25/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Crianças, não perguntem aos seus pais

Publicado em 08/04/2016 12:00 - Rodrigo Amém

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Eu acompanho a política em Campo Grande (MS) com a nostalgia constrangida de quem ouve os comentários racistas da própria mãe durante a ceia de natal. Dá vergonha e vontade de esconder a cara, mas não dá pra esquecer que, para o bem e para o mal, eu saí dali.

Eu leio as notícias do poder na capital como quem acompanha a reprise de O Bem Amado (crianças, perguntem aos seus pais) no canal Viva. Uma sucessão de personagens pitorescos, unidimensionais e tramas rocambolescas motivadas por ambição e ignorância. A cada episódio, um Odorico Paraguaçú é desmascarado. Prontamente, os caciques dos partidos se voltam para os apresentadores de rádio e TV em busca do próximo Sassá Mutema (crianças, perguntem aos seus pais).

Não que eu esteja em situação muito melhor. Enquanto vocês buscam lideranças entre os locutores da AM, aqui no Rio os futuros líderes nascem das milícias. E eu sempre melhor que o mau político seja risível que temível. Então, sinto saudades das trapalhadas do poder da Cidade Morena.

A ideia não é pluralizar as fontes de informação ajudando os estudantes a compreender melhor as múltiplas visões de mundo. O raciocínio é o seguinte: a melhor forma de combater a doutrinação é a desinformação.

Parece que a pataquada da vez é a tal Lei da Mordaça, que proíbe a discussão de política, religião e o ensino de educação sexual nas escolas. Um mimo importado de um movimento chamado Escolas sem Partido. Aparentemente, uma iniciativa para impedir que os alunos sejam doutrinados. Veja bem: a ideia não é pluralizar as fontes de informação sobre esses temas nas escolas, ajudando os estudantes a compreender melhor as múltiplas visões de mundo que farão parte da sua vida como um eleitor cidadão e pagador de impostos. Não, não. O raciocínio é o seguinte: a melhor forma de combater a doutrinação é a desinformação. E a melhor forma de prevenção de DSTs e gravidez na adolescência é a ignorância.

Claro, os proponentes da mordaça acham que cabe aos pais discutir estes temas. Mas, e se meus pais forem ignorantes? É uma possibilidade, não? É possível que um pai ache que desinformação sobre sexualidade é o melhor para seu filho. Azar do filho? E se um pai for ateu? Como o filho vai descobrir as maravilhas do Alcorão? O pequeno infiel vai arder no mármore do inferno (Crianças, perguntem aos seus pais)?

Faz bastante tempo que eu desisti de esperar que soluções modernas para as questões urbanas de Campo Grande saíssem da Câmara dos Vereadores. Não é a especialidade da casa. A especialidade da casa é a canetada proibitiva. Deve ser mais fácil dizer aos outros o que não fazer do que efetivamente fazer algo. Então, ao invés de estimular o debate e formar melhores cidadãos capazes de impactar a comunidade positivamente, vamos garantir a perpetuação das nossas visões sobre as próximas gerações. Afinal, é pra isso que temos filhos, certo? Clones! Filho com opinião própria? Bate na madeira.

Mas, num exercício de futurismo, como seria essa formação política, religiosa e sexual da, digamos, quarta geração depois de aprovada a lei? Já brincou de telefone sem fio (Crianças, perguntem aos seus pais o que é um telefone com fio)? Imagine a mesma brincadeira mas, no lugar da orelha, é o título de eleitor, a genitália e a espiritualidade dos participantes. “É pra fazer o que, com quem e rezar para o que, mãezinha?!” “Não sei, meu filho. Só sei que foi assim.” Crianças, perguntem… quer saber? Melhor olhar no Google.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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