28/03/2024 - Edição 540

Especial

Amontoados

Publicado em 27/03/2014 12:00 -

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Um grande número de pessoas em espaços muito pequenos. Esta é a realidade do sistema carcerário brasileiro. A superpopulação é um problema encontrado em todo o país. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, o déficit de vagas no sistema penitenciário brasileiro chega a 256 mil.

Fábio Sá e Silva, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explica que não é tarefa simples conseguir novas vagas para detentos no país. Além do alto custo, é necessário enfrentar a rejeição da sociedade. "As cidades não querem receber presídios. Elas se mobilizam contra, os cidadãos pedem audiências públicas para rejeitar o projeto, o Ministério Público entra com ação civil para que não seja construído o presídio".

De acordo com Douglas Martins, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), abrir uma vaga no sistema prisional custa em torno de R$ 40 mil.

A superlotação não é um problema exclusivo de penitenciárias. Muitas delegacias também sofrem com a falta de espaço e o excesso de presos. No Paraná, por exemplo, as delegacias abrigam 10.600 pessoas em  4.400 vagas.

Bola de Neve

Dados do Ministério da Justiça (MJ) mostram o ritmo crescente da população carcerária no Brasil. Entre janeiro de 1992 e junho de 2013, enquanto a população cresceu 36%, o número de pessoas presas aumentou 403,5%.

De acordo com o Centro Internacional de Estudos Penitenciários, ligado à Universidade de Essex, no Reino Unido, a média mundial de encarceramento é 144 presos para cada 100 mil habitantes. No Brasil, o número de presos sobe para 300.

Atualmente, são aproximadamente 574 mil pessoas presas no Brasil. É a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil). “Estamos inseridos em uma sociedade que, lamentavelmente, tem aquela sensação de que a segurança pública depende do encarceramento. Se nós encarcerarmos mais pessoas, nós vamos conseguir a paz no país. Se isso fosse verdade, já teríamos conquistado a paz há muito tempo”, criticou Douglas Martins.

Entre janeiro de 1992 e junho de 2013, enquanto a população cresceu 36%, o número de pessoas presas aumentou 403,5%.

Dentro dos presídios, as condições são precárias. Falta de espaço e de higiene leva a uma série de doenças. Há poucos profissionais de saúde para tratá-los. A violência é, sobretudo, um dos grandes desafios dos gestores do setor. “O preso sofre violência sexual, não recebe a alimentação adequada, morre no sistema prisional. E como é que ele se sente mais seguro? É se associando a uma facção do crime organizado. E isso transformou as facções, hoje, em verdadeiros monstros no país”, explicou Martins.

Na outra ponta estão aqueles que mantêm os presídios funcionando, e que também têm queixas a fazer. “Fica uma categoria sem valorização, sem prestígio, sem uma atribuição definida. Cada estado pode inserir ou retirar atribuição, passar a atribuição para uma outra categoria que não deveria fazer. Então, nós precisamos de uma organização maior, em nível federal, do sistema prisional do país”, analisou o presidente do Sindicato dos Agentes de Atividades Penitenciárias do Distrito Federal, Leandro Allan.

Saídas

Uma das sugestões para desafogar os presídios é rever a punição de alguns crimes como, por exemplo, o uso de drogas. A subprocuradora-geral da República, Ela Wiecko, defende essa alternativa. "Todo mundo pratica crimes, mesmo pequenos, em algum momento da vida. Ninguém pode dizer 'eu nunca cometi' alguma coisa que, lá no Código Penal, não conste como crime ou tenha constado. Um exemplo é o adultério, que estava no código algum tempo atrás".

Atualmente, a remissão da pena é uma das formas de tirar o preso da cadeia antes do tempo. Condenados trabalham ou estudam enquanto reduzem dias de suas penas. "O colégio está me fornecendo remissão de pena. É como se eu fosse estudar dois dias e ganhar um. Um dia fora desse lugar é muito bom", diz um detento do Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros, no Recife.

Informatizar os processos também tem se mostrado uma saída eficiente para combater a superlotação das prisões. No Paraná, a informatização reduziu o tempo de análise de casos em que o detento pode ser solto por causa de algum benefício. A análise do processo, que demorava cerca de seis meses, é concluída em aproximadamente duas semanas.

O problema não é exclusivo de penitenciárias. Muitas delegacias também sofrem com a falta de espaço e o excesso de presos.

Com esse sistema, o juiz recebe, no próprio computador, um aviso quando um preso tem direito a um benefício, além de ser informado sobre as datas de cada processo. Dessa forma, foram emitidos mais de 6 mil alvarás de soltura. A iniciativa reduziu o número de presos no estado de 30 mil, em 2011, para 28 mil, em 2013. Além disso, o CNJ faz mutirões carcerários em todo o país, visando a agilizar o maior número possível de processos de detentos que podem obter redução de pena.

Já a falta de defensores públicos é um entrave para os presos condenados e também para os cerca de  215 mil presos provisórios, que correspondem a 38% da população carcerária do país, de acordo com o Depen.

Presos provisórios

Em fevereiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, entregou ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, proposta para tentar reduzir o número de presos provisórios em presídios. A proposta de alteração legislativa apresentada por Lewandowski prevê que os juízes tenham de se manifestar sobre a possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas antes de decretar prisões preventivas ou em flagrante.

Para Lewandowski, as medidas sugeridas poderão contribuir para a redução da superlotação nos presídios brasileiros, que estão com número excessivo de presos provisórios. São presos ainda que não passaram por julgamento, mas acabam ficando detidos, mesmo sem condenação que justifique a privação de liberdade por mais tempo do que o previsto em lei.

De acordo com o ministro, a proposta de alteração legislativa deixará a lei em harmonia com a jurisprudência do STF, que determina que a prisão sem condenação deverá ser bem fundamentada e decretada somente em casos excepcionais de extrema necessidade.

Prisões Modelo

Unidades prisionais pequenas, estímulo do contato dos detentos com suas famílias e com a comunidade, trabalho, capacitação profissional e assistência jurídica eficiente. Essas são algumas das características de prisões consideradas modelo que já funcionam pelo país. Elas estão sendo tratadas pelas autoridades como possíveis soluções para os problemas do sistema prisional brasileiro.

O sistema carcerário do país já foi classificado de "medieval" pelo próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Entre seus principais problemas estão os assassinatos, a superlotação, a falta de infraestrutura e higiene, os maus-tratos, a atuação do crime organizado e os motins.

A média mundial de encarceramento é 144 presos para cada 100 mil habitantes. No Brasil, o número de presos sobe para 300.

Segundo o especialista em segurança pública Cláudio Beato, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a violência dentro dos presídios está diretamente relacionada com a insegurança nas ruas.

Como o Estado falha em garantir a integridade dos presos em muitas unidades prisionais, segundo ele, para se proteger, os detentos se organizam em facções criminosas. Porém, esses grupos evoluem criando redes de advogados, formas de financiamento, obtenção de armas e assim elevam o crime para um nível mais nocivo, que afeta toda a sociedade. "As prisões são as responsáveis pela mudança do patamar do crime no Brasil", afirmou.

Estado Presente

A primeira forma de mudar a realidade carcerária seria então fazer o Estado cumprir seu papel de garantir a segurança dos detentos. Mas é mais difícil fazer isso em unidades prisionais enormes e superlotadas.

"Unidades (prisionais) pequenas e próximas da comunidade com a qual o detento tem laços: essa é a melhor forma para colaborar com a sua recuperação", afirmou o juiz Luiz Carlos de Resende e Santos, chefe do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, um órgão do CNJ.

Segundo ele, há atualmente no sistema prisional do país algumas unidades que possuem essas características e poderiam ser tomadas como modelos.

Santos diz que, na maioria dos casos, o bom funcionamento dessas prisões está diretamente relacionado a uma determinada gestão ou administrador. Por isso, a maioria das boas experiências acabam surgindo e desaparecendo em um movimento cíclico. Ainda assim, algumas delas têm perdurado por anos e estão chamando a atenção dos especialistas do setor.

APAC

Um dos modelos positivos citados por analistas é o da Associação de Proteção e Amparo aos Condenados (Apac). Ele funciona em mais de 30 unidades em Minas Gerais e no Espírito Santo e abriga aproximadamente 2.500 detentos.

O modelo tem uma forte ligação com a religião cristã – fato criticado por alguns especialistas. Suas características principais são proporcionar aos presos contato constante com suas famílias e comunidade, ensinar a eles novas profissões – como a carpintaria e o artesanato – e não usar agentes penitenciários armados na segurança.

Uma das principais vantagens do sistema é a baixa taxa de reincidência dos detentos no crime – entre 8% e 15%, segundo o CNJ. Nos presídios comuns ela pode chegar a 70%, de acordo com a entidade.

Mas para que o modelo dê certo, os presos (dos regimes fechado e semiaberto) que participam dele são cuidadosamente selecionados. Detentos com histórico de violência e desobediência, além de líderes de facções criminosas, geralmente não têm acesso a essas unidades. Mesmo assim, segundo Santos, o índice de fugas ainda seria maior que o do sistema penitenciário comum. "O modelo da Apac é interessante e funciona muito bem para os presos menos perigosos e eles são a grande maioria (da população carcerária do país)", afirmou Beato.

Modelo Americano

Há pouco mais de dez anos as unidades prisionais do Estado do Espírito Santo viviam uma situação de caos, com um cenário de superlotação, escassez de agentes penitenciários e falta de um modelo de gestão.

Os detentos chegaram a ser colocados em penitenciárias provisórias, nas quais as celas eram feitas de contêineres – o que gerava um calor insuportável e tornava o ambiente insalubre.

A situação caótica virou alvo de críticas de juristas e ativistas, que chegaram a denunciar os abusos a organismos internacionais de defesa de direitos humanos. "Foi uma época em que vivemos uma situação semelhante à que o Maranhão vive hoje, as celas metálicas foram uma solução imediata para desafogar as unidades e depois reconstruir o sistema", disse o secretário de Justiça do Espírito Santo Eugênio Coutinho Ricas.

O governo local então decidiu investir mais de R$ 450 milhões em um processo de criação das atuais 26 unidades prisionais capixabas. A construção foi feita por empresas estrangeiras e seguiu um modelo arquitetônico padronizado criado nos Estados Unidos. Cada unidade abriga no máximo 600 detentos. Eles ficam divididos em três galerias de celas e não se comunicam.

Os edifícios têm ainda salas específicas onde os detentos participam de oficinas profissionalizantes ou recebem atendimento odontológico e psicológico. Segundo Ricas, o modelo diminuiu a quantidade de fugas e tumultos e dificultaria ainda a organização das facções criminosas. O esforço do Estado é visto pelo CNJ como um exemplo positivo, segundo o juiz Santos.

Modelo Espanhol

Estados como Mato Grosso do Sul, Alagoas e Goiás, entre outros, estão apostando em unidades prisionais de excelência que investem na ressocialização dos presos.

O alagoano Núcleo Ressocializador da Capital é uma dessas prisões. Segundo o tenente-coronel Carlos Luna, superintendente geral de administração penitenciária de Alagoas, a experiência se baseia em um modelo espanhol e parte do princípio de que um tratamento respeitoso é essencial para a ressocialização dos detentos.

Estados como Mato Grosso do Sul, Alagoas e Goiás, entre outros, estão apostando em unidades prisionais de excelência que investem na ressocialização dos presos.

Contudo, uma seleção rigorosa faz com que apenas presos com bom comportamento, que nunca tenham participado de motins e que aceitem participar da experiência sejam selecionados. Eles só são transferidos do sistema carcerário comum para a unidade depois de passar por uma avaliação psicológica onde devem mostrar "vontade de mudar de vida".

Diferentemente da maioria das prisões no Brasil, sobram vagas na unidade, que foi construída para abrigar 155 detentos, mas tem atualmente pouco mais de 130. Os detentos não podem usar entorpecentes e todos eles trabalham na manutenção da unidade e em empresas conveniadas. Até presos que cumprem pena no regime fechado são autorizados a sair desacompanhados para trabalhar.

Ao acabarem de cumprir suas penas, os detentos são encaminhados para convênios do governo com empresas, para a colocação no mercado de trabalho. "Conseguimos baixar o grau de reincidência para 5%", disse Luna.

Porém, a realidade da unidade é muito diferente do restante do sistema prisional do Estado. "É complicado aplicar esse modelo em unidades grandes", disse.

Ênfase no Trabalho

Segundo o CNJ, uma unidade prisional que aplica aspectos positivos no regime semiaberto é o Centro Penal Agroindustrial da Gameleira, no Mato Grosso do Sul. Sua principal característica é a ênfase no trabalho, uma vez que a unidade possui nove oficinas de trabalho remunerado – em áreas como tapeçaria, produção de contêineres e portões e cozinha industrial.

Muitos dos presos exercem essas atividades fora do presídio e são as próprias empresas que se responsabilizam pelo seu transporte e medidas de segurança. Em paralelo, os detentos participam de tratamento para se livrar do vício em entorpecentes.


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