24/04/2024 - Edição 540

Comportamento

Assédio nas universidades

Publicado em 28/04/2016 12:00 -

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No início de março desse ano, estudantes do curso de arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Prebiteriana Mackenzie de São Paulo denunciaram o professor Paulo Giaquinto à ouvidoria da instituição. Os alunos afirmam que durante uma de suas aulas, Giaquinto comentou, em tom de deboche, que Roger Abdelmassih, ex-médico que em 2010 foi condenado a 278 anos de reclusão por ter abusado de 56 pacientes, não tinha cometido estupro, pois seu "contrato dizia reprodução assistida".

Antes de realizar uma denúncia formal às autoridades da instituição, alguns estudantes se articularam e espalharam pela faculdade cartazes com os dizeres "você sabia que um professor fez piada sobre estupro em sala de aula?". No mesmo dia os cartazes foram tirados por terceiros. Ao entrar em contato com o diretor da faculdade, Valter Caldana, os alunos foram informados que como era a primeira vez que Giaquinto fez algo do tipo, não poderia ser demitido, mas que a diretoria faria um esforço para realizar discussões e campanhas relacionadas a gênero.  

O episódio fez com os estudantes, principalmente as mulheres, percebessem a necessidade da criação de um coletivo feminista para discutir o assunto. Assim nasceu o Coletivo Zaha, cujo nome é uma homenagem à arquiteta Zaha Hadid, a primeira mulher a ganhar o prêmio Pritzker, considerado o "Nobel da Arquitetura". 

Com as reuniões do coletivo, as alunas perceberam que o caso de Giaquinto não era uma exceção. "Começamos a discutir relatos de coisas que tínhamos ouvido de professores e todo mundo tinha uma coisa para contar, que tinha visto ou ouvido. Percebemos que comentários machistas e de mau gosto eram mais comuns do que pensávamos", conta a estudante Lela Brandão.

Seis modalidades

De acordo com a pesquisa "Violência contra a Mulher no Ambiente Universitário", realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular, existem seis tipos de violência contra a mulher: a coerção, que consiste na ingestão forçada ou sem conhecimento de bebidas ou drogas, bem como a partipação forçada em atividades; a violência física; a desqualificação intelectual; a violência sexual, que vai desde o toque sem consentimento até o estupro; o assédio sexual, que engloba comentários e cantadas ofensivas ou com apelo sexual indesejado; e a agressão moral e psicológica, que pode ser uma humilhação por professores e alunos, ofensa ou maltrato por rejeitar uma investida. Entre os relatos ouvidos pelo coletivo estavam vários casos de assédio sexual, desqualificação intelectual e agressão moral.

Percebendo a gravidade da situação, as participantes do coletivo organizaram a campanha #esseéomeuprofessor, em que imprimiram cartazes com frases de cunho machista que as estudantes ouvem em sala de aula e, na última terça-feira (26), os colaram nas paredes da faculdade. "Não basta você ser gordinha…", "Para uma menina…", "Você fala muito palavrão", "Menina bonita precisa…". 

"Hoje a FAU Mackenzie acordou em um clima diferente. Deixamos que as paredes do prédio falassem por nós o que silenciamos por tanto tempo: coisas que fomos e somos obrigadas a ouvir dentro da sala de aula, partindo de nossos professores", explica post na página do Coletivo Zaha no Facebook. "Todas as frases são reais e foram confirmadas por pelo menos duas testemunhas. Reunimos relatos de meninas que se sentiram impotentes e não souberam reagir a agressões verbais por estarem sozinhas. Mas agora estamos juntas. E não vamos mais nos calar."

Procurada pela reportagem para comentar o caso, a assessoria do Mackenzie respondeu: "O mural realizado pelos alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo demonstra sua preocupação com o tema e a importância da discussão sobre intolerância no Brasil hoje. No seio desta questão, a escola informa que está organizando um seminário sobre 'Gênero e Preconceito', que será realizado ainda no mês de maio. O Mackenzie orgulha-se por formar cidadãos críticos e atuantes, que discutem os problemas do dia a dia da sociedade. Também respeita a liberdade de pensamento e o debate democrático, presente entre as milhares de pessoas que transitam todos os dias pelos seus campi”.

A reportagem também questionou quais são os passos que um estudante que sofreu algum tipo de violência dentro da universidade deve seguir para abrir um processo administrativo e como essas informações são divulgadas pela instituição, porém não recebeu respostas.

Ativismo

A articulação dos coletivos feministas da faculdades e universidades brasileiras têm sido essencial tanto para o acolhimento das vítimas de assédio quanto para que as denúncias sejam reforçadas dentro das instituições. Por vezes, ao procurar as autoridades, as alunas são desacreditadas ou, como no caso do Mackenzie, não fica claro o que devem fazer para denunciar. 

"Quanto menos a gente deixa, menos acontece. No ambiente acadêmico você tem que se sentir segura e respeitada", afirma Lela Brandão. 

Com o intuito de fazer com que as estudantes rompam o silêncio sobre as violências sofridas no dia a dia da vida acadêmica, surgiu a página de Facebook "Meu Professor Abusador". "Somos uma iniciativa formada por futuras professoras com o objetivo de denunciar os abusos que ocorrem em sala de aula e prestar apoio às vítimas", diz a descrição da página, que reúne uma série de denúncias anônimas sobre casos de assédio sofridas por estudantes de cursinhos e universidades de todo o Brasil.


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