Frota não tinha a solução para salvar as crianças brasileiras. Ele só aproveitou a hora marcada com uma autoridade para levar a galera do escola sem partido. Uma espécie de cavalo de troia ou um Kinder Ovo sexual: sacanagem por fora com uma surpresinha reaça dentro. Assim, de uma hora para outra, Frota voltou às trincheiras do conservadorismo, onde alguns dos seus ex-affairs reinam absolutos.

Frota descobriu que havia um mercado para pessoas dispostas a assumir a persona pública do vilão e desviar a atenção das imperfeições de seus pares.

Decepcionado, me lembrei de uma outra personalidade televisiva de ideias geniais: Silvio Santos. Em tempos de BBB, pouca gente sabe que o primeiro reality show do Brasil foi A Casa dos Artistas, do SBT. O sucesso não só apresentou o gênero para o público brasileiro, como também reinventou a imagem de muitos de seus participantes. O próprio Frota, por exemplo, se transformou no primeiro grande vilão do formato. O sucesso foi tanto que, por um momento, o homem do baú achou que era impossível fazer um reality show sem a presença do bruto sem papas na língua. Toda vez que a audiência do programa vacilava, o patrão mandava enfiar o Frota, no mau sentido. O ator repetiu o papel em Quinta das Celebridades, em Portugal. Sílvio reinventou a persona pública de Frota, que chegou a ser diretor de A Fazenda, na Record, porque as pessoas associavam a sua imagem à controvérsia, polêmica e, consequentemente, à audiência na TV.

O que Frota aprendeu com Sílvio Santos foi mais do que show business. Ele aprendeu que para criar interesse e empatia na classe média brasileira, é preciso apontar um vilão para servir de lastro. Em comparação com Frota, Supla e Mateus Carrieri pareciam gente agradável, sensata. Dava até para torcer por eles e pela Mari Alexandri.

Frota descobriu que havia um mercado para pessoas dispostas a assumir a persona pública do vilão e desviar a atenção das imperfeições de seus pares. A reunião com um ministro desprestigiado recebeu a atenção da mídia e das redes sociais. A agenda de Mendonça Filho ganhou relevância. Os conservadores ainda levaram de brinde o cínico discurso de que a esquerda é preconceituosa por não aceitar que um ministro receba um ator pornô. Mais ou menos como o argumento de que o estupro coletivo é culpa de quem defende os direitos humanos.

Alexandre Frota está expandindo seus serviços de vilão de aluguel. Ele já vem de fábrica com as frases de para-choque de caminhão moldadas em anos de Praça é Nossa ("Eu só f**** no filme. Eles f*** com o país todo"). Tudo prontinho para quem precisa redirecionar atenção e indignação enquanto segue o baile. Agende a sua reunião de cortesia. Só tome cuidado com a surpresinha.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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