19/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Meu voto pelas Recatadas, pelos Políticos e pelo Valdemort

Publicado em 22/04/2016 12:00 - Rodrigo Amém

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Bela, Recatada e "Do Lar"

Começamos com uma dessas coisas que este espaço me obriga a fazer, de tempos em tempos. Já tive que defender a Cláudia Leitte. Agora, não só fui obrigado a ler, mas terei que defender a Veja, olha que situação. Muita gente achando um absurdo o perfil publicado na última edição do Semanário dos Cidadãos de Bem. Principalmente o título da matéria, que foi interpretado como uma romantização da condição submissa da mulher de Michel Temer. O texto, de autoria da jornalista Juliana Linhares, fala de Marcela sob os olhos das pessoas ao seu redor, sobre como elas interpretam o que ela pensa, quer e gosta. Em momento algum dá voz à Marcela. E essa é a questão. O texto usa expressões arcaicas para falar da condição passiva da mulher e de seu relacionamento com Temer. Sua opinião não transparece porque ela não tem voz nessa ilusão, neste pastiche de romance conservador: sua função é transparecer beleza e felicidade. Na minha opinião, é um sutil libelo feminista. E seria assim considerado se tivesse saído na Piauí. Aliás, achar que uma mulher não pode ser sarcástica para falar de machismo é, sei lá, meio machista.

Pela família, pela pátria, pelamordedeus!

A votação de domingo deu um nó no Brasil. Pessoas indignadas com o circo de horrores e erros gramaticais que testemunhamos em rede nacional. Como é de costume, muita gente decidiu que o culpado era o povo. "Esse congresso é a cada do Brasil". Não, senhora, não é. E essa é a questão. Apenas 35 deputados foram eleitos pelos próprios votos. O resto foi puxado pelo quociente eleitoral de cada Estado ou pelos votos do partido. Para se ter uma ideia, no MS, só o Zeca do PT teve suficiente votos para ser deputado federal. No entanto, temos oito representantes na Câmara. Dessa forma, se você escolheu um candidato que já estava matematicamente eleito, o seu voto foi transferido para outro candidato da mesma coligação. Parabéns! E se você fez seu protesto hipster votando no Bozo, parabéns! Você acaba de garantir foro privilegiado ao tesoureiro do Fernandinho Beiramar.

E essa manada de sortudos agora tem que suar a camisa para fazer da votação de impeachment uma oportunidade de marketing eleitoral. Seu depoimento na votação será repetido ad nauseum nas suas próximas campanhas. Por isso, o discurso tem pouco a ver com crime de responsabilidade. Não é disso que estamos falando. Estamos gravando o horário eleitoral gratuito. E, se fizermos nossa parte direitinho, ainda vai rolar uma verba extra para umas camisetas e bonés. Pergunta pro Cunha e ele te indica uma galera bacana.

E é por isso que a tal reforma política não sai do papel. Num sistema que priorizasse o eleitor e não o partido, nossa democracia sofreria menos negociatas e momentos de vergonha alheia. Não teríamos, por exemplo, o incidente da cusparada, já que Jean Wyllis também chegou à Câmara na garupa dos votos do Chico Alencar. Enquanto tivermos um sistema político desenhado para dar a ilusão de participação popular em que você escolhe uma pessoa mas elege outra, representatividade é conversa para boi dormir. Ou votar.

Não vamos falar de Valdemort

Eu passo boa parte do meu tempo me contradizendo. Tentando mostrar, com dados e fatos, que dados e fatos não importam. O ser humano toma decisões baseadas em diversos fatores. Quase nenhuma delas embasadas em lógica e pensamento científico. Por exemplo, se você confronta um cidadão com evidências contrárias às suas crenças, você acha que ele revê sua posição? Muito pelo contrário. Ele as reafirma. Isso porque parte do cérebro humano associa opinião com identidade. Dizer que estou errado vira uma afronta à minha individualidade. Então eu me refugio no extremismo. Duvida? Abra o seu Facebook.

Eu garanto para você: não tem tanto fã de tortura assim. Nem tanta gente saudosa do regime militar. O que existe é uma parcela população se refugiando no extremismo toda vez que uma parte da sua visão do mundo é desafiada. Claro, o mesmo vale para a esquerda. Acredite, a maior parte das pessoas acha que cuspir no coleguinha é errado e um erro não justifica o outro. Claro, tortura e cusparada não são iguais. Mas nenhuma das duas coisas se justificam pela identidade da vítima.

O problema é que tem gente que utiliza esse processo como ferramenta de marketing e branding. E toda vez que um tipo usa o extremismo como forma de promoção a gente cai feito patinho. Faz o nome do cara ficar onipresente, ganhar relevância no Google, o que é sério, por alguma razão. O que Valdemort quer não é matar Harry Potter. Ele quer é ser lembrando e temido, porque quem é lembrado e temido faz com que as pessoas pautem suas vidas em torno de si. E estar no centro das atenções é tudo que um político de meia pataca quer. Por isso, não citaremos mais seu nome. Porque toda vez que mencionamos "aquele que não deve ser mencionado", uma reacinha ganha asas.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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