19/04/2024 - Edição 540

Brasil

Promotoria de Minas envia processo sobre Mariana para a Justiça Federal

Publicado em 17/03/2016 12:00 -

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Mais de 20 dias após a Polícia Civil pedir a prisão de seis funcionários da Samarco, entre eles o ex-presidente Ricardo Vescovi, e de um da empresa Vogbr, pela tragédia de Mariana, o Ministério Público de Minas Gerais decidiu enviar o processo para a Justiça Federal.

No total, os sete foram indiciados sob suspeita de homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), inundação e poluição de água potável.

Agora, a decisão sobre a prisão preventiva ficará sob responsabilidade de um juiz federal em Ponte Nova (MG) e as denúncias devem ser apresentadas pelo Ministério Público Federal.

O envio do processo foi feito pelo procurador-geral de Justiça, Carlos André Bittencourt, sob a justificativa de que o julgamento de crimes relativos ao desastre ambiental é de responsabilidade das varas federais.

Em nota, o Ministério Público diz que o envio dos autos não faz "qualquer juízo sobre as provas produzidas e suas consequências jurídicas, o que seria inadequado, neste momento".

"A definição de competência nesses moldes não distancia o julgamento do local dos fatos. Ao contrário, o entendimento é de que a apreciação compete ao órgão da Justiça Federal a que pertence o município de Mariana", diz o comunicado.

Inicialmente, o processo foi levado para a comarca de Mariana, mas a Promotoria local disse que não tinha competência para elaborar denúncia sobre o caso.

Além da Polícia Civil, as mesmas sete pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal no processo que apura crime ambiental. O órgão também indiciou a própria Samarco e a Vale, dona da mineradora junto à BHP Billiton.

Todos os indiciados negam que tenham cometido os crimes.

O rompimento da barragem aconteceu no dia 5 de novembro e deixou 19 mortos, além de um rastro de destruição que chegou ao litoral capixaba.

Escutas

Funcionários da Samarco combinaram com a área jurídica da empresa quais informações poderiam ou não ser fornecidas a agentes da Polícia Federal que iam a campo apurar a responsabilidade da mineradora na ruptura da barragem. Locais que seriam vistoriados por policiais foram também previamente verificados.

O acerto entre os funcionários aparece em interceptações telefônicas de diretores da Samarco. Por desconfiar que estavam escondendo dados, a PF pediu à Justiça autorização para os grampos.

Foram interceptados os telefonemas de Germano Silva Lopes, gerente geral de projetos, Daviely Silva, gerente de geotecnia, e Wanderson Silva, coordenador de monitoramento, entre outros.

A PF chegou a pedir a quebra do sigilo do diretor-presidente licenciado da Samarco, Ricardo Vescovi, mas a solicitação foi negada. Ao todo, com a contribuição dos indiciamentos, seis diretores da empresa, incluindo Vescovi, foram indiciados sob suspeita de crime ambiental.

Em diálogo de 14 de janeiro, o engenheiro Germano Silva Lopes é avisado por um funcionário de nome Lindomar que a PF queria ver registros de tremores do dia da tragédia e trincas em prédios.

A Samarco dizia que sismos podiam ter causado a ruptura do reservatório, e os policiais foram checar.

"Lindomar mandou os peritos irem a campo enquanto ele providenciava os pedidos. Lindomar disse que no dia tem quatro registros [de tremores], que mandou para o jurídico avaliar se aquele material pode mostrar para eles. Lindomar disse que foi até o [setor de] meio ambiente para ver a trinca antes de levar os caras", afirma o relatório.

No inquérito, a PF diz que os grampos apontam "fortes indícios" de que a Samarco "tem escondido dados e informações importantes". Afirma ficar claro que empregados "recebem ordens dos superiores para agirem ou declararem dessa ou daquela forma".

Em pedido de quebra de sigilo, o Ministério Público Federal defende as escutas devido "às posturas pouco cooperativas dos representantes da Samarco".

A defesa dos diretores da mineradora diz que não houve ocultação ou manipulação de informações, mas "preocupação de padronizar respostas aos milhares de ofícios requisitados" e "dezenas, senão centenas de inspeções".

O relatório mostra ainda que diretores combinavam com a assessoria de imprensa da Samarco como passar, omitir ou informar incorretamente dados aos jornalistas.

Medidor

No mapa que indicava a localização dos instrumentos da barragem de Fundão, aparece um medidor de nível d'água. Mas seus dados nunca foram analisados nem apareciam na planilha de acompanhamento. Ele existia? Nem a equipe de monitoramento da Samarco sabia dizer.

As conversas de diretores da empresa gravadas com autorização judicial pela PF revelam que os responsáveis por monitorar a barragem que se rompeu em novembro não tinham certeza da existência de piezômetros (aparelhos que medem pressão da água no solo) em determinado ponto da estrutura.

O piezômetro em discussão deveria estar onde o ex-consultor da Samarco Joaquim Pimenta de Ávila disse ter visto, em vistoria no final de 2014, um "princípio de ruptura".

Em 29 de dezembro, Wanderson Silvério Silva, 44, coordenador de monitoramento, checa por telefone com um funcionário de nome Leo se o equipamento existia.

Leo diz que não, pois o local estava em obras, mas que havia instalado anteriormente naquele local um aparelho que estava com nível elevado e que duvidava da consistência dele. O piezômetro não foi analisado, "hora nenhuma", conta Wanderson, que admite: não sabia que ele existia.

No mesmo dia, outro diálogo de Wanderson revela que a empresa sabia dos graves problemas de drenagem na estrutura. Na conversa, a mulher de Wanderson lembra de uma frase dita por ele: "A primeira vez que olhei, vi que estava errado". Ela pergunta o que ele queria dizer. Wanderson responde: "A barragem não tinha drenagem".

A frase, segundo sua defesa, foi um "desabafo". O advogado Maurício Campos Jr. diz que seu cliente confirmou à polícia que Fundão tinha problemas de drenagem, que estavam sendo corrigidos.

Afirma também que a Samarco fazia leituras de piezômetros com frequência acima da recomendada e que eventual falha no aparelho não comprometeria a segurança.

Problemas de monitoramento e de drenagem são apontados como uma das causas da ruptura de Fundão.

Outro Lado

A Samarco afirma em nota que "repudia qualquer alegação de que tenha, em algum momento, tentado dificultar o trabalho das autoridades".

"Desde o acidente, a empresa vem colaborando com as investigações sobre as causas do rompimento da barragem de Fundão", diz a nota.

O advogado Maurício Campos Jr., que defende os diretores licenciados da Samarco Germano Lopes, Daviely Silva e Wanderson Silva, se disse perplexo pelo "vazamento do conteúdo das interceptações", que considera "invasivas" e "desnecessárias".

Ele diz que a empresa não teria motivos para não mostrar as trincas que apareceram em prédios da Samarco no dia da tragédia. "A Polícia Federal teve acesso a toda e qualquer informação requisitada", afirmou, em nota.

A consulta ao departamento jurídico antes de passar informações é, segundo o advogado, uma preocupação em "padronizar respostas".

"Nada disso se confunde com manipulação ou ocultação de informações, sobretudo quando considerada a legítima orientação jurídica."

A mineradora diz que não teve "acesso oficial às escutas ou transcrições mencionadas" e que não iria se manifestar. A empresa afirma que "não adultera informações ou documentos".

O advogado Maurício Campos Jr. disse que é "natural que o trabalho da assessoria de comunicação envolva a redação de textos para permitir a compreensão pelo público leigo, evitando confusão com a resposta técnica sem o devido tratamento" e que não acredita que isso possa ser confundido com adulteração.


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