18/04/2024 - Edição 540

Especial

O fator Temer

Publicado em 06/05/2016 12:00 -

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O vice-presidente Michel Temer (PMDB) está prestes a assumir a presidência da República. Se, por um lado, há certo consenso de que uma eventual queda de Dilma será uma dura derrota das esquerdas, por outro, restam algumas dúvidas sobre quais direções e "cores" um governo de Michel Temer pode vir a ter. Temer representaria uma "saída" à direita?

"A julgar pelas figuras apresentadas até agora como José Serra (PSDB-SP) e Henrique Meirelles (ex-presidente do Banco Central), eu colocaria Temer como uma figura de centro-direita. O aporte do PSDB, que ainda não é garantido, não seria suficiente para dar a esse novo governo um perfil mais à esquerda. Ao mesmo tempo, ele terá o apoio de partidos que têm uma abertura mais à direita", opina Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Unicamp.

Para José Augusto Guilhon Albuquerque, professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), existem duas possibilidades para o encaminhamento político de um Governo Temer. “A primeira é fazer uma aliança política e programática em torno da antiga oposição (PSDB, DEM, PPS e PSB) complementada pela adesão do chamado 'centrão'. Aí, teríamos um governo de centro-direita. A outra possibilidade é o PSDB continuar boicotando o eventual governo Temer. Isso levará a uma aliança do governo apenas com o 'centrão', que tem partidos mais alinhados à direita. Se isso acontecer, aí poderíamos dizer que teríamos um governo de direita".

"É difícil rotular um possível governo do Temer ideologicamente, mas acho que será de centro-direita. Essa centro-direita vai representar o setor privado, na medida em que ele [Temer] tentará atrair a confiança para os investimentos e isso quer dizer que ele terá que fazer reformas que a esquerda, certamente, vai combater. Essa centro-direita também terá o apoio de segmentos religiosos como a bancada evangélica, embora eu não saiba dizer se o Temer vai atender às demandas dela", afirma David Fleischer, cientista político e professor titular da Universidade Nacional de Brasília (UnB).

Economia

Os principais pontos de partida para a análise de um eventual governo Temer na área econômica são o programa "Uma Ponte para o Futuro", lançado em outubro de 2015 pela Fundação Ulysses Guimarães, braço do PMDB comandado por Moreira Franco, "homem forte" de Temer, e as alianças e apoios políticos já anunciados em torno do vice.

O programa prevê medidas como a implementação de uma idade mínima para a aposentadoria, a redução da ação do Estado na economia, a desvinculação das receitas constitucionalmente previstas para gastos em áreas como saúde e educação, a flexibilização de normas trabalhistas e a retomada do processo de concessões.

"Do ponto de vista eminentemente econômico, esse programa traz uma agenda de cunho mais liberal, que quer reavaliar políticas públicas, avançar em temas como concessão e repensar a ação do Estado na economia para desfazer esse intervencionismo estatal", declara Zeina Latiff, economista-chefe da XP Investimentos.

"No campo econômico, o programa do PMDB é liberal”, concorda Carlos Alberto Ramos, professor titular da Faculdade de Economia da UnB. “Ele põe o setor privado, e não mais o Estado, como centro de gravidade da economia. Veja que a presidente Dilma defendia o papel do Estado como indutor do crescimento econômico. Essa agenda faz o contrário e põe a iniciativa privada como protagonista", afirma

"Se restringirmos a discussão apenas ao plano econômico, podemos classificar esse programa como liberal, mas acho que essa é uma agenda que está além de ser de esquerda ou de direita. É uma agenda que países europeus adotam independentemente dos campos ideológicos", diz Antônio Carlos Alves dos Santos, economista e professor da PUC-SP.

No social

Privatizações, mais ênfase em exportações e relançamento de programas como o Minha Casa, Minha Vida e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) são algumas das medidas que o vice-presidente Michel Temer pretende tomar caso o Senado Federal decida pelo afastamento da presidenta Dilma Rousseff.

Após lançar o documento Uma Ponte para o Futuro, o PMDB preparou outro conjunto de propostas, dessa vez com ênfase nas áreas sociais. Chamado de A Travessia Social, e elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães – presidida pelo ex-ministro da Aviação Civil Moreira Franco – o documento é uma antecipação do que Temer pretende fazer em relação a praticamente todos os programas sociais dos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff se assumir o Palácio do Planalto.

Um dos pontos do documento prevê o aumento da eficiência dos programas sociais, com foco principalmente na parcela mais pobre da população. No caso do Bolsa Família, o alvo seria os 10 milhões de brasileiros que compõem os 5% mais pobres da população. Para os 70 milhões que estão na faixa entre os 40% e 50% mais pobres, a prioridade será aprimorar a entrada no mercado de trabalho. O documento também prevê a criação de um programa de certificação de capacidades, com formação anual para trabalhadores, empregados ou não.

O cálculo do número de brasileiros que precisam de ajuda direta é a divergência mais perceptível entre o documento de Temer e a política de Dilma. Hoje, o Bolsa Família atinge cerca de 50 milhões de pessoas em 14 milhões de famílias. A proposta de Temer tira este benefício de 40 milhões de brasileiros. “A primeira coisa será expandir o sistema de proteção social para os 10 milhões de brasileiros que compõem os 5% mais pobres e que, por variadas razões, não estão integrados na economia nacional”, afirma o documento de Temer.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de miseráveis no Brasil – definidos pelo acesso duvidoso à alimentação mínima razoável – em 2013 passou dos 10,4 milhões. Desde então, com a crise, é razoável supor que o número cresceu.

O texto informa que não será necessário ampliar os investimentos sociais, e sim melhorar sua distribuição.  “Uma focalização especial neste segmento de excluídos não requer uma revisão substancial da política social brasileira, mas sim um aprofundamento daquilo que já fazemos bem, com mais descentralização, pois se trata aqui predominantemente de grupos humanos esparsos, vivendo em pequenas comunidades isoladas. Isso significa manter e aprimorar os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família”, diz o texto.

O desafio seguinte, segundo o documento, seria alcançar 70 milhões de pessoas que compõem o segmento situado acima do limite de 5% até o de 40% mais pobres. “Esta parte da população está perfeitamente conectada à economia nacional. Retomada a trajetória de crescimento, esta população seguirá junto”, diz o texto. Um documento anterior do PMDB, "Uma ponte para o futuro", apresenta as propostas econômicas que ajudariam o país a crescer. O programa de Temer contemplaria ainda educação continuada para essa faixa da população, que receberia um “cupom anual de formação continuada para habilitá-los a novas oportunidades e melhoria de vida”.

Minha Casa

O programa Minha Casa Minha Vida é elogiado pelo projeto de Temer e colocado como um “exemplo da aplicação virtuosa dos recursos dos impostos captados da sociedade”. Mas o texto acusa o governo atual governo de esvaziar o programa e negligenciá-lo ao longo dos últimos anos.

O PMDB pretende relançar o Minha Casa, Minha Vida e o Pronatec. O primeiro deverá ter também foco nos mais pobres. Já o Pronatec será avaliado quanto ao impacto na melhoria do emprego e na renda do trabalhador.

O documento cita que o governo teria sido o responsável pela eliminação de 1,7 milhão de empregos diretos e indiretos envolvidos na construção das moradias do programa e promete revitalizá-lo com foco nas famílias que recebem até quatro salários mínimos. “Nosso propósito, ao empreender um novo equilíbrio fiscal, é criar margem para alocação de recursos necessários à reativação do programa que está hoje praticamente parado, mas vai se tornar novamente uma prioridade", afirma o texto. "O MCMV deve ser relançado, tendo como prioridade os mais pobres”.

Ambicioso, o programa peemedebista propõe uma revisão dos programas conduzidos pelo atual governo, mas não dá detalhes sobre a execução dessas reformas. “O ponto fraco é a falta de uma cultura de avaliação que produza consequências. O importante é que os benefícios precisam chegar aos destinatários e os custos de administração dos programas devem ser os mais baixos possíveis”, diz o texto.

Trabalho

Responsável pelo Ministério da Previdência no governo Fernando Henrique Cardoso, Roberto Brant formula, a pedido de Temer, propostas de reformas na aposentadoria e nas leis trabalhistas. Uma das propostas prevê estipular a idade mínima de 65 anos para que homens e mulheres se aposentem.

A medida vem sendo cogitada pelo Palácio do Planalto há anos, mas enfrenta resistência de centrais sindicais como a CUT. O documento elaborado por Brant também prevê a desvinculação dos benefícios previdenciários e assistenciais (para deficientes e idosos de baixa renda) do salário mínimo. Caso a proposta seja aprovada, esses benefícios passarão a ser corrigidos anualmente apenas pela inflação, sem ganho real de renda.

Como compensação, o responsável pela plataforma de Temer na área pretende tornar a política de valorização do salário mínimo definitiva. Atualmente, a fórmula que considera o crescimento da economia, mais a inflação, tem vigência garantida apenas até 2019.

Outra área sensível que poderá ser alterada é a trabalhista, com uma proposta de flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A ideia, segundo Brant, seria permitir que acordos firmados entre empresas e sindicatos prevaleçam sobre as regras da CLT. A medida, no entanto, exigiria que fossem assegurados direitos básicos previstos na Constituição, como férias remuneradas, respeito ao salário-mínimo e pagamento de décimo terceiro.

"Temer tem condições de fazer as reformas. Deverá enviar as propostas nas primeiras semanas de governo e usar toda a sua experiência, como ex-presidente da Câmara e deputado, para convencer os parlamentares. Se deixar para depois, já era. Essas são as duas principais reformas. O resto são ajustes", disse Brant.

Privatizações

Na maioria das áreas, o documento defende mais proximidade entre governo e setor privado. “O Estado deve transferir para o setor privado tudo o que for possível em matéria de infraestrutura”, diz um trecho do programa. Em outro ponto, o texto diz que as áreas de maior atração de investimentos privados serão “as concessões de infraestrutura e a criação de bens de alto benefício social por meio de arranjos institucionais público-privados, nas áreas de habitação popular, de saneamento e transporte urbano de alta qualidade”.

Em A Travessia Social, o PMDB também diz que o Estado deixará de ser o provedor direto de bens públicos e que deverá ter foco em prover apenas o que o mercado não consegue. “O governo estará empenhado na criação e na melhoria dos bens públicos à disposição da população, em especial das populações mais pobres, mas não será mais seu provedor direto, para poder concentrar-se em saúde, educação, segurança pública e proteção social, que são bens públicos que o mercado tem dificuldades de prover”, de acordo com o texto.

As privatizações são citadas, inclusive, como sugestão para melhorias nos serviços de saúde. “É preciso identificar oportunidades de colaboração com o setor privado, para desenvolver parcerias público-privadas com compartilhamento de riscos operacionais e financeiros, para estimular aumentos de produtividade e ganhos de eficiência”, diz o documento.

Para o PMDB, é necessária uma nova lei de licitações e mudanças em outras normas que regulam as relações com o setor privado.

Ajuste fiscal

De acordo com o programa de Temer para a área social, “o aprofundamento da contração do gasto público e a busca de superávits fiscais a qualquer preço podem não ser o melhor caminho” para as contas públicas. O partido vê na aprovação, pelo Congresso Nacional, de medidas de equilíbrio fiscal como “um esforço bem-sucedido de crescimento”.

“Sem o peso das atuais restrições estruturais, vamos poder aliviar a contração da economia, estimular a iniciativa privada e começar um longo esforço para proteger os mais vulneráveis dos efeitos da crise e começar a tornar mais suportável a vida das grandes maiorias nas cidades”, diz a proposta peemedebista.

Chama a atenção no projeto a análise de que grande parte dos mais pobres melhorariam de vida principalmente com a evolução da economia em geral, e não com assistência do governo. Segundo Fernando Ferrari Filho, professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), manter os programas sociais e reduzir o déficit habitacional são medidas importantes, mas o grande desafio de qualquer governo nos meses à frente é fazer as reformas necessárias, que deem condições para que a economia volte a funcionar.

“Para mim, a reforma tributária é a mais emergencial. Ela deve racionalizar os tributos, ser eficiente e progressiva (cobrar mais dos mais ricos). Espera-se que a tributação incida menos sobre a produção de bens e serviços e mais sobre a renda, o patrimônio e o capital”, diz Ferrari. Outras mudanças muito desejadas e lembradas por economistas são a reforma da previdência, a reforma fiscal, as novas regras para grandes obras de infraestrutura e a mudança no regime de exploração do petróleo no pré-sal.

Ferrari explica que faz sentido esperar avanço social como consequência de reaquecimento da economia, mas alerta que o tempo corre contra os planos do vice-presidente. “Daqui a 2018 não há condições de fazer a economia voltar a crescer e conseguir com que a inclusão social continue. Seria preciso avançar muito em reformas estruturais e institucionais”, diz Ferrari.

Mercado externo

Para o PMDB, os “motores possíveis para o novo crescimento do país” são o investimento privado e as exportações. “As exportações devem se tornar uma parte importante de nossa economia e uma fonte permanente de empregos bem remunerados para nossa população”.

No documento, o PMDB também aponta que, para tornar o setor industrial competitivo, é necessário revisar o sistema tributário.

O programa também defende mais análise sobre a inserção do Brasil em acordos regionais de comércio. “Esses acordos regionais são uma arquitetura aberta, à qual podemos ou devemos aderir, com o pesado custo de ter que aceitar regras em cuja definição não tivemos qualquer participação. Vamos pagar o custo de ter chegado tarde por culpa exclusivamente nossa, e talvez venhamos a encontrar agora um ânimo mais protecionista nos países centrais”.

Retrocesso?

Na presidência, Michel Temer suscetível à pressão das bancadas mais conservadoras do Congresso? É provável. As frentes parlamentares da Segurança Pública, Evangélica e do Agronegócio da Câmara dos Deputados (apelidadas de BBB – Bala, Boi e Bíblia) esperam ter Temer como um grande interlocutor no Planalto.

Desde o início do mês as principais lideranças destas bancadas têm frequentado o palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente, para discutir com o peemedebista suas principais pautas e reivindicações caso ele assuma a presidência. As três frentes apoiaram massivamente o impedimento de Dilma, e suas lideranças são unânimes em criticar o que consideram de "falta de diálogo" da presidenta com os parlamentares.

Esta relação próxima significa mais facilidade para aprovação de medidas que podem causar um retrocesso em direitos já conquistados.

Entre as pautas que a bancada conservadora pretende colocar em votação este ano está o Estatuto da Família, que já foi aprovado em comissão especial mas ainda precisa ser votado no plenário da Casa. O projeto causou polêmica ao definir o núcleo familiar como sendo composto por um homem e uma mulher, descartando os diversos outros modelos de família existentes na sociedade.

Propostas como o Estatuto do Nascituro, que visa dificultar ainda mais o acesso ao aborto legal, isto é, o aborto para vítimas de estupro, que hoje é permitido, podem ser aprovadas. Outra Proposta de Emenda à Constituição permite que associações religiosas proponham ações diretas de inconstitucionalidade para barrar leis que contrariem seus interesses.

É fato que Temer também estuda efetivamente a implantação dos cortes na saúde e educação. Isso seria feito através do fim das vinculações de receitas do orçamento, que estipulam um gasto mínimo com setores essenciais. Pronatec e Fies seriam reavaliados e reduzidos, segundo Moreira Franco, uma das figuras mais próximas a Temer.

Outra preocupação é a sobreposição das convenções coletivas sobre as normas legais trabalhistas, ponto também presente do documento “Ponte para o Futuro”. Isso significa que acordos específicos entre trabalhadores e patrões teriam prevalência sobre a legislação trabalhistas, que protegem o trabalhador. Segundo o economista da Fundação Perseu Abramo Guilherme Mello, em tempos de crise, essa medida pode significar a extinção de direitos, visto que o trabalhador se encontra fragilizado.

Boi

Jerônimo Goergen (PP-RS), uma das lideranças da Frente Parlamentar da Agropecuária (o Boi da bancada BBB), afirma que no passado Temer se mostrou simpático ao grupo. “Ele já demonstrou para nós em alguns pontos, como na aprovação do novo Código Florestal e do marco regulatório do biodiesel, que respeita nossas posições”. De acordo com o deputado, sempre que procurado pela bancada o vice “retribuiu com apoio e solidariedade”. Segundo ele, a relação com Dilma foi “inexistente”: “O setor sobreviveu porque foi competente, uma vez que o dinheiro do Plano Safra foi usado, em 2015, nas pedaladas fiscais”.

De acordo com o parlamentar, será formulada uma pauta com propostas para o setor, que será entregue a Temer caso ele assuma a presidência. Entre os pedidos estão o fim do financiamento a programas agrícolas ligados ao Movimento dos Sem-Terra e a aprovação da PEC 215, que tira do Executivo o poder para demarcar terras indígenas e confere essa prerrogativa ao Legislativo. “O tema da segurança jurídica e o controle das invasões é muito importante”, afirma.

Bala

O deputado Alberto Fraga (DEM-DF), representante da bancada da bala, acredita que uma mudança no Governo será uma vitória para as pautas defendidas pela frente. “O diálogo com a Dilma é impossível, os petistas nos consideram conservadores demais, e eles dizem que não abrem a mão do povo desarmado”, afirma o parlamentar. Fraga diz ter tentado abordar a questão da flexibilização do Estatuto do Desarmamento com o ex-ministro da Justiça e atual advogado-geral da União José Eduardo Cardozo, sem sucesso. “Por que não fazem o mesmo esforço para desarmar o bandido?”, questiona.

A tramitação do projeto de lei que acaba com o Estatuto do Desarmamento foi interrompida para aguardar um clima favorável para a aprovação. A matéria já havia sido aprovada em comissão especial. “Sabíamos que independente de toda a luta que iríamos ter, ser fosse aprovado no plenário da Câmara e depois no Senado, ainda assim havia a possibilidade da Dilma vetar, seria trabalho jogado no lixo”, afirma Fraga.

O democrata afirmou ainda que já esteve “pessoalmente” com o vice-presidente nas últimas semanas, e diz não ter "dúvidas" de que “Temer é mais sensível do que a Dilma com relação à flexibilização do Estatuto”. “Já tratei disso com ele indiretamente, de maneira informal, é negociável”, afirma.

Nem ao mar e nem à terra

O cientista político Cláudio Couto, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), entende que nem todas as pautas propostas serão aceitas. “Um eventual Governo Temer tende a ser mais conservador que o Governo Dilma”. Mas ele lembra que o mesmo PMDB de Temer já abriga muitos dos integrantes da chamada bancada BBB. “Por isso é possível imaginar uma relação mais tranquila com essas bancadas, o que não significa supor que Temer encamparia todas essas agendas específicas”, afirma.

Para Couto, caso o peemedebista assuma o Planalto não irá formar um Governo ultraconservador, “mas tampouco será um Governo de enfrentamento aos interesses da bancada BBB”. O professor cita ainda o cuidado que Dilma teve com os interesses dos grupos conservadores: “Ela procurava ter alguma cautela com essas bancadas, principalmente a evangélica. E não podemos esquecer que Dilma levou a Kátia Abreu [da bancada ruralista, que assumiu o ministério da Agricultura] para dentro do Governo”.

Ricardo Caldas, cientista político da UnB, também não acredita que caso assuma Temer atue na defesa de “pautas de grupos de pressão específicos”. “Ele vai buscar agir em pautas mais consensuais, como combate à inflação e geração de empregos”, afirma o professor. “Ele irá precisar de apoio político de todo o espectro de partidos para poder governar, então acredito que irá buscar o mínimo denominador comum entre as legendas, com o objetivo de não perder o apoio de nenhum”, diz.

 

QUEM É MICHEL TEMER?

O vice-presidente Michel Temer não chegou a esse cargo do nada. Com quase 50 anos de carreira, o peemedebista sempre circulou entre nomes importantes da política nacional. Temer iniciou a carreira política nos anos 60, como oficial de gabinete de Ataliba Nogueira, secretário de Educação do então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, no período 1963-1966. Mas foi como deputado da Assembleia Constituinte, pelo PMDB, que começou a despontar. No período, Temer foi da Comissão de Justiça onde defendeu o regime presidencialista – contra propostas de parlamentarismo no país – e foi responsável por definir as competências das polícias Civil e Militar na Constituição.

Na primeira eleição direta para presidente após o regime militar, Temer ainda cumpria mandato de deputado federal constituinte. Na época, o candidato do PMDB Ulysses Guimarães sofreu com a oposição interna da ala do partido ligada a Orestes Quércia, que também queria sair candidato. Ulysses ficou apenas em sétimo lugar no pleito que elegeu Fernando Collor. No fim de 1989, Temer foi um dos deputados que se reuniu com Quércia para discutir a criação de um novo partido (que acabou não se concretizando).

Durante boa parte daquele de 1992, Temer atuou como procurador-geral de São Paulo -doutor em direito, teve longa carreira como jurista. Ao lado de outros 19 procuradores de Estados, defendeu a votação nominal e aberta do pedido de impeachment de Fernando Collor na Câmara. Em 1994, já no governo Itamar Franco, Temer disse: "Pela primeira vez na história do Brasil, o Legislativo conseguiu colocar para fora um presidente da República pela via constitucional".

Foi em um triste momento dos direitos humanos no Brasil que Michel Temer deu mais uma prova de ser um nome lembrado em situações de crise. Ele entrou no lugar do secretário de Segurança Pública, Pedro Franco, que caiu por ordem do então governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, pressionado pela opinião pública após ter dado a ordem que causou a morte de 111 presos na penitenciária do Carandiru. Temer já havia sido secretário de Segurança na gestão de Franco Montoro, entre 1984 e 1986.

Em pleno plano real, Temer tentou se candidatar ao governo de São Paulo (1994). Na época, era Secretário de Governo de Fleury e saiu do cargo para tentar a pré-candidatura. Acabou articulando um acordo e apoiou o colega de partido José Munhoz, para que o favorito de Fleury – José Fernando da Costa Boucinhas, então secretário de Planejamento – perdesse espaço na disputa interna. Na corrida eleitoral, Temer se reelegeu deputado federal.

Amigo de tucano

Em outubro de 1994, em meio ao segundo turno das eleições para presidente e governador, Temer e outras 86 lideranças do PMDB declararam abertamente apoio a Mário Covas em São Paulo – amigo pessoal de José Serra, Temer sempre teve proximidade com os tucanos. No ano seguinte, já como líder do PMDB na Câmara, reivindicou mais espaço no governo e conseguiu de FHC a garantia de que o PMDB teria cargos.

Quando a Câmara aprovou a emenda constitucional da reeleição, que permitiu que FHC pudesse realizar um segundo mandato, Temer era líder do PMDB na Casa e garantiu o apoio de 67 peemedebistas. À frente da Câmara no biênio 1997-1998, ele desengavetou o projeto do novo Código Civil, aprovado na gestão de Aécio Neves, e esteve à frente da aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), criada por uma medida provisória em 1996, da lei que instituiu a taxa até 2007.

Sem candidato próprio a presidente em 1998, o PMDB de Temer apoiou FHC informalmente na reeleição. Mas as relações começaram a estremecer no ano seguinte. Um dos principais aliados de Fernando Henrique, Antônio Carlos Magalhães (PFL) era presidente do Senado, e Temer estava à frente da Câmara (1999-2000). ACM resolveu cobrar de Temer agilidade na votação da reforma do Judiciário. A discussão entre os dois teve até ofensas pessoais.

Esnobado pelo PT

Já como presidente nacional do PMDB (desde 2001, onde continua até hoje), articulou em 2002 para a peemedebista Rita Camata ser a vice na chapa do tucano nas eleições para presidente. Após a vitória de Lula, houve uma tentativa do PMDB se aproximar do PT via José Dirceu, mas Lula não quis. Temer também foi cotado para ser o vice de Marta Suplicy nas eleições para prefeito de São Paulo, e houve nova recusa dos petistas.

Além do enorme escândalo político deflagrado pela denúncia de Roberto Jefferson, o então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, teve que renunciar por conta de uma propina recebida para deixar o empresário Sebastião Buani instalar seus restaurantes na Casa. E onde estava Temer? Foi mais uma vez cotado para presidir a Câmara, mas à época, Lula novamente o esnobou: "O Michel é um grande quadro, mas não sei se será o caso", disse em setembro de 2005.

Cansado de ser escanteado pelo PT, o peemedebista começa a se "rebelar" discretamente. Em seu terceiro mandato como presidente da Casa (2009-2010), Temer chegou a declarar que queria "restringir a atividade legislativa do Executivo", após decidir que as medidas provisórias não poderiam mais trancar a pauta do plenário em matérias que não fossem leis ordinárias. No fim de 2009, conseguiu garantir que o vice da chapa de Dilma Rousseff nas eleições de 2010 seria do PMDB. O escolhido foi Michel Temer.

Nas sombras

Em março de 2012 já se sabia que Dilma sofria a insatisfação da base aliada, incluindo aí o PMDB do vice, Michel Temer. Essa crise durou praticamente toda o primeiro mandato da presidente e permitiu, entre outras coisas, a ascensão da influência do também peemedebista Eduardo Cunha na Câmara, graças ao apoio do "baixo clero" parlamentar. Enquanto isso, Temer "lavou as mãos" e se resignou em permanecer ao lado de Dilma apenas de forma protocolar.

Mesmo com a pressão interna de parte dos quadros do PMDB, Temer continuou fiel a Dilma na chapa das eleições de 2014 e mesmo nos primeiros meses de 2015; em abril, foi nomeado o articulador político do governo. Na função, tentou convencer o Congresso e os partidos a apoiar Dilma na crise, além de afirmar que a recessão econômica seria algo para ser rapidamente superada. Não conseguiu sucesso em agregar a base nem em acalmar a oposição. Pior: a indisposição do PMDB com Dilma continuou crescendo.

Com a pressão da oposição por um impeachment da presidente e os escândalos da Operação Lava Jato ainda em andamento, Temer foi colocando o pé "fora do barco" do governo. No fim de agosto, o vice teria se irritado com Dilma por não ter sido consultado sobre a possibilidade da recriação da CPMF. Deixou o cargo de articulador político e começou a defender ideias como "o governo precisa evitar remédios amargos para sair da crise" e "ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice de aprovação [do governo]".

Ruptura

No início de dezembro, com o processo de impeachment da presidente Dilma aberto pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, Temer explicitou as divergências com o governo em uma carta destinada diretamente à presidente. Ele listou uma série de episódios que demonstrariam a "absoluta desconfiança" que sempre existiu em relação a ele e ao PMDB por parte da petista. O peemedebista alega que passou os quatro primeiros anos do governo como "vice decorativo". "Sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB", escreveu.

Em março de 2016, o PMDB oficializou o "desembarque" do partido no governo Dilma, colocando fim a uma aliança de 13 anos com o PT. A reunião que definiu a saída do PMDB durou apenas três minutos e foi encerrada com gritos de "Fora PT" e "Brasil para frente, Temer Presidente". Michel Temer não participou dela. Após o desembarque, ministros entregaram seus cargos, mas Temer afirmou que não renunciaria ao mandato de vice-presidente.

Durante ato de políticos, estudantes e educadores contra o processo de impeachment de Dilma Rousseff, a presidente chamou Michel Temer de "chefe conspirador" contra o governo e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), então presidente da Câmara dos Deputados, de "vice-chefe". O discurso foi feito após a divulgação de um áudio em que Temer fala como se o impeachment da presidente já tivesse sido aprovado, antes mesmo de ele ter sido votado no plenário da Câmara.


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