19/04/2024 - Edição 540

Comportamento

Tirar filho do pedestal pode aliviar culpa da maternidade

Publicado em 12/05/2016 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Um século depois de cunhar a expressão "Sua majestade, o bebê", Freud, se estivesse vivo, teria de atualizá-la para os novos tempos.

O bebê ou a criança não é mais somente o rei da casa –foi elevado à categoria de um ser que tudo pode e que, ao nascer, transforma a mulher em outra pessoa, sem direitos nem vontades, mas cheia de culpa: a mãe.

"Os Filhos da Mãe" (Leya, 224 págs.,R$ 29,90), novo livro da psicanalista e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Psicanálise e Educação da USP Marcia Neder, aborda as raízes e consequências da "infantolatria" que existe no Ocidente e a culpa na maternidade, que vem a reboque.

Aponta também caminhos para libertar as mulheres das expectativas irreais sobre o papel de mãe, como uma formação que inclua os homens na criação dos filhos e a abertura para se falar sobre o lado B da maternidade, seu tédio e suas dores.

O subtítulo do seu novo livro é "Como viver a maternidade sem culpa e sem o mito da perfeição". Isso é possível em uma sociedade que cobra da mulher dedicação total aos filhos sem prejuízo a outros aspectos da vida?

É possível, mas é um processo pessoal e doloroso. Meu filho tem 28 anos e desde pequeno eu cobrei dele que lavasse a louça, colocasse a mesa, tivesse responsabilidades próprias. O homem tem que receber a formação para que se sinta incluído nos cuidados com os filhos. A geração que tem 30 anos hoje já tem noção de que o homem vai ter que assumir sua parcela, o que leva muitos a não quererem ser pais. E é importante permitir que se fale sobre o tédio e a dor que pertencem à maternidade.

O movimento feminista defende há décadas o direito da mulher sobre seu corpo e suas escolhas, inclusive a de não amamentar. Há um retrocesso com as pressões e obrigações que recaem sobre as mães?

A militância deslumbrada que quer que o bebê fique colado no corpo da mãe e durma na cama dos pais é a mesma da Liga da Amamentação, que começou no pós-guerra com mulheres que se reuniam em Chicago para se ajudar com a amamentação e que se transformou em doutrinação. Não pode colocar o filho na creche porque é uma violência, a mãe é obrigada a amamentar por anos. Os preceitos da Liga se ampliaram para esse tipo de exigência, e a adesão foi tão grande que pegou até na França, onde o feminismo é muito vivo.

A "infantolatria" não é um fenômeno brasileiro?

Não, ela é comum no Ocidente. Cito o filme "As Pontes de Madison" e séries americanas que mostram o filho no centro da vida familiar. Mas essa modinha de parto sem anestesia, de deixar a vida de lado para cuidar da criança são coisas muito brasileiras. O que eu escuto de criticas às mães que "largam" o filho na creche para ir à praia… As mulheres dizem: "Para que ela teve filho?" A continuação desse pensamento é: "se não foi para olhar para o filho 24 horas por dia".

A posição central dos filhos na vida familiar afeta seus membros de forma diferente. Quem é o mais prejudicado?

Todos. O pai é o que menos percebe, mas perde o vínculo afetivo, é reduzido à função de provedor. A mãe desaparece como mulher e como pessoa, e o crescimento do filho é doloroso para ela porque implica em separação. A cada desejo de independência, sente uma culpa e recua na autonomia psíquica.

E o casal, que lugar resta para ele nessa configuração?

Nenhum, daí o alto índice de separações. O marido perde o lugar. Surge o ciúme por estar fora do casal formado por mãe e filho e a inveja de não ter esse vínculo que é promovido pela cultura.

Recentemente, uma mulher escreveu em uma rede social que detestava o papel de mãe e teve o perfil bloqueado. Por que é difícil ouvir essa queixa?

Idealizamos a maternidade a tal ponto que não se pode dizer que ela é sufocante, que tem horas que enche. Para todo mundo ela tem momentos insuportáveis, mas somos proibidos de falar sobre isso.

Você diz que especialistas contribuem para a idealização do vínculo da criança com a mãe. De que forma?

Fico enlouquecida quando leio gente dizendo que é preciso se agachar para falar com o filho ou que é proibido gritar. É gente que vive em outro planeta ou que não é mãe.  Na década de 1950, os homens voltaram da guerra e precisavam dos empregos que as mulheres haviam ocupado, então arrumaram para elas a função de responsável pela criança. Esse discurso teve apoio de médicos e psicanalistas. Eles diziam que não havia nada mais importante para a criança do que a mãe.

Existe diferença entre as funções materna e paterna?

Não. O que há é uma diferença entre ser adulto e criança. O bebê precisa de um adulto, não de um pai e uma mãe.

Ser mãe é mais fácil ou mais difícil hoje do que há 30 anos?

É mais difícil se olharmos as exigências, mas você pode não se deixar dominar por elas. Você não é uma criminosa nem será excomungada se quiser ficar de perna para o ar. E é mais fácil porque há possibilidade de escrever que a mãe não precisa ser perfeita porque a perfeição não existe e esse é um ideal massacrante.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *